Luis Augusto Russo é médico, filho de médico e apaixonado por medicina. Há duas décadas, criou no Rio de Janeiro o IBPClin, um dos pioneiros centros de pesquisa clínica no Brasil. Nesse segmento nascem os tratamentos, os medicamentos, as vacinas. Uma área de ponta na saúde, mas na qual o País tem vários gargalos. Segundo a associação do setor, a Abracro, de 2006 a 2019 (antes da pandemia) foram realizados 247 mil estudos no mundo — apenas 6 mil por aqui. Realidade que mudará com a telemedicina e que levou à compra integral do IBPClin pela americana Care Access, que terá no Brasil sua base para a expansão na América Latina. Russo diz que a aquisição permitirá deixar seu legado: “Melhorar a qualidade de vida da nossa população com novos medicamentos”.

Na saúde, o segmento de pesquisa clínica é considerado de ponta, mas nele o Brasil não é protagonista. Por quê?
Sou médico endocrinologista, com mestrado pela PUC-RJ, doutorado pela FioCruz, pesquisador clínico há mais de 20 anos e coordeno uma equipe de mais de 40 profissionais no Instituto Brasil de Pesquisa Clínica (IBPClin). E afirmo com segurança que o País é reconhecido mundialmente pela qualidade dos seus pesquisadores, pelo comportamento ético [nas pesquisas].

Mas ainda assim, segundo dados da Abracro, a associação que reúne as instituições do setor, respondemos por algo entre 2% e 3% das pesquisas clínicas no mundo. Pouco, não?
A pesquisa clínica realmente se concentra nos Estados Unidos e na Europa. Mas se houve algo positivo com a pandemia, essa tragédia, foi o fato de termos participado do desenvolvimento de vacinas. A gente se saiu muito bem porque conduzimos todos os estudos que vieram para cá, sem interrupção. Houve envolvimento comprometido e de qualidade. E isso deu uma visibilidade muito grande para o Brasil. Colaborou até para a venda do IBPClin para a Care Access.

O que isso significa não apenas para vocês, mas para o setor no Brasil?
A Care Access é uma uma startup, mas já com alguma experiência [tem dez anos] em pesquisa clínica e estava buscando um parceiro na América Latina para conduzir os seus estudos clínicos. Eles fazem as pesquisas de forma descentralizada, por meio de uma plataforma que vai até o paciente, não é o paciente vai ao centro de pesquisas. Muda totalmente a dinâmica, porque hoje o paciente vai até um cenro de pesquisa e participa [presencialmente] durante um período longo, de quatro, seis, até 24 meses. Com a plataforma da Care Access tudo isso é acelerado.

A missão da Care Access é diversificar a pesquisa clínica para chegar a perfis muito mais variados de pessoas. Além de o Brasil ser um mercado potencial, pelo número de habitantes, a diversidade étnica do brasileiro também foi fator de atração deles pelo IBPClin?
Na mosca nos dois pontos. O primeiro é a logística. Temos um país continental, maior que a Europa Ocidental, com uma população de quase 220 milhões de habitantes e multiétnica. Diversidade altamente importante hoje, porque existe procura intensa por uma nova área da medicina que é a farmacogenética. Ou seja, que o medicamento seja apropriado para você, para o seu DNA. Sabemos que muitos medicamentos não respondem biologicamente porque ele não se adequa ao seu DNA. Então a diversidade no estudo clínico é um dos fatores mais importantes.

E numa plataforma que permite acesso remoto é possível ter nos estudos populações de áreas antes inatingíveis.
Exatamente. Teremos o acesso a pessoas dos lugares mais longínquos, áreas rurais, dos grupos extremos. E eles vão participar dos estudos clínicos que buscam soluções para vacinas, para tratamentos para câncer, diabetes… A população brasileira deve participar desses estudos para no futuro a gente não utilizar medicamentos que não foram testados e não tiveram a participação de voluntários brasileiros. Sempre tivemos grandes centros de pesquisa, a FioCruz, o Butantan, o do Albert Einstein, do Sírio-Libanês, mas a logística [de levar aos centros diferentes perfis populacionais] sempre foi um fator impeditivo.

Temos qualidade de pesquisadores, mas o que predomina entre os problemas?
Nossos prazos ainda são muito dilatados, você leva pelo menos de quatro a seis meses para provar um estudo clínico de ponta a ponta. Nos Estados Unidos leva 60 dias. Na França, 60 dias. Em alguns países, 40. Na Argentina, 45 dias. Precisamos melhorar isso.

O que envolve questões regulatórias?
Sim. Temos sérios gargalos que já foram ultrapassados por esses países [EUA, europeus] há muitos anos. Na pandemia, a Anvisa, o Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa], trabalharam de forma diuturna e aprovaram estudos em 24 horas, 72 horas. Um dos legados dessa pandemia foi justamente trazer agilidade, sem deixar de proteger a segurança do paciente de pesquisa. O Conselho Federal de Medicina, até um pouco atrasado, foi eficiente ao permitir a telemedicina. E nossos órgãos regulatórios também se adequaram rapidamente. Então criou-se aqui uma nova forma de trabalhar, que veio para ficar.

Legalmente, o que falta?
Fui consultor do gabinete da ex-senadora [2011-2019] Ana Amélia de Lemos (RS) em 2015 de um projeto de lei [PLS 200/2015] que hoje está para ser levado ao plenário da Câmara. [Nota: o projeto foi aprovado pelo Senado em fevereiro de 2017, enviado à Câmara e nunca votado]. Trata de uma harmonização regulatória no Brasil com o resto do mundo. Ele vai fazer do Brasil um lugar muito mais previsível e estável em termos de pesquisa clínica.

Até lá não avançaremos num mercado bilionário (que teria movimentado no ano passado cerca de US$ 50 bilhões)…
Esses números são em termos de pesquisa clínica apenas. O mercado farmacêutico em pesquisa e inovação é próximo de US$ 200 bilhões. E isso aumenta muito desde o conhecimento do DNA humano. Até 2003 [quando ele foi mapeado], tínhamos de 10 mil a 12 mil pesquisas no mundo todo. Só agora foi para a faixa de 200 mil projetos. O País infelizmente não acompanha isso justamente por esses gargalos regulatórios. E a transformação do mercado aqui envolverá não apenas o volume de dinheiro, mas também trará novos conhecimentos, novas tecnologias e criação de empregos de alto valor agregado: médicos, farmacêuticos, biólogos, fisioterapeutas. Traz conhecimento e emprego de qualidade.

Será a chance de colocar o Brasil na ponta de um segmento de vanguarda?
O Brasil conquistou esse espaço a duras penas, desde Carlos Chagas, de Osvaldo Cruz, há uma tradição de pesquisadores de altíssimo nível. Só que para participar da competitividade global dos estudos clínicos patrocinados pela indústria farmacêutica precisamos ser competitivos no prazo, ter previsibilidade, uma logística funcionando, autoridades regulatórias colocando vacinas e medicamentos na frente da fila. Esse contexto levará a pesquisa clínica brasileira a um estágio de ponta internacionalmente.