Nesta segunda-feira (10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez em Brasília um pronunciamento no qual realizou um balanço dos 100 dias do seu governo. Em sua fala, Lula destacou o papel do poder público como indutor dos investimentos e fez um levantamento sobre os recursos empenhados em cada área do governo até agora.

Ele disse que quer receber cobranças do mercado para equilibrar as ações do governo entre uma perspectiva de esquerda e de direita e que o governo deve pensar não apenas em quem ganha um salário mínimo, mas também em quem ganha três, quatro salários, sendo preciso “pensar não apenas nos mais pobres, mas em toda a sociedade brasileira”. O presidente também afirmou que os bancos públicos terão um papel importante na concessão de créditos para empreendedores.

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“Esses bancos são públicos e têm uma finalidade diferente dos privados. Não queremos que eles sejam deficitários, mas não podem emprestar dinheiro com os mesmos valores dos bancos particulares. Dinheiro bom não é guardado em cofre, mas criando obra, emprego e desenvolvimento, obviamente com a responsabilidade que devemos ter por que não podemos gastar de forma desenfreada e irresponsável”, discursou.

100 dias de governo

Até o momento, o governo Lula focou em preencher lacunas deixadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). Em pouco mais de três meses, a atual gestão aumentou o salário mínimo acima da inflação e as bolsas de pesquisadores, além de ter relançado programas que haviam sido interrompidos durante a administração anterior, como o Bolsa Família; Mais Médicos; Minha Casa, Minha Vida; e PAA (Programa de aquisição de Alimentos).

O atual governo também deu início à retomada de parcerias e alianças internacionais e apresentou o projeto da nova regra fiscal que será discutida agora pelo Congresso Nacional. O texto é uma proposta que busca substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer (MDB), regra que limita o crescimento das despesas do governo à inflação. O projeto permite que as despesas cresçam acima da inflação e estabelece regras para voltar a ter superávit nas contas públicas.

Propostas de campanha

Diante desse cenário, o que se pode esperar agora em relação ao futuro da economia brasileira? Lula conseguirá cumprir suas promessas de campanha? Economistas consultados pela IstoÉ Dinheiro afirmam que a demora para divulgar medidas econômicas importantes, como o arcabouço fiscal, gerou ruídos e desconfianças no mercado e, para que a proposta seja bem-sucedida, serão necessárias várias mudanças na estrutura tributária.

“O governo demorou para divulgar as primeiras medidas mais relevantes na área econômica. A mais importante (arcabouço fiscal) poderia estar pronta no primeiro dia de governo, já que o governo poderia ter proposto isso durante a campanha ou pelo menos aproveitado o governo de transição para elaborá-la”, afirma Nelson Marconi, economista da FGV EAESP.

Marconi acredita que a nova regra fiscal poderia ter sido mais detalhada e ter deixado de fora os investimentos. “O governo apresentou as linhas gerais mostrando que buscará recuperar receitas, mas falta dizer exatamente qual será o caminho para isso. Outro ponto importante é que o investimento deveria ter ficado fora da regra justamente por ser um componente anticíclico em relação à retomada do nível de atividade econômica e isso é um problema”.

Pedro Afonso Gomes, presidente do Corecon-SP (Conselho Regional de Economia de São Paulo), ressalta que, após a posse do atual governo, descobriu-se que a situação econômica e financeira do Estado era bem pior do que se imaginava.

“O que o presidente está fazendo é restaurar a credibilidade nacional e internacional que o Brasil perdeu neste últimos anos, atraindo investidores e tranquilizando empresários e trabalhadores. Montado esse esqueleto, ficará bem mais simples enxertá-lo com os projetos de desenvolvimento econômico e social almejados pela população e necessários para o país”, defende Gomes.

Para Josilmar Cordenonssi, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, esperava-se que existisse uma racionalidade maior no trato da questão da dívida e no respeito à independência do Banco Central. “Porém Lula, após eleito, fez discursos mais duros fazendo com que o mercado ficasse bastante ressabiado e se perguntando quais as reais intenções do presidente, especialmente quando se espera no início de um governo que ele faça o trabalho menos popular focando no ajuste das contas públicas para depois colher os resultados quando estiver mais próximo da eleição”, analisa.

No entanto, para o economista, parece que não é dessa forma que Lula pensa. “Ele acha que precisa reconquistar parte do eleitorado porque a eleição foi muito apertada e esse cálculo político está atrapalhando uma política econômica com menos ruído”. Apesar das dissonâncias entre discurso e prática que geram desconfiança, Marconi acredita que é factível a realização da nova regra fiscal, desde que o governo consiga aprovar uma série de mudanças na estrutura tributária, recuperar receitas e diminuir incentivos fiscais.

Relação com o Congresso

É consenso entre os especialistas consultados que, devido ao fato do governo não possuir até o momento uma maioria no Congresso, ele deverá enfrentar dificuldades para aprovar determinadas propostas. Um exemplo é a questão da aprovação das MPs (medidas provisórias), fonte de conflito entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Caso não sejam referendadas pelo Congresso em até 120 dias, as medidas perderão validade.

“O governo terá certa dificuldade para implementar reformas, principalmente as que dependerem de apoio do Congresso, já que ele não tem uma maioria ampla. Isso é histórico no Brasil. A composição do Congresso nem sempre coincide com a linha do Executivo e isso pode causar dificuldades. Porém, existe certa predisposição a aprovarem alguma reforma tributário porque é consensual que precisamos fazer alguma mudança nesse sentido”, diz o economista da FGV.

“Não acredito que Lula esperasse apoio na classe política maior do que está tendo, mas já houve uma divisão no bloco de oposição, com o Republicanos compondo agora um grupo de moderado apoio ao governo. O que está acontecendo é um maior protagonismo de lideranças não parlamentares – empresários, trabalhadores, formadores de opinião, representantes de segmentos e causas sociais significativos – através dos conselhos e do diálogo direto com o Executivo”, afirma o presidente do Corecon-SP.

Equilíbrio entre o social e o mercado

As agendas governamentais que mais caminharam até agora foram as ligadas às pautas sociais e de direitos humanos, como o Bolsa Família e o combate ao trabalho escravo. Por outro lado, a pauta econômica até agora caminha lentamente e, segundo Marconi, isso é um problema porque as duas agendas são importantes e deveriam caminhar juntas no mesmo ritmo.

“O ministro Haddad tem se equilibrado entre o lado político do governo Lula e do PT e as expectativas do mercado. Aparentemente, ele está sendo o negociador geral da política econômica com todas as partes, inclusive Congresso, tendo o Lula como a pessoa que vai chancelar ou não os projetos. Porém, muitas vezes é o próprio lula que está colocando obstáculos maiores ao desenvolvimento das políticas econômicas do governo. A questão da demora do anúncio do arcabouço fiscal é um exemplo”, avalia Cordenonssi.

De acordo com o professor do Mackenzie, esse modo de atuação errático do governo tem gerado muitos ruídos e desconfianças no mercado. “Isso faz com que a taxa de juros na ponta longa da curva, onde o Banco Central não controla, fique mais alta que o necessário onerando o próprio custo da dívida e diminuindo recursos preciosos que poderiam ser alocados para políticas sociais que acabarão indo para o pagamento de juros”.

Para Gomes, apesar dos obstáculos, é possível conciliar o desenvolvimento econômico e social e cumprir com as expectativas do mercado. “Analisando friamente, o mercado financeiro não produz, apenas administra recursos financeiros, deslocando-os de quem os tem para quem deles precisa. O artigo 192 da Constituição diz que o sistema financeiro deve ‘promover o desenvolvimento equilibrado do país e servir ao interesses da coletividade’. Aqueles que atuam em entidades e empresas vinculadas ao sistema financeiro sabem que isso é plenamente compatível com a obtenção de lucros razoáveis, permitindo, com custos financeiros menores, viabilizar a atividade dos setores produtivos e a própria sobrevivência a logo prazo dos bancos e demais financiadores. É isso que Lula tem pregado com as suas palavras, nem sempre entendidas”, conclui.