ACâmara de Comércio Americana é a maior organização multilateral privada americana. Possui escritórios em 100 países e reúne empresários de todos os setores cujas empresas têm ou pretendem ter relações econômicas com os Estados Unidos. Myron Brilliant, executivo responsável pelos assuntos internacionais da Câmara, esteve no Brasil na primeira semana de março para se reunir com lideranças empresariais, em uma viagem que incluiu também México e Colômbia. Na bagagem, a proposta de aumentar o alinhamento das empresas brasileiras e latino-americanas com as americanas, apesar de os governos em Brasília e em Washington não facilitarem muito essa tarefa. Segundo o executivo, o governo Donald Trump deu pouca importância para a América Latina, o que abriu espaço para chineses e europeus. Para Brilliant, porém, isso é reversível e há muitas oportunidades decorrentes do aumento da inserção do Brasil nas correntes de comércio internacionais.

O senhor teve reuniões com autoridades e empresários brasileiros? Quais assuntos foram tratados?
Não conversei com ninguém do setor público. Esta viagem é para falar e ouvir os empresários, não para falar com o governo. Nossa meta é engajar o setor privado, tanto do Brasil quanto da Colômbia e do México, em pautas empresariais do interesse dos países. Nossos regulamentos me impedem de divulgar com quais empresários eu me reuni, mas posso dizer que foram lideranças relevantes nos setores do transporte aéreo, geração de energia e inserção do Brasil nas cadeias globais de suprimentos. O Brasil deve perseguir suas aspirações globais e aumentar sua participação em organismos multilaterais.

Jair Bolsonaro era um apoiador de Donald Trump. Agora o presidente americano é Joe Biden. O que muda na forma de os Estados Unidos olharem o Brasil do ponto de vista econômico?
Não é novidade que o Brasil é a maior, mais importante e mais diversificada economia da América Latina. Isso significa que quem está no comando do Executivo brasileiro é algo menos importante do que a construção de um engajamento de longo prazo entre Brasil e Estados Unidos. As relações entre nações não podem ser pessoais, têm de ser pragmáticas e estar baseadas em interesses comuns. A meta dos dois países deve ser manter uma relação de trabalho boa e produtiva. Há muitos pontos estratégicos que transcendem governos. Por exemplo, a sustentabilidade, a preservação da Amazônia e a geração de energias renováveis.

Isso inclui a participação do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)?
Sem dúvida. O Brasil é considerado um país emergente ‘quente’, e sua participação na OCDE deveria ser encarada como um objetivo estratégico. Isso vai facilitar as tratativas em assuntos como preservação ambiental, por exemplo. Ao entrar na OCDE, o Brasil terá mais facilidades para melhorar o clima de negócios e atrair investimentos. Esse deveria ser um ponto importante na agenda do próximo governo. O Brasil deve perseguir suas aspirações globais.

Qual o impacto da guerra na Ucrânia para os Estados Unidos?
A economia russa não é muito importante para os Estados Unidos. Há uma importância relativa no setor de óleo e gás e também nos fertilizantes, mas a Rússia não é um fornecedor estratégico para os EUA. Mesmo assim, é importante encontrar fontes alternativas para os produtos russos, e o Brasil pode nos apoiar nessas áreas. Há oportunidades de sobra.

E os efeitos para a economia global, e para a América Latina em particular?
O primeiro impacto, e o mais significativo no curto prazo, é o aumento dos preços da energia devido à alta das cotações do petróleo. Alguns países da Europa e também a Turquia são dependentes do petróleo e do gás da Rússia. Isso impõe desafios para o setor e pode levar a alterações na infraestrutura. Outro ponto é a produção agrícola, na qual o Brasil é muito relevante, mas onde há dependência dos insumos russos para fertilizantes.

As sanções econômicas impostas contra a Rússia farão efeito?
Vamos recordar um fato histórico. O governo americano lançou sanções contra Cuba em 1959. Estamos em 2022 e, 63 anos depois, o objetivo daquela época não foi obtido. Isso é uma boa prova de que sanções econômicas não são uma ferramenta eficaz. Sendo pragmático, as sanções vão prejudicar a economia e o povo da Rússia, mas ninguém quer quebrar o país. Se isso ocorrer, todos perdem. A guerra na Ucrânia e a destruição da infraestrutura, em especial dos portos ucranianos do Mar Negro, vão provocar a escassez de alguns produtos.

Os Estados Unidos permanecem tendo um déficit comercial elevado em sua relação com a China. Isso é ruim para a economia americana?
Penso que avaliar as relações comerciais entre países apenas do ponto de vista de déficits ou superávits comerciais é errado. O que deveria estar em discussão não é um valor na balança comercial, mas sim a competitividade da economia.

O que os empresários americanos aprenderam com a administração de Donald Trump?
Aprendemos que é importante, em termos estratégicos, manter uma presença americana na América Latina. A importância da presença americana não pode ser subestimada para obtermos um engajamento de longo prazo das economias em geral, e da América Latina em particular. Os Estados Unidos estavam subestimando a importância da América Latina na administração Trump, e isso abriu oportunidades de investimentos sistêmicos para a China e outros países.

Isso mudou com a troca de governo em Washington?
Tenho de reconhecer que isso não mudou muito na atual gestão. No nosso entender, isso é um erro. Há muitos concorrentes interessados em fazer negócios com a América Latina. A China, os países da Europa, a própria Rússia. Por isso defendemos uma proximidade maior dos Estados Unidos com os países latino-americanos. Temos muito a oferecer. Por exemplo, facilitando a integração nas correntes globais de comércio, e em outros pontos como melhorar o empoderamento feminino, aprimorar as leis e os controles para cuidar da corrupção. Os Estados Unidos podem liderar pelo exemplo.

Como incrementar essa presença?
Em junho haverá a Cúpula das Américas. Será a primeira vez em 21 anos que os Estados Unidos serão o anfitrião desse evento. Isso vai facilitar que os governos dos países latino-americanos trabalhem em conjunto e mais sintonia com os Estados Unidos. Esse evento será muito relevante para conseguirmos mais coesão regional. Temos de deixar de pensar nos países em termos de amigos, inimigos e neutros. Todas as nações têm interesses, que podem ser benéficos ou prejudiciais, e que têm de ser encarados e tratados de maneira abrangente.