A agenda já teve diversos nomes no decorrer do tempo. Já foi chamada de responsabilidade ambiental, expandiu para socioambiental, virou sustentabilidade e agora se tornou ESG (ambiental, social e governança). Mas o fato é que o tema é antigo no discurso e também na prática para um grupo de empresas. Entre elas a PwC, que tem uma equipe dedicada à pauta há mais de 20 anos. Recentemente, assim como está acontecendo no mundo, o assunto ganhou ainda mais relevância. Para atender a demanda, ela tem atuado tanto como consultora para empresas que querem alinhar suas estratégias às boas práticas, como no papel de educadora do mercado com a publicação de diversas pesquisas que tangenciam o tema ou que o trazem como protagonista. Entre as macroconclusões dos estudos, afirmou Mauricio Colombari, sócio na PwC Brasil e líder de ESG, é possível afirmar que os CEOs brasileiros estão conscientes sobre a relevância da agenda, mas que empresas e o País ainda têm muito a avançar, inclusive em questões básicas como ética e moralidade. “Existem empresas que mentem conscientemente sobre ESG e com elas não há diálogo possível”, disse Colombari à DINHEIRO.

É senso comum que o ESG está na pauta. Mas as boas práticas estão, de fato, sendo consideradas na tomada de decisões?
Costumo dizer que o Brasil tem dois mundos . Um grupo tem uma agenda sólida cujas práticas e relatórios se comparam às empresas líderes dessa temática no mundo. Nesse caso, principal desafio é conseguir transitar bem nas metas e métricas para entregar os compromissos assumidos. Mas para uma boa parte das empresas brasileiras a luta ainda é pela sobrevivência e o ESG é luxo. Há um grande abismo entre essas duas realidades. Em paralelo, o País também tem suas metas.

Para o segundo grupo vale o velho dilema em que o ESG é custo e não obrigação?
Sim. Enxergam como custos e consideram as consequências de terem que incorporar mais riscos em suas estratégias, sejam ambientais, sociais ou da cadeia de valor. Nesse grupo é comum o pensamento de que o ESG é importante, mas não é prioridade. O que tentamos mostrar são os outros lados, como o fato de a agenda ser um atrativo para talentos e de ter um impacto cada vez maior nos consumidores. Adotar o ESG pode ser um risco financeiro no curto prazo, mas não adotá-lo é um risco de sobrevivência no longo.

Recentemente a PwC divulgou pesquisa que mostra que 80% dos empresários consideram aspectos tributários relevantes para o avanço da agenda ESG. Esse dado referenda o hábito do brasileiro de “o que eu ganho com isso”?
É o velho me ajuda que eu te ajudo. Quando falamos sobre ESG e impostos, vemos que em alguns países uma forma de incentivar a transição energética é tributar mais os fósseis e aplicar parte desses recursos em infraestrutura de renováveis. Agora, no Brasil ainda não resolvemos questões básicas como a reforma tributária. Imagina então discutir em como usar tributos para alavancar a agenda. Outro ponto é a questão da transparência. Temos empresas estruturadas, do ponto de vista de planejamento tributário, de uma forma que não é ilegal, mas é imoral. Aquelas que faturam alto e pagam tributos irrisórios ou que enviam recursos para paraísos fiscais. Na pesquisa, descobrimos que 75% das empresas não são transparentes em aspectos tributários, mesmo que 94% dos participantes considerem riscos reputacionais atrelados a essa falta de transparência.

Na lógica do “eu te ajudo você me ajuda”, o princípio do Acordo de Paris em que os países ricos dariam suporte financeiro aos mais pobres na transição energética ficou no discurso. A economia verde se estabelece sem esse arranjo?
Sabemos que há um grande estoque de gases de efeito estufa na atmosfera que vão demorar para ser absorvido. O que se coloca é que os países em desenvolvimento não contribuíram da mesma forma do que os desenvolvidos na composição desse estoque e mesmo assim precisarão pagar as contas. O segundo ponto é que aquelas regiões que menos contribuíram para o aquecimento global são as mais impactados, como [as da] África e Brasil. Na teoria há o compromisso dos mais ricos em financiar a transição energética, mas na prática não é isso que vemos. Eles argumentam que o Brasil, por exemplo, precisa apresentar um plano contra a mudança climática para depois receber o cheque.

Voltando a um ponto que você mencionou: como melhorar o compromisso com a transparência?
Costumo dizer que o G está no final da sigla por mero acaso. Ela deveria vir em primeiro. Se as corporações não obedecem à ética e ao compliance não dá nem para começar a conversar. E mesmo em algumas que se dizem transparentes, percebemos a tendência de só reportar as frentes nas quais a empresa vai bem, e uma resistência naquelas que podem ser vistas de maneira negativa. Para resolver isso, acreditamos na padronização da forma como os temas ESG serão divulgados.

Há riscos nessa postura de empresa perfeita?
Se a empresa assume os riscos publicamente, ela também tende a comunicar as ações para mitigá-los. Já aquelas que só divulgam aspectos positivos serão mais duramente penalizadas em caso de acidentes que poderiam ser evitados.

O senhor acredita realmente que as empresas serão penalizadas?
O órgão regulador americano já colocou uma proposta detalhada sobre responsabilidades. Empresas que operam no Brasil e que têm ações nas bolsas americanas já perceberam que o cenário mudou. Lá, como existem milhares de empresas de capital aberto, a escala é muito maior. No Brasil, isso impactará um grupo menor. Além disso, em um país no qual punir a ilegalidade já é difícil, imagina a imoralidade. Mas empresas responsáveis criam um efeito multiplicador, ainda que em termos regulatórios estejamos atrás da Europa e, agora, dos Estados Unidos.

Como está a questão regulatória no Brasil?
A regulação vem a reboque da demanda da sociedade. É verdade que quem trouxe a pauta foram os investidores institucionais, mas a mídia vem falando sobre isso e as pessoas vêm demandando esse compromisso. Temos também o papel do governo. Recentemente, por exemplo, foi assinado um decreto de lei para a criação do mercado de carbono. Ambientalistas estão céticos quanto a isso, mas foi um primeiro passo.

Casos ocorridos em decorrência de más práticas ambientais mostraram o poder de impacto em algumas marcas. Mas como materializar os riscos do pilar social?
Indíces de redução de água e produção de resíduos são objetivos e mensuráveis. Já a pauta social é intangível e há também uma dificuldade de fazer a correlação do problema que a empresa está tentando resolver e o que é o papel do Estado. Veja a questão da luta contra a desigualdade social. As empresas podem fazer políticas de inclusão e apoiar comunidades, mas a abrangência é sempre limitada. Trabalhar a materialidade, mapeando onde a atuação é mais relevante é a melhor maneira de fazer mais diferença nessa pauta.

Em um cenário tão complexo como evitar o greenwashing?
Pode ser por marketing ou por propósito, mas se a empresa realmente está agindo em prol do ambiente ou da sociedade, temos um resultado positivo. A perversidade do greenwashing acontece de duas maneiras: quando as ações são irrelevantes comparadas ao impacto do negócio e quando as empresas mentem. E esse é o pior dos mundos.