Prestes a completar um ano à frente da escola de negócios HSM, o executivo Reynaldo Gama viu uma transformação inédita ocorrer em poucos dias. Na plataforma de educação executiva que funciona em parceria estratégica com a Singularity University Brazil, os cursos e treinamentos presenciais respondiam por 70% do portfólio. Com a atual pandemia, 100% do conteúdo passou a ser on-line. Para Gama, os antigos preconceitos com home-office e serviços digitais foram quebrados — e o fim do isolamento dará lugar a um modelo híbrido tanto na educação quando no ambiente corporativo. Na entrevista a seguir, na qual cita Steve Blank (mentor do conceito de “lean startup”) e Winston Churchill, ele garante que todos sairão mais fortes da crise.

DINHEIRO –Sua rotina mudou muito com a pandemia?
Reynaldo Gama – A crise tem trazido desafios e aprendizados importantes. A rotina está muito doida, com a demanda crescendo muito, principalmente voltada para a educação, seja no desenvolvimento ou em treinamentos on-line. Recentemente, estive com a Sofia Esteves, presidente do conselho do Grupo Cia. de Talentos. Falamos sobre o momento histórico que estamos vivendo. Chegamos à conclusão de que não podemos nos furtar das oportunidades que nos estão sendo apresentadas.

Como você tem aproveitado essas oportunidades?
Estamos vendo agora que, com a crise, os preconceitos foram quebrados. As pessoas estão aprendendo a consumir de forma diferente, aceitando novidades de uma maneira muito positiva. Em termos de negócios, o ambiente tem se mostrado positivo. Na HSM, onde temos 120 funcionários, uma vez por semana colocávamos em home-office. Já tínhamos essa consciência mais digital, mas havia preconceito. Quando alguém dizia “hoje estou de home-office” vinha à mente a ideia de estar tranquilão em casa. Agora as pessoas estão aprendendo que é o contrário: a produtividade tem aumentado de forma considerável nesses tempos de pandemia. E temos a discussão sobre o que vai ser com o pós-quarentena.

O home-office será o novo normal?
As empresas terão de começar a discutir os benefícios. Será que faz sentido ter vale-refeição? Ou aumentar o vale-alimentação para compras em mercado? Como está a infraestrutura do funcionário em casa? A mesa e a cadeira são adequadas? E a banda de internet? Essas coisas precisam ser discutidas agora. O home-office está mais intenso e é preciso entender a realidade de cada colaborador. Não é só mudar o sistema todo e diminuir os custos internos de infraestrutura. É preciso repensar o trabalho para que tenhamos produtividade mais elevada. Tem gente que prefere ir ao escritório porque não tem a tranquilidade necessária em casa. Há ainda um fator cultural brasileiro. O café na empresa, o almoço com o colega ou gestor, o happy hour e as conversas de corredor são fundamentais para a criação de laços de confiança e resolução de problemas. Não dá para virar tudo digital. Acredito muito no modelo híbrido.

O que as empresas podem aprender com a crise?
Existe uma frase do Steve Blank [autor do conceito de “lean startup”, ou startup enxuta, difundido por Eric Ries] que diz: se você não está repensando seu modelo de negócio, você está em negação. E isso é fatal. Os hábitos de consumo e de convivência mudaram. Nós mesmos mudamos. Grande parte do nosso repertório era de cursos presenciais, cerca de 70%. As empresas preferiam esse modelo. Oferecíamos o digital, mas diziam “não”. O que fizemos? Transformamos em digitais muitas das entregas programadas para março e abril. Nossos clientes, alguns mais reticentes, aceitaram. A nota de satisfação dos produtos é alta e nossa demanda tem aumentado. As companhias estão vendo que o conteúdo digital é o mesmo, a forma mudou um pouco, mas o aprendizado é muito genuíno. Todos os negócios precisam sair da inércia. Claro que neste momento estamos há dois meses com 100% dos cursos e treinamentos on-line. Não vai ficar assim. Acredito que fique 50% presencial e 50% on-line em um futuro próximo.

A transformação digital será acelerada?
Há uma brincadeira frequente no Linkedin que pergunta quem acelerou seu processo de transformação digital. A resposta é: nem o CEO (Chief Executive Officer) nem o CIO (Chief Information Officer), foi o coronavírus. Esse processo de transformação se deu desde a forma mais básica, nas empresas que saíram correndo atrás de notebooks até para as que estavam baseadas em soluções analógicas. Muitos líderes foram forçados a avançar na digitalização de uma maneira muito mais disruptiva. Quebrar essas barreiras.

O que isso pode trazer de positivo?
Winston Churchill (primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra) tinha um conceito interessante: “Na crise, não perca uma oportunidade”. Acredito que vamos vivenciar esse modelo. Quantas pessoas fizeram reunião virtual pela primeira vez nesse período? Inúmeras. Começaram a usar o BlueJeans, o Zoom, o Hangouts e diversas outras plataformas. Isso é o novo mercado. Quantas pessoas compraram pela primeira vez pela internet? Quantas pediram comida em casa pelo aplicativo do celular? Criados novos hábitos, é hora da oportunidade. Foi ultrapassada a barreira da desconfiança. Temos de desbravar os marcos para auferir sucesso no futuro. Claro que estamos falando de um momento difícil, de saúde pública, mas não podemos hibernar. Tenho escutado muito isso: “Vou parar agora e voltar depois”. Não dá para fazer isso. Tem de mudar o modelo agora.

“A produtividade tem aumentado de forma considerável com a pandemia”

As empresas que tiverem dificuldade de romper com modelos mais tradicionais não vão sobreviver?
Será fatal para quem achar que isso tudo é modismo, que tudo vai passar e voltar ao normal. Os restaurantes que serão montados a partir de hoje e não pensarem em opções delivery não aprenderam nada e já nascerão errados. As entregas têm de ser naturais a partir de agora. É uma dinâmica complexa de mudança que envolve todos os negócios.

Além da digitalização, que áreas têm se destacado dentro das empresas com o isolamento?
O departamento de Recursos Humanos assumiu o papel de protagonista dentro da crise como nunca se viu antes. Está vendo as questões das pessoas, quem está acomodado, como trabalhar a cultura, como faz com os horários. Agora é a hora de trabalhar o desenvolvimento de pessoas, para quando tudo isso passar termos times mais preparados.

Está no DNA dos empreendedores se reinventar nos momentos difíceis?
Grandes líderes nascem de grandes crises. Os que tiverem inteligência emocional, serenidade e criatividade, com capacidade de reinvenção, vão muito bem pós-Covid-19. Estamos vendo muitos líderes sem saber o que fazer. Porque não existe manual. É novo. A literatura sobre como superar a pandemia está sendo escrita agora. Daqui a alguns anos teremos os cases das empresas que sucumbiram e das que emergiram durante a crise. Esse é momento de as lideranças se aproximarem dos times, dos negócios, se reinventarem de fato, com muita serenidade.

Vamos sair mais preparados dessa crise?
Não tenho dúvidas de que sairemos mais fortes, mais unidos. Temos visto grandes bancos se unindo como nunca se viu na história, anunciado medidas em conjunto. Sairemos mais humanizados. Na SingularityU sempre falamos em pensamento linear contra o pensamento exponencial. Vivemos a era do pensamento exponencial, de antecipar tendências e nos preparar para agir. E o coronavírus ensinou para todo mundo o que é exponencialidade. De uma maneira não positiva, mas é muito importante neste momento. Estou contente com o futuro que nos está guardado.