Donos de bares e restaurantes do Brasil vão demorar pelo menos até 2023 para se recuperar do baque provocado pelo isolamento social a partir da pandemia da Covid-19. Os que resistiram. O setor perdeu, em um ano, pelo menos 400 mil estabelecimentos. Isso significa 40% de 1 milhão dos que existiam antes da crise. A queda no faturamento chegou a 35%. Para o presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Júnior, o segmento pagou “uma conta desproporcional” com decisões de fechamentos de bares e restaurantes em vários momentos, o que, segundo ele, ajudou a ampliar o número de festas clandestinas no País. O executivo disse que a alta dos casos a partir de novembro teve relação direta com o período eleitoral. “Foi uma irresponsabilidade enorme.” Segundo ele, a omissão partiu das autoridades de Saúde, que tinham acesso aos números que indicavam aumento na taxa de contaminação. Agora, entende que o poder público precisa criar condições para a retomada das empresas que sobreviveram à pandemia.

ISTO É DINHEIRO – Como o setor de bares e restaurantes começou 2021?
Paulo Solmucci Júnior – Vivemos um repique da pandemia no fim do ano. A taxa de transmissão do vírus, desde que abriram bares e restaurantes, em agosto, vinha caindo. Nós tivemos o repique provocado pelas campanhas políticas, que tiveram 513 mil candidaturas e movimentaram pelo menos 10 milhões de profissionais. Saímos de taxa 0,65 para 1,31 no pico da campanha. Isso foi uma irresponsabilidade enorme. Passamos o mês de dezembro e janeiro lidando com esse problema, mas em fevereiro esse número começou a cair. Isso mostra que não há relação direta com bares e restaurantes. Estudo feito em Nova York mostrou que apenas 1,44% das contaminações se deram em bares e restaurantes.

O que o senhor está dizendo é que bares e restaurantes não contribuíram para o crescimento da pandemia?
Nós não tivemos surtos entre funcionários e clientes no País, o que demonstra que os protocolos estão sendo eficazes. A grande maioria dos estabelecimentos respeitou as regras. Claro que há quem desrespeite, mas é um número muito pequeno. Com as novas restrições, nós pegamos a juventude brasileira e a empurramos para festas e baladas clandestinas. Nos bares, há fiscalização, todo mundo acompanha. Tiramos os jovens de bares e restaurantes, em um ambiente relativamente protegido, e os levamos para eventos sem fiscalização. É um erro fechar novamente bares e restaurantes. Só fez sentido fechar no primeiro momento, que tinha como principal razão ajudar a aumentar ofertas de leitos em hospitais. Fechar agora não faz a menor diferença nesse caso.

Como está a situação financeira desses estabelecimentos?
Para se ter uma ideia, 99% das empresas estão no regime do Simples Nacional. A prorrogação de seis meses do imposto terminou em outubro, e a partir daí, tivemos de pagar duas parcelas. Em dezembro, precisamos pagar o 13º integralmente e fizemos uma crítica forte ao ministro Paulo Guedes, que devolveu R$ 17 bilhões dos R$ 51 bilhões liberados pela medida provisória que ajudava o pagamento de salários e permitia a suspensão de contratos, mas não ajudou no pagamento do 13º. E em dezembro também começou a vencer a carência dos empréstimos, como o Pronampe. Nós chegamos ao fim de 2020 com duas em cada três empresas do setor inadimplentes do Simples. Com todo esse cenário, criou-se a tempestade perfeita.

Quantos bares e restaurantes fecharam as portas por causa da pandemia?
Tínhamos 1 milhão de empresas em março, chegamos em dezembro com 700 mil e devemos perder mais 100 mil ainda neste mês, fechando com 600 mil. O aumento da alíquota de impostos, a partir de janeiro, impactou demais. O imposto de carnes em São Paulo aumentou 90%, principalmente para as pequenas empresas. E houve aumento na tributação do setor. Além de ser em um momento tão fragilizado, põe uma carga de tributos que alcança R$ 400 milhões. E agora o Estado oferece linha de crédito de R$ 145 milhões. O Amazonas abriu uma linha de empréstimo de R$ 140 milhões para um mercado dez vezes menor que São Paulo. A gente vê um ambiente muito ruim.

O faturamento caiu nessa mesma proporção?
Quando reabrimos, nossa receita estava em 40% do ano anterior. Em outubro, crescemos para 70%. Em estabelecimentos em áreas com população de baixa renda, esse número foi maior, impactado pelo auxílio emergencial. Tivemos realidades diferentes. Comércios em grandes cidades foram atingidos pelo grande volume de empresas que adotaram o home office. Em geral, a gente fechou o ano com 35% menos do que faturamos em 2019, que foi de R$ 300 bilhões. Perdemos R$ 100 bilhões. Campo Grande nunca fechou. Curitiba fechou por 18 dias. São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte foram impactadas por muito mais tempo.

Mas não seria natural que as metrópoles fossem mais atingidas, até por terem muito mais moradores?
Concordo que Rio de Janeiro e São Paulo foram prejudicados por serem porta de entrada do País. A pandemia chega primeiro nessas cidades, menos prevenidas e gera, de fato, um impacto grande. Mas isso não significa a quantidade de medidas tomadas e depois alteradas, e a subida de casos durante a eleição. O que eu critico é o conjunto de medidas que, na minha avaliação, não é coordenada pela ciência. Faltou um protocolo único. O que a gente viu foi o governador João Doria brigar com o presidente Jair Bolsonaro, o prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil com o governador de Minas, Romeu Zema, e tantos outros.

Não teria sido importante para o setor a manutenção do auxílio emergencial?
Foi um erro o governo não ter renovado o estado de calamidade pública, para garantir a manutenção do benefício. O Congresso deveria ter renovado, que é o que está se estudando agora. Acredito que esse erro esteja relacionado ao fato de o repique da pandemia, entre outubro e novembro, ter passado despercebido por quase todo mundo. E uma omissão por parte das autoridades da Saúde, que sabiam disso.

A omissão partiu do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello?
Do ministro, dos secretários estaduais e municipais de Saúde no Brasil, com responsabilidade maior para os estados, que acompanham mais de perto os números das cidades.

Qual tem sido o papel da iniciativa privada para ajudar o setor de bares e restaurantes?
Toda a cadeia de fornecedores, principalmente de alimentos e bebidas, se ofereceu para nos ajudar. Tínhamos preocupação enorme com estoque e falta de crédito. Pedimos para as empresas negociarem inadimplência, sem deixar de fornecer, e a levar informação à população sobre os protocolos do setor. Foi tão forte o apoio a ponto de oito grandes companhias terem criado o Movimento Nós, que investiu R$ 370 milhões para ajudar os bares e criar campanhas de conscientização.

Quanto tempo levará para que as empresas voltem à normalidade, do ponto de vista financeiro?
O setor pagou uma conta desproporcional para o bem estar da sociedade. E esta conta tem de ser compensada com ajuda. Fomos mais penalizados. A pandemia aniquilou 40% de bares e restaurantes no Brasil e o setor só se recupera em dois anos. Esse vai ser o tempo necessário para que as contas cheguem ao nível pré-crise. Temos ainda um caminho a percorrer.