Durante a universidade, Janaina Souza tinha um foco: ao concluir o curso, ser contratada por uma das Big Four, como são chamadas as gigantes globais de consultoria Deloitte, EY, KPMG e PwC. Conseguiu. Foram quase sete anos dentro da EY, numa carreira que começou como trainee e caminhava de forma consistente por cargos sêniores. “Estava realizada, mas não impactava as pessoas como eu queria”, afirmou à DINHEIRO. Decidiu fazer pós-graduação na área de imagem e estilo e hoje atua como personal stylist para nomes como o da filósofa Djamila Ribeiro. Não apenas. “Meu propósito é desenvolver um novo olhar sobre o modo de vestir a partir da essência de cada um e transformar essa pessoa.” A carreira dentro da EY faz de Janaina uma profissional particularmente atenta a movimentos do mercado do varejo no Brasil, em especial do vestuário e da moda. Para ela, as grifes e redes cada vez mais precisarão ter uma opinião sobre diferentes agendas da sociedade, incluindo as mais polêmicas. “Quando você se posiciona, se torna mais fiel a seus valores como marca e também a seu público.”

Saber se manifestar pelas roupas empodera e traz oportunidades?
Sim. Se você está inserido em um espaço ou uma ocasião profissional, realmente vai trazer benefícios, mesmo que não sejam financeiros. A gente fala muito sobre desejo de imagem, que é a imagem que você quer passar. Por exemplo: na época em que trabalhei na EY eu chegava a uma reunião com um trainee ou colega homem sempre usando alfaiataria e roupa de tom mais escuro, que passa seriedade. O cliente automaticamente direcionava o olhar para mim. [Ele pensava] “ela não é a trainee” pelo fato de ser mulher, o que geralmente acontecia. Então, passar essa imagem assertiva, construída de forma intencional, traz benefícios.

O que seus clientes buscam?
Para os que são famosos, contribuir para a persona que querem construir. Eu visto a [filósofa e autora] Djamila Ribeiro e ela tem essa questão do empoderamento feminino, o fato de ser uma mulher negra… Então, em toda a estética que crio para ela preciso levar isso em consideração. Quem está vendo a foto talvez não entenda o porquê de ela estar de blazer de alfaiataria com recorte um pouco mais reto, em vez de uma malha. As pessoas só acham bonito. Mas aquilo reforça a imagem. E aí cabe a você usar de forma estratégica. Se quiser convencer alguém de quem você é isso começa pela roupa. Não pode ser uma escolha aleatória.

Como funciona seu trabalho?
Para essas pessoas um pouco mais famosas, que têm visibilidade maior em redes sociais ou uma forte agenda presencial (palestras, entrevistas…), elas falam assim: “Jana, preciso de um look pra determinado evento”. Aí elas me passam o briefing, eu faço a pesquisa, avalio as marcas que se encaixam, faço a produção de moda com essas marcas e entrego o look.

E para a pessoa comum?
Tenho clientes de consultoria de imagem que não são pessoas famosas, uns 70% do total e que representam 50% da minha receita. Buscam construir essa imagem [pública-profissional] assertiva. É um serviço que dura cerca de dois meses, aproximadamente 30 horas — em várias etapas. Faço o perfil da pessoa, a avaliação do que já há no guarda-roupa, passa pela compra de peças e a produção de no mínimo 30 looks. Suficiente até quando achar que precisa mudar.

Como você enxerga a estética da representação feminina, por meio da moda ou do corpo em si, no Brasil?
Estamos caminhando para algo que não seja tão carregado de estereótipos e de preconceitos. Só que ainda enxergo resistência. Fora daqui, a gente tem exemplos mais marcantes, como a Savage [X Fenty], grife da cantora Rihanna. Quando surgiu [2018], fazia o mesmo tipo de espetáculo, de alta produção, dos lançamentos da Victoria’s Secret. Mas ao contrário das chamadas ‘angels’ — aquelas mulheres endeusadas, com um corpo totalmente padrão — exaltava a lingerie trazendo mulheres grávidas, mulheres negras, corpos reais… a Victoria’s Secret não conseguiu se manter e teve também de mudar.

Por aqui esse preconceito é maior das marcas ou do público?
Dei entrevista para uma reportagem falando sobre a gravidez da Rihanna e a forma como ela expôs o corpo, a barriga e disse ‘tudo certo’. Aí fui olhar os comentários quando a reportagem foi publicada no Instagram. As pessoas achavam um absurdo a Rihanna mostrar a barriga de grávida, sabe? Então eu percebo esse comportamento [do público] e imagino como seria a aceitação [das marcas]. Claro que existe um movimento muito forte de ter mais mulheres negras, mulheres trans, que ganhou força com a internet, mas ainda assim a galera da base, o público que assiste à novela das 21h, eles ainda não entendem. Eles veem no corpo da mulher que não é ‘padrão’ algo que não é normal.

No Brasil, as pessoas acima do peso (IMC 25+) passam de metade da população e as obesas (IMC 30+) representam outros 25%. Ainda assim, o mercado de moda não tem oferta proporcional a esse quadro. Por quê?
Vou dar o exemplo de uma cliente que atendi há alguns meses. Ela acabou engordando na pandemia de uma forma “que não gostaria”, nas palavras dela, e dizia para mim que queria escolher a roupa que curtiria vestir, e não comprar uma peça apenas porque era a que servia nela. Esse cenário [perfil da população versus oferta de roupas de numeração maior] é muito discrepante. Então por mais que o mercado esteja crescendo, ele ainda não consegue atender esse público.

Você diria que muitas marcas ou mesmo redes varejistas acabam perdendo dinheiro por não olhar atentamente a isso?
Sim. Percebo que muitas marcas não se preocupam em atender com peças plus size aquela linha que é tendência ou modelagem que está em alta. Algumas redes simplesmente colocam pouca variedade quando se compara com as opções para os corpos que são menores. E há poucas exceções. A Renner é um delas. No início, tinha poucas peças de numeração maior nas lojas da rede e hoje há até uma marca específica [Ashua] para o plus size. Mas é exceção, porque se você olhar as grandes lojas, não têm. E o plus size vai até o 66, não somente até o 52/50.

A moda é também uma das primeiras formas de expressão ideológica que a gente tem. Você acredita que as marcas vão precisar se manifestar mais sobre variados temas da sociedade, como faz a americana Patagonia, e que essa manifestação vai levar à compra?
Quando você se posiciona, você se torna mais fiel aos seus valores como marca e também com seu público. Eu acredito nessa ideologia. Eu, como consumidora, por mais que leve algumas clientes para algumas redes, evito comprar determinadas marcas por algumas questões que me incomodam. Mas não acredito que a maioria delas irá aderir a esse tipo de movimento. É mais fácil você vender para todo mundo, é mais rentável, elas não vão se comprometer com um lado ou outro. Então será algo somente para algumas marcas. É um movimento vindo mais forte do consumidor, que vai pressionar suas grifes.

Mesmo tendo uma parte do público resistente a ver a barriga da Rihanna grávida, como você citou, a pressão virá por parte do consumidor, então?
Sim. Vai partir mais de quem consome e não de quem está produzindo.