Poucos currículos contemplam a trajetória de Sérgio Sá Leitão, secretário estadual de Cultura e Economia Criativa de São Paulo. Nele há direção de organizações públicas e privadas, o empreendedorismo na área cultural e trabalhos como jornalista e professor. Junte também os cargos de secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, chefe de gabinete de Gilberto Gil no Ministério da Cultura do governo Lula e ministro da Cultura no governo Temer. Em meio a isso tudo, arrumou tempo para escrever cinco livros e dirigir filmes. “Tenho um desafio e uma cruzada: mostrar que a cultura movimenta a economia”, afirmou à DINHEIRO.

ISTOÉ DINHEIRO – Como ser eficiente e eficaz dentro da administração pública?
SÉRGIO SÁ LEITÃO – A modernização do Estado precisa entrar na agenda. A gente está no século 21 com um Estado que funciona com regras e concepções de um Estado dos séculos 19 e 20. Ficou muito defasado em relação à sociedade e às exigências contemporâneas. E está defasado sobretudo em ter uma política pública mais abrangente, mais inclusiva e mais focada em resultados.

É um Estado inchado?
Não temos de falar em termos de Estado máximo ou mínimo. A discussão não pode ser ideológica, tem de ser pragmática. Temos de falar em termos de qual é o melhor modelo, para que ele não seja um estorvo para a sociedade. No Brasil, temos um Estado produtor de desigualdade.

O senhor já atuou nas esferas municipal, estadual e federal. A ineficiência é generalizada?
Temos ilhas de excelência e ilhas de atraso e anacronismo. No âmbito federal, o BNDES, por exemplo, tem um corpo técnico altamente capacitado e comprometido com o que faz. A massa crítica que tem lá é exemplar. Eu diria o mesmo do Itamaraty. Por outro lado, temos órgãos, como a Ancine, onde o desempenho é muito aquém do desejável ou mesmo do possível.

Como entregar, na área da cultura, algo transformador para a população?
Trabalhamos sobre quatro eixos. O primeiro é o ecossistema cultural do Estado de São Paulo. Instituições ligadas diretamente ao governo. Cerca de 60 museus, salas de espetáculos, corpos artísticos, instituições de formação… São referenciais naquilo que fazem. Não é a mesma realidade de outros estados do País. É um patrimônio espetacular, de excelência. Isso é algo que precisa ser reconhecido, valorizado e, claro, aperfeiçoado ao longo do tempo. O segundo eixo é o do fomento – feito de forma direta, dinheiro da pasta, e indireta, por meio de incentivos fiscais. O terceiro é o da difusão cultural e ampliação do grau de acesso da população. Em todo projeto que nasce dentro da minha equipe, a primeira pergunta que faço é: “Vai chegar até Ilha Solteira?” (cidade a 700km da capital). O quarto eixo é o da formação. A cultura qualifica o capital humano.

No caso desse ecossistema de 60 museus, corpos artísticos, a gestão é 100% pública?
Existe uma administração muito eficiente e muito eficaz, feita com organizações sociais, por meio de um contrato de gestão. Fazemos um processo seletivo e elas trabalham sob diretrizes, metas e indicadores. Em 2019, foram mais de 30 mil ações, que atingiram 11 milhões de pessoas. Esse modelo é o que garante excelência. É aplicado parcialmente também em Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro. Hoje, instituições culturais públicas que têm os melhores resultados e estão em melhores condições no País são as sob gestão de organizações sociais.

O senhor defende que a cultura é segmento propulsor da economia. Existe ferramenta, em sua secretaria, por exemplo, capaz de atuar mais diretamente na formação e mesmo na qualificação para o mercado?
No estado, temos as Fábricas de Cultura. São 12 unidades. Em outubro entregamos a de São Bernardo do Campo (no ABC Paulista), no modelo que chamamos de 4.0 – será o novo padrão. Nele, somamos artes presenciais (dança, música, teatro) à tecnologia e à inovação, por meio de robótica, programação, animação, games, Realidade Virtual, Realidade Aumentada… Temos capacidade de oferecer 5 mil vagas em 302 cursos por ano. Além disso, há espaços de apoio à produção cultural local, com equipamentos, estúdios, impressoras 3D, coworking. Toda essa produção é consumida por 480 mil pessoas anualmente, em cada unidade.

O segmento cultural conseguiria sobreviver com recursos dele mesmo ou sempre o papel público será necessário?
Não há nenhum país do mundo – que tenha produção relevante e significativa na área, que tenha instituições culturais que realmente contribuam para o desenvolvimento, e que tenha preservação e valorização do patrimônio cultural – em que não haja algum tipo de presença do Estado. Se não tivéssemos a presença do Estado, não teríamos as pirâmides do Egito. Claro que deve existir um esforço para ter o máximo possível de receitas de outras fontes que não só públicas.

E ainda assim não seria possível?
Mesmo o Smithsonian (instituição americana que reúne 19 museus), exemplo internacional de gestão, eficientíssimo em captação de doações, em receitas com licenciamentos, venda de produtos, mesmo lá quase 60% do funding sai do Tesouro dos Estados Unidos (53,3% no orçamento de 2019).

No caso brasileiro, em que o cobertor orçamentário é curto porque a maior parte da receita está comprometida com despesas obrigatórias, como fazer as escolhas? Como decidir para qual manifestação cultural irá o dinheiro?
Em primeiro lugar, é fundamental entender que a cultura pertence ao campo da sociedade civil. Portanto, não cabe ao Estado fazer cultura, nem dizer o que é ou não é cultura. Em segundo lugar, é preciso que a política da área seja a mais inclusiva, abrangente e diversificada possível. Em terceiro lugar, deve sempre respeitar a Constituição, que garante o direito à liberdade de expressão e à criação artística e intelectual. Finalmente, é vital que a política cultural seja feita em parceria com a sociedade civil e suas entidades, associações, grupos, coletivos.

Existe um indicador entre o dinheiro investido na área e retorno econômico?
Sim. Para cada R$ 1 investido, se gera um impacto econômico entre R$ 16 e R$ 18. É multiplicador. Um retorno gigantesco. A economia criativa representa 3,9% do PIB de São Paulo. Em tudo o que fazemos, buscamos identificar e estimular a dimensão econômica da cultura. Porque possui uma alta capacidade de geração de renda, geração de emprego, geração de inclusão. Tenho um desafio e uma cruzada, que é mostrar que a cultura é produtora de riqueza. Movimenta a economia. No caso do Brasil, o desperdício é ainda maior, pela própria formação da nossa sociedade. Porque a diversidade é a base dessa produção cultural, a base da economia criativa. Desperdiçamos a diversidade como potencial econômico.