Enquanto o debate sobre a crise do abastecimento de fertilizantes se concentrava no Leste Europeu, principalmente após o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira resolveu mostrar o peso da indústria dos países que representa. E, o que é melhor, como parte da solução. Um estudo detalhado da entidade sobre o fornecimento desse insumo mostrou que o bloco formado por 22 países responde por 26% de toda a demanda brasileira. Mais que isso, o levantamento chegou a ser apresentado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em uma reunião exclusiva com a agora ex-ministra Tereza Cristina. Nesta entrevista à DINHEIRO, o diplomata Osmar Chohfi, que no último dia 22 completou um ano na presidência da instituição, falou sobre as possibilidades que surgiram a partir dessa conversa e as oportunidades do comércio bilateral com o Brasil, que em 2021 ultrapassou US$ 24,2 bilhões: foram US$ 14,4 bilhões para o Brasil e US$ 9,8 bilhões para os países árabes.

Como foi essa conversa sobre fertilizantes com o Ministério da Agricultura?
Apresentamos o estudo e alguns dados adicionais sobre o comércio de fertilizantes entre o Brasil e os países árabes. Os embaixadores trocaram ideias com a [então] ministra Tereza Cristina, que se interessou em explorar essas possiblidades e pediu que continuássemos a trabalhar nesse contexto. O que se está tentando fazer é identificar as demandas brasileiras para casar com as possibilidades de fornecimento dos países árabes, juntar as duas pontas. Vale lembrar que esse é um mercado em que opera a iniciativa privada.

Que resultados, de fato, podem surgir a partir daí?
Os embaixadores apresentaram ideias como a formação de joint ventures, seja aqui, seja no mundo árabe, para possibilitar novos empreendimentos na área de produção de fertilizantes. Os países árabes fornecem até 26% da demanda brasileira desses insumos. E há uma complementariedade importante nesse campo, porque o Brasil se tornou fundamental para a segurança alimentar dos países árabes.

Quais são as oportunidades de o Brasil avançar no mercado Halal?
Esse é um mercado crescente, que vai além de proteína animal e que temos de continuar trabalhando forte. Mas é preciso considerar algo que a pandemia trouxe à tona: alguns países têm procurado garantir sua própria segurança alimentar. A Arábia Saudita tem isso muito acentuado, quer chegar a um patamar entre 40% e 60% de produção própria em determinados itens do setor de proteína animal. Isso pode fazer o Brasil perder mercado, diferença que pode ser compensada, por exemplo, por meio de cooperação para capacitar os países árabes tecnologicamente. E a Embrapa está aí para isso, é mundialmente reconhecida. De qualquer forma, o Brasil tem de trabalhar dentro das normas internacionais para garantir sua competitividade em termos justos de comércio.

Como a Câmara apoia os exportadores brasileiros?
Um exemplo é nosso processo de internacionalização. Há três anos abrimos um escritório em Dubai; no começo de outubro de 2021, no Cairo; e até o final do segundo semestre ou o início do ano que vem abriremos um também em Riad, na Arábia Saudita. Isso ajuda na aproximação entre os mercados árabes e brasileiro, e no auxílio ao empresariado e às autoridades do Brasil no acesso direto ao bloco árabe. Aqui, além do escritório de Itajaí (SC), estamos abrindo, neste mês, outro em Brasília, para estreitar a relação com as autoridades brasileiras e as embaixadas árabes e projetar nossa atuação para as regiões Centro-Oeste e Norte.

Podem surgir novos acordos de livre comércio além do que existe entre Egito e Mercosul?
Seria muito importante. É preciso enriquecer a pauta de exportação brasileira para o mundo árabe e ter mais produtos de valor agregado, pois ainda é bastante concentrada em agronegócio e minérios de ferro. Os acordos de livre comércio facilitariam isso, como já acontece com países do sudeste asiático, União Europeia e Estados Unidos. O Brasil compete em algumas coisas com países que por conta desses acordos gozam de preferências tarifárias e são mais competitivos. Já existe o início de negociações com Líbano e Palestina e poderemos ter com países do norte da África e, sobretudo, também com países do Conselho de Cooperação do Golfo.

Em que outros segmentos essa relação comercial pode avançar?
Há várias possibilidades, mas também há a concorrência com outros países. No setor de fármacos, por exemplo, o Brasil é muito bom em produtos genéricos, há empresas nacionais que podem suprir a demanda do mundo árabe. Ainda que a Índia, maior produtora de genéricos do mundo, esteja mais próxima. Outro setor que podemos trabalhar é o de frutas, pela capacidade de exportação de produtos que têm mercado no bloco. Mas, de novo, há competição, nesse caso com países do sudeste asiático, como Tailândia e Malásia.

As próximas eleições podem influenciar a relação entre Brasil e países árabes?
O que se tem com o mundo árabe são relações de Estado, que evidentemente você poderá ter matizes políticas com um ou outro governo, mas no contexto geral continuarão a ser importantes. O mundo árabe vê o Brasil como um parceiro significativo, e vice-versa. Seja qual for a evolução, de ambos os lados, não vejo um panorama de dificuldade nessas relações. Muito pelo contrário, só vejo possibilidades de melhorarem, de crescerem.

Como os países árabes se posicionam em relação à guerra entre a Rússia e a Ucrânia?
Não vou falar do ponto de vista político, mas devido ao mundo globalizado em que vivemos, com a economia tão integrada, os países árabes também sofrem de alguma maneira. Alguns, inclusive, são grandes importadores de trigo da Rússia e da Ucrânia, e a interrupção do fornecimento do cereal desses dois países gera escassez no mercado mundial, aumento de preços e impacta diretamente nas economias nacionais no mundo árabe. Por outro lado, pode haver impacto positivo com a alta do preço do petróleo, principal produto de exportação do bloco.

A guerra prejudicou as linhas marítimas? Qual é o impacto da logística nesse comércio?
É um desafio até para diversificação do comércio. Se não tem linha marítima direta, é um problema depender de portos na Europa ou em outros lugares, porque enquanto um produto brasileiro leva 35 dias para chegar até um porto árabe, o que sai da Europa ou do sudeste da Ásia leva a metade do tempo. A solução depende de governos e da iniciativa privada, porque para se estabelecer uma ligação direta do transporte marítimo é preciso ter carga na ida e na volta.

Qual é seu balanço de um ano na presidência da Câmara?
Primeiro, há um entusiasmo particular porque minha família é tradicional aqui na Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Estou muito contente de poder contribuir para essa cooperação econômica e de comércio entre o Brasil e o mundo árabe, vejo o potencial que há nessa relação e a capacidade que a Câmara tem de melhorar e incrementar esse intercâmbio.