Empresário do setor da saúde há mais de quatro décadas, Paulo Magnus trata a pandemia com aparente tranquilidade. Pondera erros que poderiam ter evitado mortes, como a intubação precoce de pacientes, e trata como sonho possível a integração total do setor brasileiro de saúde por meio da tecnologia. Em 1987, fundou MV, empresa que faturou R$ 400 milhões no ano passado. Após a pandemia, a área da saúde intensificou a relação com o paciente e é nessa onda que o executivo pretende surfar para triplicar a receita da companhia em cinco anos. Magnus é conselheiro da Confederação das Misericórdias do Brasil e do grupo de Líderes Empresariais de Pernambuco, foi presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de Pernambuco e investe, desde 2014, R$ 50 milhões por ano em Pesquisa e Desenvolvimento.

Além da telemedicina, quais os avanços do setor durante a pandemia?
Era muito difícil as pessoas do meio de saúde adotarem a tecnologia. E aí chega a pandemia e faz uma avalanche. Foi divisora de águas. Mesmo assim, o atraso no Brasil é grande. Estudamos tecnologia no mundo, como adequá-la e integrá-la ao Brasil. Israel, por exemplo, é digital há 25 anos. A pandemia melhorou o cenário, mas temos que avançar.

Qual o caminho para esse avanço?
É um caminho bastante longo. Mas teremos o autocuidar como motivador, o grande elo entre as pessoas, as operadoras e os hospitais. Essa conexão vai fazer com que as pessoas cuidem mais da saúde do que da doença. Nunca estivemos tão perto de perder pessoas próximas como na pandemia. Cada casa no futuro será como uma estação de telemedicina onde cada um terá um conjunto de dispositivos que poderá transmitir os dados pessoais para uma central que vai monitorar a sua saúde em tempo real, evitando doenças ou as percebendo antecipadamente, procurando tratamentos e aumentando a expectativa de vida.

Como garantir a segurança dessas informações pessoais?
As empresas vão necessitar investir cada vez mais em segurança de dados. Ainda existe pouca percepção da importância disso, mas se olharmos o resto da economia já vivemos em um Big Brother absoluto de dados. Nossos dados financeiros, de localização, já estão em posse de operadoras. Na saúde, os dados são fundamentais para a evolução da vida.

Então é interessante ter essas informações compartilhadas?
Elas são importantes para avanços tecnológicos e pesquisas em saúde. Aplicando na pandemia, se os líderes da saúde tivessem estudado com mais profundidade essa doença, principalmente com o que aconteceu em cada um dos lugares por onde ela passou, nós efetivamente teríamos menos mortes do que tivemos. Nós temos que aprender a usar os dados de maneira mais positiva e para o bem das pessoas.

Não é distante pensar em tecnologias avançadas quando vivemos situações básicas como a falta de oxigênio como ocorreu em Manaus no ano passado?
Claro que temos uma deficiência muito grande no Brasil, mas a tecnologia pode levar a saúde para perto das pessoas. O que eu falo é que a tecnologia pode trazer a conexão das pessoas mais humildes para o sistema de saúde. Todos têm que ter condições de ter tratamento e alguma assistência. Se a gente consegue dar essa condição para as pessoas levando a saúde para perto delas, quantos males vamos evitar? E o acesso não está vinculado àquele posto de saúde disponível para a pessoa, mas à condição de saúde, e a tecnologia é uma porta infinitamente mais barata.

Como colocar esse ideal em prática?
A tecnologia tem a capacidade de entrar em todos os lugares. Se olharmos, temos mais aparelhos de telefones do que a população do Brasil. Cada equipamento desse acaba sendo uma porta de entrada para o sistema de saúde. Imagine o SUS adotando na sua plenitude a telemedicina. Hoje existe uma briga enorme se a telemedicina deve ser aprovada. Parte da classe médica é totalmente a favor e outra parte, ainda mais conservadora, acredita que pelo menos a primeira consulta deve ser presencial. Eu entendo que isso deve ser feito caso a caso. Não temos que regular o que pode ou o que não pode. A meu ver, a telemedicina veio para ficar, queiram ou não queiram.

Expandir esse acesso não deveria ser uma preocupação do governo?
Nosso País é muito burocrático. Hoje no Brasil o errado está certo e o certo está errado em muitas situações. Em 2017 estivemos muito próximos de ter um prontuário único para todos os cidadãos. Um projeto do Ministério da Saúde que foi barrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Essa unificação é o princípio para uma saúde digital global para todos. Se tivermos um prontuário único, será muito mais fácil entender qual é a evolução do quadro clínico ou acessar as informações de saúde no decorrer de toda uma vida. Quando tivermos esses dados integrados, vamos ter mais assistência, menos custos e mais vidas salvas. É algo de que tenho absoluta certeza.

De que forma a dúvida sobre a eficácia das vacinas atrapalha na recuperação sanitária e econômica do País?
A vacina boa é aquela que existe. Temos que nos vacinar, temos que imunizar a população o mais rapidamente possível para que nós possamos, sim, voltar à atividade econômica. Já empobrecemos muito. Eu não entro em briga política, mas nós precisamos nos vacinar sim. A vacina está trazendo a economia de volta aos trilhos. Não concordo com termos usados no passado como o ‘fica em casa’ e uma série de coisas que aconteceram, mas concordo que precisamos vacinar. E rápido.

O senhor não concorda com a orientação de ficar em casa?
Quando foi criado, lá no começo, o movimento fez com que as pessoas só procurassem o sistema de saúde quando já estavam em um nível grave da doença e isso fez com que milhares de vidas fossem ceifadas. Foram erros cometidos. O erro da indicação da intubação precoce que, a meu ver, foi a grande avalanche de mortes no mundo. Uma intubação deve ser feita em um lugar extremamente adequado.

O tratamento precoce com cloroquina está nessa lista de erros?
Prefiro não entrar nessa. Eu digo o seguinte: o primeiro cuidado é evitar que fique doente. Mas eu pergunto para todos os profissionais médicos: quem é que não foi procurar um tratamento quando se contaminou? A doença tem que ser tratada. Não falo do tratamento precoce, mas a partir da doença eu acredito que tenha de existir atendimento. E todos os profissionais que eu ouvi foram procurar atendimento profissional.