Renato Ochman é advogado, presidente da Câmara Brasil Israel de Comércio e também, importante dizer, gremista. Estava preocupado no dia da entrevista à DINHEIRO que seu time havia empatado com o Corinthians na noite anterior e poderia ser rebaixado. Dias depois, acabou sendo. “Adoro esporte, faço três vezes por semana. Mas é coisa de família, meu pai, Marino, jogou no Grêmio”, disse o especialista em Direito Societário e Fusões e Aquisições.

Dedicando 65% do seu dia para a advocacia, 20% para a Câmara e cerca de quatro horas para dormir, Ochman tem dois projetos de orgulho neste final de ano: um protocolo de intenções com a Invest Paraná para troca de tecnologias em agroecologia, que inclui uma Escola Agrícola 4.0; e uma parceria com o Parque Tecnológico São José dos Campos (SP), ambiente que promove tecnologia, inovação e empreendedorismo. Ele acredita na semelhança entre os dois povos, como a cabeça aberta, a informalidade e até o gosto pela praia. De interesses por commodities de dez anos atrás, agora a relação é outra, com muitos empresários brasileiros ligados a negócios em Israel.

Como foram as atividades da Câmara em 2021?
Nos dois últimos anos resolvemos descentralizá-la. Temos a sede em São Paulo, na Faria Lima, mas o Brasil é maior do que isso. Tem estados hoje que crescem de forma exponencial em alguns setores. Abrimos regionais no Amazonas, Mato Grosso, Paraná e Pernambuco. Tentamos encontrar nesses estados, que cresceram muito, quais eram suas necessidades, de acordo com o segmento que apresentou grande progresso.

A personalidade do governo brasileiro atrapalha negócios entre Israel e Brasil?
Sempre trabalhamos com a iniciativa privada. A Câmara não tem nenhum cunho político, ela simplesmente quer propiciar negócios entre empresas brasileiras e israelenses. De uma maneira geral, empresário brasileiro é craque, criativo, resiliente, ele sabe superar determinadas situações, sem se envolver em questões de governo. Os negócios vão continuar, não vão parar. O empresário passa ao largo de todas essas questões políticas. A cabeça dele trabalha de outra forma.

No caso do Paraná, em que a Câmara selou acordos de cooperação tecnológica entre Brasil e Israel, que prevê trocas tecnológicas na área agrícola e até criação de uma escola 4.0 no setor, o Estado não ofereceu nenhuma ajuda?
Zero. Se fosse politicamente, talvez não tivéssemos feito ainda. O que fizemos foi um seminário ao abrirmos nossa regional. Trouxemos três empresas supertops de Israel para se apresentar e eles adoraram. A Invest Paraná nos procurou para uma parceria. Ter uma escola agrícola com tecnologia de Israel seria algo inédito. Teremos um showroom de empresas nessa área, e vamos trazer professores e até estudantes para fazer convênios.

O que temos para oferecer a Israel?
É um bom ponto. E é uma via de mão dupla. O principal é trazer empresas de tecnologia para cá. Então priorizamos áreas como agro, cybersecurity, healthcare e um setor novo, mas que no Brasil tem tudo a ver, que é o de foodtech, ou alimentação de laboratório. Carne feita assim, por exemplo. Hoje parece uma coisa muito distante, mas isso vai ser o futuro do mundo, principalmente para suprir alimentação em países mais carentes. E estamos fazendo um movimento que nunca vimos, que é o de levar jovens empreendedores para lá. Existem jovens empresários fantásticos no Brasil e se eles estiverem em um hub de tecnologia em Israel vão crescer muito mais rápido, ficar mais próximos de fundos de investimentos.

E em São José dos Campos, a Câmara fechou um acordo com seu Parque Tecnológico, que promove tecnologia, inovação e empreendedorismo.
A Câmara faz webinars todo mês e em um deles nos convidaram para conhecer o Parque Tecnológico, dizendo que tinha tudo a ver com Israel. Fui conhecer pessoalmente e achei fantástico. Lá tem empresas de alto nível como a Embraer. E fechamos um protocolo para trazer tecnologia de Israel para o polo, mas de uma maneira mais ampla, não só focada no agro, como no Paraná.

Israel tem um histórico de rápida transformação em uma nação inovadora e tecnológica, de mais startups que Japão, China e Reino Unido, tanto que ganhou o apelido de nação-startup. Aqui também o crescimento de startups é grande…
Israel tem características muito parecidas com o Brasil. O israelense adora o Brasil. Eles têm uma formação que colabora muito com isso. São desbravadores, muito autônomos, com posicionamento de vida. Uma década atrás, os negócios que o Brasil e Israel tinham baseavam-se em um comprava arroz, o outro, soja, era grão, fertilizantes. Essa era a relação, de balança comercial pequena. Com a questão de tecnologia, aumentou a proximidade. Impressiona o número de empresários brasileiros ligados a negócios em Israel.

A Universidade de Tel-Aviv é um
ponto de irradiação dessas inovações, desse espírito. O que as universidades brasileiras poderiam aprender com ela?
As universidades em Israel criaram um conceito de que seriam um grande caminho para uma espécie de privatização dos negócios. Por mais que elas fossem sem fins lucrativos, focariam na profusão de novas tecnologias e com professores dedicados a isso. Criaram-se companhias subsidiárias que cederiam direitos do que descobrissem e ganhariam com isso. Estimulou muito o desejo e interesse por novas descobertas, que é um conceito bem interessante. A Nasdaq de tecnologia tem 50% das empresas originárias de Israel e os CEOs delas vieram de universidades de Israel. Então se conseguíssemos um modelo similar a esse, seria o ideal. Agora temos muita coisa no Brasil que é mal divulgada, como o Parque Tecnológico de São José dos Campos, que é exemplar. Ele é do mundo.

Abrindo o leque um pouco para relações político-comerciais gerais, a polarização Estados Unidos e China poderia afetar e de que forma o comércio no mundo?
Falando por mim, não pela Câmara, já passamos por vários momentos nacionais e internacionais. Cada um é uma surpresa. Se não tivesse surpresa, a crise não existiria, estaríamos sempre preparados para enfrentar algo. A própria questão da saúde mostrou a fragilidade do planeta.

Mas como vê Israel no meio disso tudo. A China tem polos de tecnologia no país, os EUA têm uma longa relação…
Para ser claro: Israel se tornou um player irreversível no mundo. Por que irreversível? Por causa do que se cria no país no setor de tecnologia, principalmente de apoio a determinadas populações. Israel se inseriu no cenário cultural, mundial, e nele não pedimos mais convite para festa. O mundo é convidado. Essa situação faz com que todos tenham de se encontrar num lugar e conversar. Israel é um player pequeno, um país minúsculo, mas que se tornou um convidado irreversível para esta festa.

Com a inflação pós-pandemia com demanda puxando para um lado, oferta de outro, ainda assim o quadro para 2022 pode ser otimista?
Temos duas situações. Olhando o mundo, ainda temos a pandemia e ela seguirá, de certa forma. Qualquer nova cepa é ponto fora da curva. Mas existe também muita liquidez no globo, por incrível que pareça, mesmo com a pandemia. E as pessoas estão ávidas para investir. Os juros para aplicação não estão tão altos, então as pessoas procuram alternativas de investimentos. Tecnologia e medicina serão áreas pra fusões e aquisições no próximo ano. E algo muito importante: o Brasil enfrentará uma eleição e, na minha experiência, é nessa época que surgem as grandes oportunidades para os empresários locais, que conhecem o entorno, que usam a moeda local, que vêem a oportunidade para comprar. E quando a coisa melhora, ele tira a cabeça para fora d’água antes de todo mundo. Época de eleição é época de dúvida, mas de grande oportunidade para empresários nacionais.