frente da principal entidade do setor nacional de máquinas e equipamentos, a Abimaq, o empresário e executivo José Velloso vive um momento, no mínimo, inusitado. Enquanto comemora a disparada do seu setor, com alta de mais de 40% neste ano, lamenta pelo processo de desindustrialização do País e luta contra mudanças no sistema tributário que, segundo ele, serão prejudiciais caso as reformas não sejam mais bem pensadas. Em entrevista à DINHEIRO, Velloso explica os desafios e contradições da economia brasileira.

A turbulência política tem contaminado o ambiente dos investimentos?
A turbulência política traz mais volatilidade ao mercado financeiro, mas no mundo real, no chão de fábrica, as conseqüências políticas não têm sido tão grandes. Nosso setor de máquinas e equipamentos está batendo recordes de crescimento. É um momento excelente, com crescimento acima de 40% no primeiro semestre deste ano. Anualizado, projetamos fechar 2021 com alta de 20%. O crescimento vai diminuir no segundo semestre, mas vamos fechar em alta. E 2020 já havia sido o melhor ano desde 2015.

O que explica esse ritmo?
É o resultado de uma combinação de fatores. Após cinco anos de estagnação, as indústrias tiveram de renovar seus maquinários. Alguns setores que não estavam investindo, como a construção civil, voltaram a investir. Outros como o agronegócio e a mineração tiveram alta de até 60%. O dólar caro incentivou a substituição de máquinas importadas por nacionais, o que também contribuiu bastante. E, por fim, o reflexo da pandemia no consumo. Muitas empresas tiveram de investir para se adaptar às novas demandas de home office, delivery e e-commerce.

Então o setor de máquinas vive uma bolha de prosperidade, com números chineses, numa economia ainda no sufoco?
Na sexta-feira [dia 6] o ministro Paulo Guedes me fez a mesma pergunta. O que está acontecendo? Temos que separar o cenário conjuntural e o estrutural. Na conjuntura, mesmo com o nosso crescimento, estamos num patamar 20% abaixo de 2013. A produção de máquinas cresce 40% e alguns setores, como o automotivo, acima de 50%, mas ainda estamos muito aquém de alguns anos atrás.

E no estrutural?
Aí a situação é mais complexa. O Brasil não é amigável ao investimento. É o único que tributa investimento e exportação. Não somos atrativos para empresas que produzem bens ‘tradables’, itens que podem ser feitos em qualquer lugar do mundo. Ninguém vai fazer uma fábrica de chips no Brasil. Ou uma de celulares. Então, hoje o Brasil luta para manter a indústria que tem. O País tem sofrido um processo precoce de desindustrialização. Em duas décadas, a participação da indústria no PIB caiu de 50% para 20%.

Há perspectiva de mudança?
A tendência é piorar. Aqui entra o custo Brasil, o custo de capital, a carga tributária, custo de insumos. No Brasil, a matéria-prima é 11% mais cara do que na Alemanha, em média. Produzir uma máquina no Brasil custa 26% mais do que lá. A China deve ser uns 40%. Todos esses fatores tiram a nossa competitividade. Mas para a indústria a incerteza é até pior do que o custo Brasil.

Incerteza em que?
Várias. Temos uma proposta de reforma tributária que vai aumentar a carga no Brasil. Vai aumentar a complexidade, o contencioso tributário, o risco jurídico. Em vez de o Brasil trabalhar para tornar a economia mais receptiva aos investimentos, estamos no sentido contrário. É um lugar com um grande mercado, mas que não vai atrair investimento, principalmente quanto mais tecnológico for.

Isso não vai condenar o Brasil a ser um mero fornecedor de matérias-primas?
Vai não, já é. Vinte anos atrás, produtos manufaturados eram mais de 70% das nossas exportações. Hoje, são cerca de 40%. Um navio que sai do Brasil carrega dentro dele muito menos mão de obra, muito menos impostos, muito menos riqueza e muito menos salários. Sai cheio de minério de ferro, e importa placas de aço. Embarca celulose, importa papel. Na hora de agregar valor, não tem como competir. A indústria sem tecnologia era 25% da produção brasileira. Hoje são 35%. A primarização da indústria leva a uma perda de densidade tecnológica.

Como resolver isso?
Há quatro questões centrais. Primeiro, o custo de capital para investimento ou capital de giro. A alta concentração bancária faz do Brasil o País com o maior custo do mundo. Segundo, os insumos muito caros no Brasil. Terceiro, a carga tributária. Os bens no Brasil têm uma carga tributária média de 46%. Nossa calça jeans tem 52% de imposto. Todo mundo paga, desde o trabalhador de baixa renda até o Abilio Diniz. Já os serviços têm uma carga média de 22%. E os bens agrícolas, 1,9%. Isso não é inteligente. O Brasil tributa mais aquilo que é “tradable”. E tributa menos aqui o que não é substituível. Ninguém importa uma obturação de dentista. Não importa uma consulta médica, um advogado. Já os produtos industriais estão sempre competindo. O quarto item é a falta de infraestrutura.

A reforma tributária como está resolverá?
A reforma ainda não está acertada. Está se discutindo. As reformas precisam acabar com a cobrança cumulativa, não pode ser progressiva. Tem que cobrar mais de quem tem mais, e menos de quem tem menos. Reduzir a carga sobre produtos e tributar mais os serviços. O pobre consome mais bens do que serviços. O Brasil também tem que desonerar investimentos e exportações. São coisas que não existem em lugar nenhum do mundo. Só aqui. Defendemos uma reforma ampla, não fatiada, como estão discutindo. Na prática, o Projeto de Lei 3887/2020, o chamado CBS, só melhora PIS e Cofins. Não respeita todos os princípios porque não mexe no ICMS, no ISS e no maluco do IPI, que só tem no Brasil. No mundo, existe imposto sobre renda, sobre patrimônio e sobre consumo. No Brasil, isso é uma loucura.

Isso foi falado ao ministro Guedes?
Umas 15 vezes. Na questão tributária, tem que diminuir a alíquota de lucros e dividendos para um patamar de 15%. Não 20%. Porque a maioria dos investimentos financeiros tributa em 15%. Então, não podemos competir com mercado financeiro. Vai ter gente investindo em fundos em vez de investir na própria empresa. Mas o maior defeito da lei é que vai tributar todo mundo que tirar lucro e dividendos da empresa, inclusive lucros acumulados. Então, vamos dizer que lá no meu caixa tenho lucro acumulado de 2017, 2018, 2019, 2020. Quem deixou recursos para investimentos, agora será penalizado. A partir de 1º de janeiro, tudo que tirar vai pagar 20%. Aquele lucro que já recolhi 34%, vai ter mais imposto a pagar. Isso vai dar bitributação. Isso vai dar judicialização. Hoje está todo mundo correndo para rapar as empresas. Tirando todo o dinheiro. Tem empresa que está negociando com banco para fazer financiamento. Os juros do crédito são menores do que o imposto. Pode um negócio deste? Estamos vivendo uma interferência na vida privada. Um antiliberalismo.