Preconceito. Para Luiz Augusto Barreto Rocha, empresário do setor têxtil e presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), não apenas o restante do mundo desconhece a região e suas peculiaridades. O próprio Brasil a compreeende. “E preconceito nasce do desconhecimento”, afirmou nesta entrevista à DINHEIRO. Rocha sabe que tem pela frente um duro desafio. Encontrar uma alternativa de matriz industrial para um projeto que foi concebido com outros objetivos, como a intenção estratégica militar dos anos 60, de ocupar a região. Entrar no mundo da bioeconomia, por exemplo. Como quase a totalidade de líderes empresariais, ele tenta evitar temas da política. Mas é inevitável dizer que a não conclusão das reformas foi frustrante. Otimista, no entanto, ele diz que as bases para que elas aconteçam no próximo governo estão colocadas e são mais favoráveis.

A indústria amazonense muito se confunde com a Zona Franca de Manaus (ZFM), e há uma desconfiança muito grande sobre a sua viabilidade. Afinal, são 55 anos de existência, previsão de durar pelo menos mais 51 anos (até 2073), e minha percepção é de que nunca decolou. Estou errado?
Temos um polo com mais de 600 indústrias e que precisa se fazer entender nacionalmente. Sou empresário também em São Paulo, então tenho a oportunidade de ter a visão de fora de Manaus e compreender um pouco como nós somos vistos. Eu diria que o preconceito decorre por desconhecimento. O polo foi se modernizando, agregando tecnologia. Aqui convivem lado a lado empresas coreanas, japonesas, francesas, americanas, chinesas, tailandesas. Hoje, respondemos por 1,5% do PIB industrial brasileiro. E vale ressalvar que incentivo fiscal não é exclusividade apenas daqui.

Uma questão bastante emblemática, na concepção do polo, é a de que esse cinturão industrial em Manaus seria uma espécie de proteção ao avanço do desmatamento da Amazônia. Mas parece não ter sido assim, não?
As dimensões da Amazônia são às vezes incompreensíveis até para quem aqui vive. A Amazônia Legal engloba uma área geográfica muito maior do que o estado do Amazonas. Manaus irradia proteção para toda a floresta amazônica contida em nosso estado, o que possibilitou a preservação de 97% da floresta. Então, o resultado foi positivo.

Há um cenário desglobalização em marcha. Por causa da pandemia e agravado com a invasão da Ucrânia.O quanto isso afeta a indústria local?
Toda a atividade industrial global está se reinventando, e temos evidentemente empresas que têm problemas de insumos terríveis, inclusive ameaçando a permanência dessas companhias aqui, porque existem cadeias globais de suprimentos seriamente afetadas. Por outro lado, temos estruturas industriais que são cada vez mais verticalizadas, como a da Honda. Então eu diria que se por um lado alguns segmentos industriais estão ameaçados, por outro a Zona Franca é também uma fortaleza contra a desglobalização. E é bom que todos saibam que se essas cadeias, que são globais, se não fabricarem em Manaus, elas não vão para São Paulo, não vão para o Rio Grande do Norte. As grandes empresas que saem de Manaus vão para o Paraguai ou para o México, seguem para fora do Brasil.

Quando a gente olha para algo criado há mais de 50 anos é inevitável pensar que a vocação industrial do Amazonas deveria estar hoje na biotecnologia, em outro modelo. Isso é discutido entre vocês?
Temos feito um esforço para desenvolver novas matrizes, para fomentar novas startups. Entendemos que precisamos dar uma contribuição adicional à contribuição que já damos em Manaus.

Mas não seria imprescindível acelerar esse processo?
Claro que podem perguntar por que fabricar motocicleta em Manaus? Não seria mais natural fabricar castanha de caju, ou outro produto que estivesse mais próximo do nosso consumidor? Fazemos essa reflexão aqui, mas é preciso entender que empreender na Amazônia não é algo trivial, não é como empreender no Brasil. Há cidades aqui que estão a 30 dias de barco de Manaus. São dimensões e uma realidade completamente diferentes do restante.

Nesse sentido, vocês encomendaram um estudo feito pela FGV para discutir esse futuro. Um ponto que me chamou atenção foi que o documento afirma que não há falta de recursos para se realizar a transição a outro modelo, que o que falta é governança.
É. Esse trabalho mencionou isso de maneira muito incisiva. É a governança sobre o recurso. Mas isso vale para a governança sobre os recursos públicos de todo o País. Não será a indústria dentro das suas portas apenas. São decisões políticas que o Brasil precisa tomar, porque a indústria realmente gera esse recurso. São R$ 16 bilhões de arrecadação estadual e R$ 1,5 bilhão para o fundo de fomento regional. É muito dinheiro que a indústria gera e é necessário que seja bem dirigido para que possamos trazer essa contribuição mais efetiva.

Lideranças empresariais no Brasil sempre tiveram peso nas decisões de governo. E no caso do atual as reformas estruturantes ficaram pelo caminho. Como o senhor avalia isso?
Tenho falado que o Brasil está doente com essa polarização toda. Diria que esse quadro de reformas ficará para o próximo governo resolver. Eu acho que algumas evoluções foram percebidas em alguns ambientes, só que talvez o grande mal esteja sendo essa fricção, e toda fricção é energia dissipada. Mas qualquer que seja o próximo presidente ele não partirá de onde o atual governo partiu. Na minha opinião ele partirá de um ponto um pouco mais à frente porque as propostas estão colocadas.

O governo federal, para evitar boicotar a Zona Franca quando promove reduções como a do IPI, precisa pensar em compensações a vocês. Ainda assim isso causa alguma insegurança?
Manaus tem incentivo fiscal que foi concedido em 1967. Eram outros tempos, entendemos que as condições eram outras. Tínhamos uma premissa de ocupação da Amazônia, de incentivar a presença empresarial e por que não dizer estimular a presença do Brasil na Amazônia. As empresas foram atraídas para cá por marcos jurídicos, com promessas legais do governo federal, que se justificaram plenamente e ao longo do tempo foram se justificando. Alterar esses marcos [como a redução do IPI] mudam as condições [do jogo].

Qual sua maior dificuldade e apreensão como empresário da indústria, como presidente do Cieam, em relação ao futuro do segmento industrial no Brasil?
O grande legado que eu gostaria de deixar seria uma indústria brasileira mais forte. Eu dedico de 30% a 40% do meu tempo sacrificando muitas horas do convívio da minha própria família para deixar um legado de uma indústria brasileira mais forte. Nos últimos 40 anos ela tem ficado cada vez menor. Nas cadeias econômicas em que atuo empresarialmente, a gente tem feito trabalhos muito grandes de nacionalização, de fortalecimento da indústria brasileira para realizar essa grande tarefa de reconstrução do País.

E o papel do Amazonas nisso?
É preciso que o Amazonas e a Amazônia sejam compreendidos. Não só pelo mundo. Pelo próprio Brasil.