Poucas áreas da economia são neste momento tão dependentes da ciência e da educação quanto a de cannabis para tratamentos de saúde. Da ciência para que cada vez mais medicamentos sejam aprovados pela Anvisa e disseminados nos tratamentos, o que inclusive vai baratear o acesso. Da educação por dois motivos: o primeiro é para deixar confortáveis e com menos preconceito os pacientes; o segundo é para que a própria classe médica atue com mais informação. “A maioria dos médicos ainda tem pouco conhecimento sobre o assunto”, afirmou o CEO do Instituto Centro de Excelência Canabinoide (CEC), Leonardo Soldon. Ele sabe que seu faturamento estará diretamente vinculado ao conhecimento disseminado na sociedade. Por isso, a healthtech criada em 2019 tem quatro verticais: Atendimento Clínico, Educação, Pesquisas e o Centro de Análise. E mesmo nesse ambiente iniciante, e recheado de preconceitos, a startup já dá saltos na receita. Foi de R$ 700 mil (2020) para R$ 1,2 milhão (2021) e tem como objetivo chegar a R$ 4 milhões este ano, alta de 233%.

DINHEIRO – O CEC tem quatro verticais, um modelo não muito comum entre startups. O que levou vocês a estruturarem a empresa dessa forma?
São quatro áreas interligadas, com entregas específicas. Não só internas, mas também ao mercado. A primeira área é a de Atendimento Clínico, com nossos médicos, nas mais diversas especialidades. De odontologia a neurologia. A segunda é a de Educação, para oferecer cursos de formação à classe médica e a profissionais de saúde. A terceira vertical é o Centro de Análises, que será um certificador qualitativo de produtos à base de cannabis, o primeiro no Brasil. Por fim, a quarta área é a de Pesquisas, na qual juntamos todos os grupos desse ecossistema — sociedade, médicos, fabricantes de produtos e medicamentos, governos e academia — para iniciar e propagar estudos científicos no campo medicinal da cannabis. Temos essas quatro divisões por uma necessidade estratégica mesmo.

Por qual motivo essa modelagem, que traz riscos de dispersão, é estratégica?
Cheguei ao CEC no começo de 2021 e foi a pergunta que fiz: “Como a gente integra as quatro unidades?”. Esse foi o desafio. A área Clínica, de atendimento médico, era praticamente a única fonte de receita. Mas ela em si só terá crescimento consistente e sustentável se tiver a transversal de Educação e Ciência (Pesquisas) dando apoio, gerando fomento. Elas são complementares.

É como se vocês tivessem antes de educar seus consumidores para depois ter mercado suficiente e vender as soluções?
Sim. O mais comum é o paciente nos procurar como última esperança. Ele ouve de alguém sobre algum tratamento e acaba provocando o médico dele. E o médico acaba chegando até a gente. Nosso share de receita em 2021 era de 95% da área Clínica, dos atendimentos. A partir do segundo semestre deste ano deve ser de 80%, com a área de Educação respondendo por 15% e a de Análise, por 5%. A quarta vertical, de Pesquisa, é mais de fomento do que geradora de faturamento. Esses porcentuais e a própria receita nominal dependerão da curva de maturidade de mercado. E é na construção dessa maturidade que também precisamos atuar. Nossa receita só virá da educação e da ciência.

Quantos médicos hoje estão familiarizados com o assunto?
Temos no Brasil cerca de 1,5 mil médicos que prescrevem medicamentos à base de cannabis. Destes, no máximo 500 prescrevendo com assiduidade. Sem a educação e o conhecimento levado a esse público o mercado não mudará de tamanho.

Um preconceito vindo da classe médica?
Não só médica, mas do paciente, da sociedade… nos mais diversos temas. Para quebra de preconceitos, só temos uma alternativa: o ponto de vista técnico embasado em ciência. Nossa grande arma para esse processo educacional [e de negócio] é o conhecimento científico. Precisamos formar médicos para trabalhar nessa área de conhecimento. Porque não queremos prescritores de receitas. Queremos especialistas e profundos conhecedores.

Os cursos do CEC de formação de médicos têm equivalência acadêmica, como uma extensão ou especialização?
Sim. Cursos de extensão. Haverá sempre um módulo de introdução e depois os de especialidades: neurologia, odontologia, medicina integrativa, esportes… O de maior carga horária será o de neurologia, entre 60 horas e 80 horas. Os demais, até 20 horas. Todos com certificação conjunta da canadense McGill University.

Quem são as pessoas por trás do CEC?
O CEC nasceu da visão de Marcel Grecco. Ele foi o idealizador. E hoje há três grupos como investidores. Eles fizeram um aporte de cerca de R$ 10 milhões. Praticamente temos dobrado de tamanho ano a ano. Receita de R$ 700 mil em 2020, de R$ 1,2 milhão em 2021 e previsão de R$ 4 milhões este ano. A gente prevê ser lucrativo já no ano que vem.

Como é atuar num país em que o governo e parte considerável da sociedade são antivax, negacionistas e defendem uma agenda de costumes tão atrasada? Isso destrói o business plan?
Vou responder olhando o ‘copo meio cheio’. De fato, estamos em um momento de país que não colabora com o avanço do tema. Porém, existe uma série de iniciativas municipais, estaduais e até mesmo dentro da esfera federal com avanços bem interessantes. Há frentes parlamentares com discussões muito ricas e baseadas em ciência. A gente participa dessas frentes não apenas acompanhando, e sim ativamente. O que tentamos é reverter esse cenário com estudos científicos. O CEC é um celeiro muito rico de dados que podem apoiar essas discussões. Trazendo a ciência como grande balizadora da história.

Algum estado ou cidade se destaca nessa agenda?
O município de São Paulo está com discussões muito avançadas. Mas, sim, seria muito bom se a gente estivesse vivendo no Brasil um cenário menos conservador.

Qual o legado que você gostaria de deixar ao ser convocado para liderar uma startup que é tanto healthtech quanto edutech baseada em cannabis?
Fui para a saúde depois de minha atuação desde 1996 com educação. Se puder deixar um legado nessa área gostaria que fosse o do acesso. Conseguir colaborar para que de fato esse tipo de tratamento seja algo acessível a toda população. Fazer com que tratamentos, que hoje não são baratos, sejam gratuitos, que tenha no SUS.