A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o custo global para gerenciar danos ambientais varie de R$ 4 trilhões a R$ 6 trilhões por ano. Não é de se espantar que os donos do capital estejam cada vez mais intransigentes ao cobrarem de empresas e países compromissos com as metas de descarbonização estabelecidas no Acordo de Paris. Na coxia de todo esse movimento, executivos correm contra o tempo
para aprender como navegar nesse novo modelo econômico. Muitos – como os 49,2% dos empresários ouvidos em recente pesquisa da Grant Thornton – concordam que, quando o assunto é medição de sustentabilidade, a maioria das empresas ainda não sabe por onde começar. Para ajudar o mercado, a consultoria KPMG acaba de anunciar a criação de uma área especializada em ESG. Para comandá-la, trouxe Nelmara Arbex, como sócia e responsável pela nova frente. “Nosso objetivo é contribuir para que os diversos setores empresariais consigam planejar e implementar a gestão ambiental, social e a governança”, disse a executiva que acumula 20 anos de experiência em sustentabilidade, é doutora em física teórica pela Universidade de Marburg (Alemanha) e pós-graduada em negócios e sustentabilidade pela Universidade de Cambridge (Inglaterra).

DINHEIRO – O que está provocando o aquecimento da agenda ESG (ambiental, social e de governança) no mundo corporativo?
Nelmara Arbex – Diante dos claros sinais de que agentes públicos estão com extrema dificuldade de achar soluções para problemas ambientais e sociais, que só se agravam, a opinião pública está migrando sua percepção de que quem vai resolver essas questões é a liderança empresarial.

Além da sociedade, a pressão dos donos de capital é relevante no processo, não?
Há alguns anos, investidores passaram a adotar índices sociais e ambientais como critério para análise de risco. Agora, a exigência está passando a outro nível. A qualidade de gestão dos executivos e dos membros de Conselhos passa a ser avaliada em função de seu alinhamento com os princípios ESG. Vai crescer o movimento de bônus atrelados à agenda.

De maneira geral, no Brasil, o pilar ambiental ganhou mais força nos últimos dois anos. As empresas relaxaram as preocupações sociais?
Depende de como é o olhar. Lá no início, há uns 20 anos, a grande preocupação era incluir decisões socialmente responsáveis nas empresas. Com o passar do tempo, a questão ambiental ficou mais explícita por questões óbvias como o desmatamento, as queimadas e a pressão internacional.

Um dos aspectos fundamentais do ESG é a metrificação dos impactos das corporações no planeta. Nesse sentido, o social também não é mais desafiador?
Exatamente. Medir algumas questões ambientais era mais fácil para algumas empresas. Geração de resíduo, substituição de copos de plástico…Mas a área social sempre esteve muito presente e agora o Brasil passa por uma redescoberta do que são os indicadores sociais. Entre os exemplos, o número de mulheres na direção de uma empresa; o adicional que é pago ao mínimo salário exigido para uma categoria; ou a inclusão de grupos não privilegiados nas estruturas organizacionais. Haverá uma aceleração, também, das exigências para alinhamento às conformidades sociais.

O fato de as questões ambientais terem metas acordadas por líderes mundiais e os critérios sociais não relegaram a questão a posto de coadjuvante?
Você tem razão. As metas ambientais já são transculturais. As sociais, serão as próximas, mas ainda não são. Atualmente, todos já acreditam que o planeta precisa dos ecossistemas. Isso não acontece com os aspectos de diversidade ou equidade de salários. Mas, a gente precisa lembrar que a Organização das Nações Unidas (ONU) vem trabalhando há muito tempo a necessidade de se respeitar os Direitos Humanos. A Europa já tem feito um trabalho muito forte em direção a integrar mais mulheres nos Conselhos Executivos. Acho que estamos entrando em uma nova onda na qual o social também será tão metrificado e cobrado como o ambiental. O fundo BlackRock já sinalizou que cobrará isso de suas investidas. Não vai demorar para que se estabeleçam metas globais para o assunto.

É sempre a pressão do capital que força a mudança de mentalidade?
Hoje em dia o empresário já começa a entender que a perenidade do negócio depende da conformidade com os critérios ESG. O futuro exigirá maior resiliência para as companhias trabalharem em ambientes de recursos naturais mais escassos e com cenários sociais mais adversos. Mas, na minha opinião, a exigência dos investidores foi uma reação à realidade imposta. O contexto ambiental e social mudou. Empresários que querem garantir a sobrevivência dos seus negócios precisam entender isso. A boa notícia é que uma nova geração de líderes que cresceram nessa nova realidade, já começa a chegar ao comando das empresas.

O movimento ESG é impulsionado também por motivos geracionais?
Além dos investidores, essa nova geração de líderes já sabe que para ter resultados financeiros terá de gerenciar suas empresas de maneira diferente do que era feito no passado e até no presente. Eles já trazem novos conceitos, exigem mais transparência nos discursos, têm uma relação muito mais próxima com as ameaças relacionadas às questões ambientais e à uma realidade social que é radicalmente diferente do que há alguns anos. Exemplo é a questão do transgênero, que hoje é absolutamente normal, mas que nem era reconhecida há pouco tempo.

O Brasil é historicamente um país desigual. Agora exige-se das empresas essa correção sistêmica. Mas há uma base desequilibrada. Qual o papel do Estado neste cenário?
A função do Estado é fazer com que a riqueza — incluindo dinheiro, saúde, educação, segurança, moradia — circule e seja distribuída. No caso do Brasil, temos 62 milhões de pessoas nas classes D e E que vivem no limite da pobreza. Outras 120 milhões vivem no limiar. Ou seja, 85% da população. Claro que o Estado tem que ser parte da solução, mas é responsabilidade de cada cidadão e de cada empresário tomar ações para reduzir essa pobreza estrutural. Não é mais aceitável jogar a culpa no outro e não fazer nada para mudar a realidade. Para mudar, é preciso união.

Quando o assunto é governança, quais são os princiais desafios no Brasil?
Governança é a espinha dorsal do processo. Não adianta fazer nada do restante se as ações não forem acompanhadas, medidas e premiadas. Nessa jornada, o primeiro desafio é ter uma governança que seja conectada com o contexto dos negócios para ajudar a empresa a tomar decisões estratégicas alinhadas ao mercado. Não é só conhecer a legislação, mas entender os riscos para o ambiente e para a sociedade de qualquer ação executada. Outro desafio é fazer com que as decisões se transformem em políticas e metas mensuráveis que sejam implementadas
e levem aos resultados esperados.

No Brasil, uma questão crítica é a falta de dados sobretudo mercadológicos e financeiros. Quando existem, são guardados a sete chaves. Resta à sociedade o discurso sem evidências. Essa era tende a acabar?
Esse é um problema global. Tanto é assim que surgiu um novo vocabulário para classificar essa falta de segurança com palavras como greenwashing e orange washing (termos em inglês atribuídos a ações ambientais e sociais, respectivamente, usadas pelas empresas para fins exclusivos de marketing). Com o movimento ESG, cresce também a exigência de maior transparência. Cada vez mais, a imagem de uma empresa será apoiada no binômio falar e fazer. Sem isso, a reputação se desmanchará.