Nos últimos 24 anos, a rotina do engenheiro Rodrigo Luna esteve envolvida com os negócios da construtora e incorporadora Plano&Plano, da qual é CEO. E agora, a partir de 1º de fevereiro, o executivo irá acumular uma função não menos desafiadora: comandar por dois anos o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP). A entidade reúne mais de 400 incorporadoras do principal mercado do País, responsável por movimentar R$ 25 bilhões em Valor Geral de Vendas (VGV) em 2020 – volume 10% superior ao apurado no ano anterior –, após a comercialização recorde de 51,4 mil unidades. Os números do ano passado ainda serão fechados. “Deveremos ficar entre 60 mil e 65 mil”, afirmou o empresário. Apesar dos números satisfatórios, Luna acredita em período de acomodação em 2022 diante do aumento da taxa de juros, da inflação e da queda do poder aquisitivo da população.

O mercado imobiliário bateu recordes nos últimos dois anos. A que atribui isso?
Os números de 2020 e 2021 foram muito bons. Anos que enalteceram a importância do lar. Mais do que nunca as pessoas que ainda não têm casa, as pessoas de baixa renda, procuraram encontrar formas de adquirir o imóvel próprio. E as de média e alta renda buscaram aprimorar, se adaptaram à nova realidade do home office. Somado a tudo isso tivemos uma taxa de juros convidativa, muito baixa, o que obviamente aumentou a capacidade de o consumidor adquirir a casa própria.

A expectativa segue crescente para 2022?
A demanda continua muito forte. Mas temos aí um momento politicamente bastante instável por causa da eleição. As redes sociais ajudam a colocar mais fervor nessa panela. Todo mundo hoje tem voz. A classe política é feita de seres humanos, e os seres humanos são impactados por esses movimentos todos. Então, 2022 será politicamente bastante instável, e leva essa condição para a economia.

Isso quer dizer que a eleição pode influenciar na retomada do crescimento do setor?
A instabilidade não atinge diretamente as pessoas no dia a dia, mas afeta o investimento. E isso pode trazer um pouco de insegurança.

Temos um aumento dos preços dos materiais, dos imóveis, da inflação e dos juros. Esses fatores podem impactar nos negócios?
Nesses dois últimos anos, tivemos como incentivo no setor uma taxa de juros bastante baixa e convidativa. Agora, esse ajuste estrutural está sendo necessário para enfrentar o desequilíbrio da cadeia de insumos, que é mundial, por causa da pandemia. Em razão disso, veio uma inflação bem maior do que se esperava. Naturalmente, os preços dos imóveis precisam ser reajustados, para que a indústria consiga operar de forma saudável e equilibrada. Há de se buscar a equação preço de venda versus bolso da população. E a taxa de juros subindo agora com esse movimento de alta pelo Banco Central, que ainda vai continuar por um tempo, acaba afetando o crédito imobiliário pela pessoa física.

E como fica a situação?
Como temos um déficit habitacional enorme, na casa de 7 milhões, 8 milhões de famílias segundo a Fundação Getulio Vargas, e temos uma característica cultural de as pessoas buscarem a aquisição do imóvel quer seja por investimento, por reserva de valor, ou pela questão da pandemia, estamos esperando 2022 como um ano de estabilidade, talvez não de crescimento.

Muitas construtoras descartam investimentos no segmento econômico para priorizar os de média e de alta renda, que dão maior retorno. Esse movimento deve se manter?
Obviamente as pessoas de menor capacidade financeira sofrem mais quando os preços sobem. Como o nosso déficit habitacional está concentrado nas faixas de renda mais baixas, algumas empresas não conseguem mais produzir a ponto de caber no bolso de famílias com rendas menores e buscam outros mercados. O governo está atento a isso. Recentemente no programa Casa Verde e Amarela vimos um aumento dos tetos nas faixas das cidades, um esforço de redução na taxa do grupo 3 (famílias com rendimento entre R$ 4 mil e R$ 7 mil), para tentar trazer de volta parte das famílias que se desenquadraram por causa do aumento de preço.

E nas demais faixas de renda?
Quando a gente fala na média e na alta renda, vamos lembrar que a gente vem de anos muito difíceis. A crise de 2014 a 2017 trouxe uma estagnação muito grande para esse mercado. De 2017 para frente esse segmento começou a se ajustar. O mercado de média e alta renda tem se movimentado muito. Soma-se a esse fato a questão da taxa de juros. O crédito imobiliário talvez no Brasil nunca foi tão barato para média e alta renda como nesses últimos anos, uma vez que a Selic chegou a 2% ao ano. Esse conjunto de fatores fez com que parte das empresas aumentasse a abrangência de atuação no setor.

Qual o cenário para o mercado do Brasil e de São Paulo em particular?
São Paulo representa 36% do Produto Interno Bruto (PIB). Um mercado muito pujante, que não para de se reinventar. Uma cidade que vai rediscutir o seu plano diretor, com 430 mil unidades de déficit habitacional e que apresenta anualmente demanda de 120 mil unidades. Produzimos 50 mil, 60 mil unidades, dependendo do ano. Ou seja, o déficit de São Paulo só cresce. É um mercado muito forte, dinâmico e com toda certeza também vai ter um 2022 de alta demanda. Mas precisa desenvolver a região do Centro, requalificar os seus imóveis. É um desperdício deixar o Centro de São Paulo abandonado.

Vê alguma tendência?
A mais recente é de imóveis mais compactos. Isso tem acontecido não por desejo das pessoas, mas, sim, porque morar em São Paulo está cada vez mais caro. A terra é escassa e, com isso, o preço do imóvel sobe. O segundo aspecto é que nós temos uma legislação muito restritiva em termos de potencial construtivo. A hora que você traz isso para realidade significa o seguinte: menos ofertas nas regiões principais. Quando você tem menos ofertas o preço sobe. Precisamos possibilitar que as pessoas possam mesmo com o tíquete menor morar em regiões mais privilegiadas. Mas o espaço custa caro na cidade. É preciso reverter esse cenário.

Esse aumento de preço já estabilizou ou outros reajustes devem acontecer?
A equação de preço de imóvel tem dois componentes principais: primeiro, o custo de produção. O segundo, a escassez. Sobre o efeito da inflação, acho que o pior já ficou para trás. Porém, temos na outra ponta a escassez. Cada vez menos terrenos nas regiões mais importantes e mais centrais, e o encarecimento por causa disso. Ainda teremos um aumento de preços em 2022, mas não em razão do crescimento do custo de produção. Já na baixa renda não falta terreno. São muito grandes e bem localizados ao redor de São Paulo, inclusive nas franjas da cidade. O pior da inflação também já ficou para trás na baixa renda.