O setor da construção civil no Brasil vive uma mistura de sentimentos – ou realidades. A euforia pelas vendas crescentes no mercado nacional se mistura à apreensão pelo aumento dos custos dos materiais, que chegou a 34% nos 12 meses encerrados em junho, de acordo com o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), calculado pela Fundação Getulio Vargas. Diante do cenário, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) já visualiza uma redução na oferta de imóveis, especialmente no segmento econômico, o de menor margem e que concentra o maior déficit habitacional no País. “Em 2020 vendemos 10% a mais e lançamos 16% a menos na comparação com 2019”, afirmou à DINHEIRO o presidente da CBIC, José Carlos Rodrigues Martins. Apesar da situação, os negócios seguem em crescimento, e o risco às operações das empresas é minimizado. Por outro lado, a alta dos preços dos imóveis causa preocupação, segundo o executivo, por ser incompatível com o rendimento da população.

De que forma o aumento do valor dos materiais impactou o setor?
As linhas de produção encolheram significativamente na pandemia. E veio uma ordem mundial dos executivos para as companhias reduzirem os estoques e fazerem caixa. Como a economia (no segmento) voltou muito mais rápido do que o esperado houve a necessidade de produzir para atender a demanda e repor o estoque. Isso fez uma pressão fantástica sobre os preços. Há setores com concorrência que você consegue driblar. Outros aproveitam e controlam a oferta. E isso pressiona preço.

Qual seria uma solução, mesmo que paliativa, para mitigar esses custos?
Estamos brigando pela redução do imposto de importação do aço de 12% para 0% por um ano, além da queda de barreiras que consideramos excessivas, como a dupla certificação. O aço é emblemático e subiu 120% de julho de 2020 a junho de 2021. Só que ele representa 7% de uma obra. Impactou muita coisa. É aquela história: dá um tiro no líder e os outros se acuam. Acho que, se aprovada a diminuição, teríamos fôlego durante seis meses ou um ano. O que não pode é descolar o produto da capacidade de compra.

Acredita numa resposta positiva do governo?
Não estou confiante. Em setembro de 2020 a gente mandou essa proposta. Houve a promessa de que no começo do ano mudaria. Em março fizemos uma reunião. Quando chegou abril nos disseram que precisávamos oficializar. Oficializamos. Em maio nos falaram que o canal era a Câmara de Comércio Exterior (Camex). Em junho entramos na Camex, e até agora não houve resposta. Você vê muito claramente que não tem (uma postura de) assumir. Uma coisa que vai furar teto é isso. Porque o governo tem contratos em andamento, caso da transposição do rio São Francisco. Alguns não, como o Casa Verde e Amarela. Só que não é uma coisa correta as siderúrgicas aumentarem em 1.100% a sua rentabilidade numa época dessas.

Além do aço, quais materiais influenciaram nessa alta?
A chapa de madeira (compensando) também puxou muito os preços. O Canadá e os Estados Unidos tiveram problemas; e o restante do mercado internacional também. O cobre. A resina. O PVC também é um produto que você depende praticamente de um fabricante no Brasil. Tivemos problema com aço e cimento, já solucionado. Os principais são cobre, PVC, aço e chapa de compensado. São os maiores vilões da nossa vida atual.

Há risco de quebra de empresas em decorrência do incremento dos custos com materiais e do preço fixo dos imóveis?
Pode até ter alguma coisa, mas não acredito. São companhias mais estruturadas, mais capitalizadas. Se as vendas tivessem parado, poderíamos ter problemas. Mas continuaram. Porque elas têm uma carteira com coisas que são superavitárias e deficitárias. Então conseguem levar em frente.

Há outros desafios no caminho da construção civil?
Neste ano começa a ter também uma pressão por causa do aumento de salário. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) já está alto. E o grande problema é o descasamento do teu preço de venda da capacidade de compra das pessoas. Não só o aumento de preços em si, que impacta os meus produtos já vendidos. O meu problema é o futuro. Saber se terá gente para comprar o que vou fazer.

O que esperar?
Está acontecendo um fator interessante. As incorporadoras e construtoras migraram para uma classe um pouquinho maior de renda. No primeiro semestre caiu 6% o financiamento com Fundo de Garantia. A participação do programa Casa Verde e Amarela no primeiro trimestre era de 55% no total. No segundo trimestre fechou em 49%. Em classes mais altas você tem um pouco mais de facilidade de repassar esse problema (aumento de preços).

É correto imaginar que nos próximos trimestres a participação do Casa Verde e Amarela vai continuar a cair e as demais classes seguirão em alta?
Isso mesmo. O segmento econômico chegou a ocupar 75% do mercado. Foi reduzindo. Um dos motivos foi o encolhimento da caderneta de poupança. Veja: no primeiro semestre o Casa Verde e Amarela caiu e o mercado imobiliário aumentou 30%, 40%. É incrível um País como esse. Tem que ver o que o governo vai fazer. Mas bate na trave uma coisa que não tem jeito. Chama-se subsídio. O que adianta eu subir o preço se a pessoa não teve aumento de renda? Como é que ela acessa? Não acessa. Apenas via subsídio. Subsídio é finito. É o que está ali na conta. Não vai aumentar muito. Pelo contrário. Todo ano está reduzindo R$ 500 milhões. Então você não vê muita saída. Vejo sim uma migração para a classe média, onde vai estar o grande mercado.

Com isso a classe mais baixa vai continuar sofrendo?
Vai sofrer por um bom tempo, não tenha dúvida. Não existe acessibilidade e, principalmente, há dificuldade do Ministério da Economia de entender a importância social de um programa desse tipo. Você vê que o mercado vai bem. Não dá para reclamar. Mas se você abre e observa onde precisa mais está muito mal cuidado.

É possível prever o que vai acontecer em 2022?
O mercado para o próximo ano é uma grande incógnita. As vendas futuras vão depender da taxa de juros, que estão diretamente ligadas à inflação. O ano que vem, ainda por tradição, será eleitoral. Sempre é um ano bom. O primeiro ano é o problema. É o ano do arrocho. Um dos fatores também que fizeram a construção crescer foi o governo federal abrir os cofres para estados e municípios. Coisa que não fazia havia muitos anos. Pagaram tudo em dia e contrataram obras novas. E estão pagando. Hoje estão com dinheiro. Calculo que para 2022 devem ter reserva. Não vejo grandes problemas. Daí para frente tem que ver tudo o que vai acontecer.