Inovação e empreendedorismo são elementos que correm na veia de Matheus Goyas. Eleito um dos 10 jovens mais inspiradores do Brasil em 2013 e um dos 35 empreendedores mais inovadores com menos de 35 anos e Empreendedor do Ano na América Latina pelo MIT Technology Review, em 2018, Goyas montou, no ano passado, a Trybe, startup que oferece cursos de desenvolvimento de software no modelo de sucesso compartilhado, em que o aluno só paga a mensalidade quando conquistar um emprego com salário acima de R$ 3,5 mil. Em entrevista à DINHEIRO, Goyas fala sobre o modelo educacional do País e a distância entre a academia, o governo e o mercado de trabalho.

Desde muito jovem você começou a se destacar em projetos de educação que envolvem tecnologia. Quais os incentivos que teve no início da sua trajetória?
Normalmente os empreendedores contam histórias que se transformam em algo meio messiânico. A minha história é mais pragmática. Minha mãe é professora da rede estadual de Minas Gerais. Educação sempre foi a palavra de ordem em casa. Sempre fui muito estudioso e consegui bolsas de estudo. Fui estudar no Colégio Santo Antônio, que está entre as cinco melhores escolas do Brasil. Comecei a dar aula particular de matemática, com 14 anos, para poder ganhar algum dinheiro e ir ao shopping no fim de semana, ir a uma festinha… Comecei a trabalhar com educação por necessidade. Aos 18 anos, abri uma escolinha no centro empresarial de Belo Horizonte para ajudar estudantes que tinham dificuldade. Foi lá que pensei em fazer algo maior. Não tinha a menor ideia do que era startup, investimento anjo, tecnologia… O Enem entrou em diversas universidades federais ao mesmo tempo. Virou a principal prova padrão da América Latina, com 7 milhões de pessoas fazendo. Criamos um aplicativo em que os estudantes fazem a prova simulada e, a partir dos resultados, devolvemos um diagnóstico do que eles têm de estudar antes de a prova ser realizada. Vendemos a escolinha e, com outros sócios, fundamos o AppProva.

E como capitalizavam?
Poderíamos usar os dados de forma anônima das pessoas cadastradas no aplicativo para ajudar as escolas a entender como os estudantes dela estão em comparação aos demais. Participamos da reunião do G5, que são as cinco principais escolas de Minas Gerais. Elas toparam fazer o piloto. Começamos com 10 mil pessoas, foi crescendo. E a gente ganhou o prêmio Startup Brasil, do Ministério da Ciência e Tecnologia, fomos acelerados pela Fundação Lemann. Depois recebemos alguns investimentos, inclusive do Google, e passamos a ter milhões e milhões de brasileiros na nossa plataforma. Com esse volume colossal de dados, conseguimos ajudar milhares de escolas a terem seu diagnóstico. Nesse momento observei o impacto que a educação pode atingir em escala. E então apareceu a Somos Educação com a proposta de adquirir o AppProva. Permanecemos como sócios. Foram dois anos para dar robustez como executivos, perpetuamos o negócio, ficamos até o final de 2018, quando resolvemos empreender de novo. Decidimos criar a Trybe.

A Trybe tem uma característica diferente, de sucesso compartilhado. Como isso funciona?
É um absurdo o que vivemos no continente e foi acelerado por conta do coronavírus. De um lado, são milhões de pessoas desempregadas ou subempregradas, trabalhando na informalidade. E, de outro, centenas de milhares de vagas em empresas de tecnologia que não se consegue preencher. Está tudo errado. Fomos atrás das 40 principais empresas de tecnologia contratantes do Brasil. Analisamos o que elas esperavam dos profissionais que estavam contratando. Montamos um currículo de alta qualidade em cima disso. Mas chegamos a um problema: o preço. O ‘xis’ da questão é entregar educação de alta qualidade para quem não tem condição. Fomos entender como resolveram esse problema no mundo. Vimos que na Austrália, na Inglaterra e nos Estados Unidos havia modelo em que pessoas só pagam o curso quando obtêm emprego com patamar mínimo de remuneração. Viabilizamos, então, nosso modelo: o aluno só começa a pagar quando tiver trabalho com salário acima de R$ 3,5 mil. Aí a mágica acontece. Temos profundo comprometimento com o sucesso das pessoas, porque se não tiver sucesso ela não tem obrigação de nos pagar e se elas não pagarem, a gente quebra.

Na Trybe, havia planejamento no início do ano. Mudou muita coisa com a pandemia?
Primeiro nos preocupamos com as pessoas que trabalham e estudam conosco. Já tínhamos tudo on-line, com as aulas ao vivo e os materiais digitais. Oferecemos a todas as pessoas o cancelamento sem custo, com o dinheiro investido devolvido. Ninguém desistiu. Uma medida que tomamos para atender as pessoas foi a aquisição da Codenation, empresa catarinense especializada em ensino e recrutamento para tecnologia. É uma forma de honrar o compromisso de que investiríamos ainda mais na conexão dos estudantes com o mercado de trabalho, para maximizar as chances de emprego. Temos 300 alunos, metade está empregada.

Qual é a qual demanda do mercado digital neste momento?
Desenvolvimento de software, tanto web quanto mobile, engenharia, ciência e análise de dados – pessoal fala que dado é o novo petróleo – e desenvolvimento de produtos, como product manager, product owner, UX designer, UI designer e profissões relacionadas.

Seu modelo de negócio depende muito da internet. Como está a internet no Brasil e quais as expectativas para a entrada do 5G?
Esse é outro desafio que se mostra muito importante. É uma ação coordenada que o empreendedor e vários entes têm de construir. É a iniciativa privada, com as empresas de telecomunicações, com o governo, para poder melhorar. Educação básica tem princípio fundamental, que é a universalidade. Ou é para todos ou não é para ninguém, para não aumentar a discriminação, a desigualdade e uma série de problemas. Como entregar educação on-line se a pessoa não tem internet em casa? Resolver a infraestrutura é fundamental. Estamos falando de resolver na casa das pessoas, mas nem as escolas ainda estão preparadas. Eu amo educação, sou um entusiasta, por ela construímos um País melhor, trabalhamos com isso, mas quando analisamos os problemas gerais, é brutal.

Falta mais integração entre academia, economia e força de trabalho? Qual a dificuldade em ligar esses pontos? O Poder Público não poderia capitanear essa conexão?
Mais ou menos. Temos 7 milhões de pessoas no ensino superior brasileiro. Notoriamente as instituições públicas são as de maior qualidade e as que têm o maior índice de empregabilidade. Sem entrar no mérito dos governos, enxergo que o maior problema é que, dos 7 milhões de universitários, 6 milhões são de entidades privadas. Era daí que deveria estar vindo a maior parte das oportunidades. O Brasil tem 3 milhões de pessoas que estudam direito, administração e pedagogia. Não me parece que tem tanta demanda para absorver esses profissionais. Ao passo que de 30 mil a 50 mil pessoas estudam criação de softwares e são abertas 70 mil vagas todos os anos. A China forma 4 milhões de pessoas todos os anos para trabalhar com desenvolvimento de software e tecnologia. Estamos muito atrás. Entre o fim de junho e o início de julho, o Brasil ficou 20 dias sem ministro da Educação. Agora foi nomeado o quarto ministro em um ano e meio de governo.

Isso atrapalha?
Meu sentimento como brasileiro é que a educação, assim como qualquer assunto estratégico, precisa de liderança.

Em relação a outros países, como está nossa digitalização?
Brasil é um país relativamente avançado em consumo de internet, aplicativos de celular e smartphones. No e-commerce e outros produtos digitais, temos ampla avenida para ser explorada. Agora, quando comparamos a formação das pessoas para trabalhar nesse ambiente, estamos atrás. É um problema global. Só a China é que está na frente. O diferencial é a educação. Eles têm 99% da educação básica pública. E por conta da política do filho único (que vigorou até 2015), eram seis pessoas (pai, mãe e quatro avós) para cuidar de uma criança. Então muito se investia no contraturno, em uma competição tremenda do povo chinês. E foi criado o ensino Superior de Tecnologia. Criaram um mar de pessoas preparadas para a realizada que estamos vivendo. Estive lá ano passado, em visita a empresas. Não é desafio contratar pessoas qualificadas. No resto do mundo é. Aqui, na maior parte das vezes as empresas tiram os profissionais uma das outras. Entramos em um jogo de perde-perde. A empresa é pouco competitiva, o País é pouco competitivo e as pessoas não têm oportunidade. Queremos ajudar a resolver o problema, mas ninguém resolve sozinho.

A mentalidade governamental e empresarial voltada a projetos de educação é atrasada?
Deveríamos preparar as crianças para um novo mundo que vem chegando. Vão ter de conviver com Inteligência Artificial, com dados em larga escala, com massa de profissões que vão deixar de existir porque serão substituídas por robôs. Tem um pensamento estratégico e de longo prazo que precisa ser inserido para o futuro do Brasil. De uma forma macro existem iniciativas esparsas, mas não existe ação coordenada para isso.