ltamente intensivo em investimento — para gerar 1MW de energia solar é necessário US$ 1 milhão —, o setor esbarra em alguns empecilhos para ganhar escala no Brasil, a despeito da óbvia vocação do País para tal. Entre eles a falta de regras transparentes que, no seu vácuo, inibem a injeção de capital, e o conflito entre produtores e distribuidoras. Com a recente aprovação do marco regulatório pela Câmara dos Deputados, a expectativa do setor é que a situação mude. “Esperamos investimentos robustos no setor”, disse à DINHEIRO Surya Mendonça, CEO da Órigo Energia, empresa que possui 20 fazendas solares no Brasil e que acaba de captar R$ 250 milhões em papéis verdes para aumentar sua capacidade de 70MW/ano para 100MW até o fim de 2021. Quem ganha com a expansão da oferta é o consumidor, que verá o valor da conta final cair e o País, que, em meio à luta mundial pela transição energética, mostra seu potencial produtivo alinhado à economia de baixo carbono.

Qual o grande desafio para a indústria de energia solar no Brasil?
Essa é uma indústria de investimento intensivo. Para gerar 1MW de energia solar é necessário cerca US$ 1 milhão em investimentos. Só que é complicado iniciar uma conversa com investidores, no nosso caso sejam eles de equity — porque usamos capital próprio também — ou de dívida, sem uma segurança de quais serão as regras daqui a dois anos. A imprevisibilidade é o maior obstáculo à energia solar no País.

Recentemente a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 5829/19 de geração de energia distribuída, agora em análise pelo Senado. Com a aprovação do texto a conversa com os investidores deve ficar mais fluida?
Após alguns anos de muito imbróglio por falta de consenso entre os agentes, conseguimos que esse PL finalmente tivesse a assinatura de todos: produtores, distribuidores, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Ministério de Minas Energia. Com a aprovação do texto, o Brasil abrirá boas possibilidades de investimentos robustos no setor porque o mercado saberá as regras que serão aplicadas. Hoje, quem investe assume um risco alto por essa falta de clareza.

Qual seria a grande deficiência do modelo atual?
A energia produzida nas fazendas é injetada na rede da distribuidora local e os créditos de energia são alocados integralmente na conta dos clientes. Isto é, para cada 1 quilowatt/hora que a fazenda gera, é computado 1 crédito na conta de luz na ponta final. A alegação da distribuidora é que, como o cliente está ligado em sua rede, ela tem custos mesmo que o consumidor não esteja usando a energia que ela provê. O que é justo. Com o novo texto, isso mudará. A discussão agora é para determinar qual será a parcela a ser paga à distribuidora. No fim, ficará menos rentável para o empreendedor. Por outro lado, o sistema fica mais equilibrado.

Qual tipo de capital tem mais atração pelo setor de energia solar no Brasil?
Tanto o público como o privado, mas aprovar definitivamente o marco regulatório é uma necessidade urgente justamente porque precisamos atrair mais investimento privado. Veja o momento em que vivemos hoje: estamos em meio a uma crise energética e o governo não tem dinheiro para construir novas hidrelétricas. A sensação do setor é que a aprovação do PL vai atrair investimentos robustos que ajudarão o País a sair da situação de déficit de energia no qual se encontra.

E entre o nacional e o internacional?
Eu diria que hoje atraímos mais capital nacional pelo fato de sermos uma república bananeira sem regras claras. Ainda assim, alguns investidores estrangeiros tomam o risco. Recentemente, por exemplo, firmamos uma parceria com a empresa norueguesa Norsk para a construção de 12 usinas fotovoltaicas no Brasil com capacidade de geração estimada de 37 MW e investimento inicial de R$ 150 milhões.

Uma vez que o core da empresa tem relação direta com a economia de baixo carbono, o capital chega com condições mais favoráveis por estarem ligados a projetos relacionados aos princípios ESG (ambiental, social e governança)?
Recentemente emitimos o primeiro FIDC como título climático no Brasil, o Green FIDC Solar GD, e também um Green CRI (certificado de recebíveis imobiliários). Acessar estes recursos não nos proporcionou condições financeiras melhores. Ainda. O maior benefício foi trazer um investidor que tem ou que quer ter em seu portfólio investimentos em ESG .

Qual valor captado e a que se destinará?
Somando o FDIC e o CRI foram R$ 250 milhões que serão investidos na construção de novas fazendas solares.

Ainda que o core da Órigo e das fazendas solares seja atrelado a uma economia verde, as placas são colocadas sobre a terra em áreas extensas. Isso não pode trazer impacto na biodiversidade da região?
O primeiro ponto aqui é que não somos nós que escolhemos o lugar. Quem escolhe é a distribuidora que determina onde a fazenda deve ser instalada para ser conectada à sua rede. Mas, normalmente é um lugar muito seco, árido e com pouca vegetação. Exemplos são o agreste de Pernambuco e o norte de Minas Gerais, regiões que também têm baixa atividade econômica. O impacto ambiental é tão baixo, já que são áreas sem grande biodiversidade, que somos dispensados de qualquer tipo de exigência de licença ambiental. De outro lado, temos alto impacto social tanto pela geração intensiva de empregos durante a construção da fazenda como pelo aluguel do terreno durante os anos em
que as fazendas ocupam o espaço.

Outra questão é relativa ao pós consumo. Uma placa solar tem vida útil de cerca de 30 anos. Como fazer o descarte responsável desse material?
Esse é um problema para o qual ainda não temos a resposta. Mas, daqui a 30 anos, provavelmente teremos novas soluções tecnológicas que permitirão o descarte correto. O que posso dizer é que quando se fala na vida útil da placa, o tempo se refere à garantia que o fabricante dá. Não significa que ela vai parar de funcionar. Ela perderá eficiência. Mas o investimento já está feito e ela continua gerando energia e pode continuar em uso. Além disso, é feita de silício. Então uma possibilidade é que a placa seja desmembrada e os componentes, recondicionados.

Hoje o desperdício de energia também é uma vulnerabilidade.
O armazenamento da energia solar ainda não acontece porque é muito caro, mas vai acontecer. Hoje, não conseguimos injetar na rede toda a energia que produzimos em horários de pico de incidência solar e não conseguimos armazená-la para ajudar a rede no horário de mais demanda, como no início da noite. Se o preço das baterias fosse viável, esse problema estaria resolvido. A solução virá com a popularização do carro elétrico no mundo. A demanda dos veículos por baterias é muito alta e isso vai aumentar a escala e reduzir o preço. Só que ao Brasil vai restar o papel de importador desses equipamentos, provavelmente com selo da China.