Maior companhia de carne do mundo, com receita de R$ 204,5 bilhões e lucro de R$ 6,1 bilhões no ano passado, a brasileira JBS decidiu entrar para o crescente grupo de empresas dispostas a desembolsar uma fatia gorda de seus resultados financeiros para ajudar no combate à pandemia da Covid-19, doença que já matou mais de 13 mil pessoas no Brasil. Na última semana, a companhia anunciou a doação de R$ 700 milhões para o enfrentamento da crise. Desse total, R$ 400 milhões serão destinados a ações no Brasil, especialmente para suporte a hospitais e apoio à ciência. Em entrevista à DINHEIRO, o executivo Gilberto Tomazoni, CEO da JBS, explica o que
motivou a empresa a adotar essa iniciativa.

DINHEIRO –Por que a JBS decidiu fazer uma doação desse valor?
gilberto tomazoni – Porque esse é o maior desafio da nossa geração. É uma crise sanitária global sem precedentes. O que está por vir, não será fácil. Vamos apoiar os esforços da sociedade no combate à doença. Saúde deve ser a prioridade. Mesmo com tudo isso que estamos fazendo, ainda é muito pouco diante do tamanho do desafio.

Já existe uma estimativa de quantas pessoas serão beneficiadas por essa doação?
Sim. Do total dos R$ 700 milhões, R$ 330 milhões serão direcionados à construção de hospitais, ampliação de leitos, compra de testes, medicamentos, equipamentos médicos e insumos de higiene, além de doação de alimentos em 162 municípios de 17 Estados. Outros R$ 50 milhões estarão à disposição de entidades de pesquisa e tecnologia no país com foco em estudos na área de saúde, e R$ 20 milhões irão para 50 organizações sociais sem fins lucrativos que atendem comunidades vulneráveis. Essa iniciativa vai atender a cerca de 60 milhões de pessoas.

O dinheiro será gasto também internamente?
Não. Temos 240 mil funcionários em quatro continentes, sendo que 130 mil deles estão no Brasil. Dentro da empresa, adotamos todas as medidas para cuidar das pessoas. A primeira coisa que fizemos foi adotar as recomendações das autoridades de saúde, do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais. Acabamos com as situações que podem gerar aglomerações, aumentamos os espaços entre as mesas dos refeitórios e construímos galpões para os funcionários ficarem mais longe. Nos ônibus, reduzimos a ocupação dos assentos e fileiras. Contratamos o Hospital Albert Einstein para nos ajudar a estabelecer todos os protocolos definidos pelas autoridades de saúde. Não tem jeito. Nessa hora, a prioridade é garantir a segurança das pessoas. Criamos um conselho consultivo para nos ajudar a tomar as melhores decisões. Acreditamos na ciência e nas autoridades que estão estudando o tema. A única solução para a pandemia está na ciência. E como somos um setor essencial, temos de continuar trabalhando para colocar alimento no prato das pessoas no mundo inteiro. Esse vírus não vai embora até surgir uma vacina. Por isso, estamos colocando dinheiro na ciência. Só ela pode resolver.

Todas essas medidas estão surtindo efeito?
Com o isolamento e lockdown, estamos achatando a curva. Nossas unidades vão parecer muito mais hospitais do que com fábricas. Um consultor de saúde que está nos ajudando disse que nossas fábricas são muito melhores do que muitas UTIs no Brasil. Cada vez que a ciência nos ensina algo novo, tomamos uma medida adicional.

A crise é maior do que se imaginava?
A gente percebe que, com o passar do tempo, a crise é muito maior. Nossa ideia é construir 17 hospitais permanentes no Brasil, que ficariam de legado para a sociedade depois da pandemia. Conseguimos levantar um hospital em apenas 33 dias. Mas a gente conversou com os governadores e percebeu que havia demandas ainda mais urgentes, como doação de materiais, de equipamentos e de testes. Há municípios que precisam de cestas básicas. Muita gente que perdeu todo seu faturamento, e que já não vinha ganhando dinheiro antes. O problema social é muito grave. O pior é que a gente ainda não está no fim. Já passamos de 12 mil mortes (na quarta-feira 13). São 12 mil pessoas que não voltarão para casa. Esse assunto é muito sério, uma emergência de saúde social. Não estamos vivendo uma coisa rotineira.

A rotina mudou de que forma?
Eu falo todo dia com o doutor Adalto Castelo, ex-presidente da Associação Brasileira de Infectologia. Estou aprendendo. É complexo. Não é simples. Às vezes não adianta, por exemplo, dar respirador para quem não sabe usar. Tem que treinar. Por isso, nosso conselho consultivo, com especialistas do Einstein, do Sírio-Libanês e do HCor tomam as decisões baseadas no que é preciso, com a maior urgência e maior abrangência.

Como a JBS atua em quase o mundo todo, a companhia consegue perceber os diferentes impactos que a pandemia causa nos países e fazer uma comparação com o Brasil?
É difícil fazer essa comparação. Para afirmar que afeta mais ou menos do que no Brasil, seria preciso uma régua com os mesmos parâmetros. É difícil porque as condições são muito diferentes. Não dá para comparar os Estados Unidos com o Brasil porque as situações socioeconômicas são muito diferentes. O que percebemos é que cada país tem enfrentado a crise de um jeito. Temos, por exemplo, operação na Itália, com cinco fábricas, além de 12 fábricas na Inglaterra e umas tantas outras na Irlanda. Na Austrália, que está bem mais atrasada em número de contaminados, o cidadão que chega ao país é colocado em quarentena em um hotel. O Estado paga 14 dias para ele ficar dentro do quarto. Então, eu não consigo comparar o Brasil com outros países.

As empresas estão cumprindo o papel social nessa crise?
Difícil responder pelos outros. É muito grave o que está acontecendo. A JBS começou no interior no Brasil. Conhecemos a realidade do País e achamos que precisamos fazer mais. Quem fica sentado em casa vendo lives, reclamando da monotonia da quarentena, é quem pode. Mas não é essa a realidade do Brasil. A gente tem que investir mais na ciência parar causar impacto positivo no futuro e fazer a diferença. Podemos também ajudar as ONGs que já estão fazendo trabalho social dentro das comunidades. Acredito que, até agora, tem pouco dinheiro indo para a ciência. O Brasil precisa avançar no campo da pesquisa. Temos muito brasileiro criativo em todo o mundo desenvolvendo estudos. Temos que criar incentivos para que esses pesquisadores e cientistas fiquem no Brasil. Isso não só para combater a crise que temos agora, mas para nos preparar para o que virá no futuro.

O governo federal, os estados ou mesmo a sociedade estarão mais preparados para novos enfrentamentos de problemas como esse?
A gente ainda está no meio da pandemia. Não tem como saber se haverá uma mudança nos hábitos dos consumidores. Fazer um prognóstico no meio do temporal é uma tarefa que tem muita opinião e muito pouca informação. Mas eu acho que vai aflorar na sociedade um senso de responsabilidade social muito maior. Do nosso lado, vemos que a responsabilidade que temos de ter é um papel social muito importante. As empresas existem para o bem da sociedade. Dinheiro a gente corre atrás. O lucro são as palmas que a sociedade bate para continuar crescendo. Não podemos esquecer que somos parte da sociedade e só existimos em razão dela. Não acredito que alguém pode ficar insensível ao que está acontecendo.

Nem o governo?
Todo mundo é ser humano, independentemente da posição que ocupa e de que lado está. Eu parto do principio de que todo mundo está fazendo o seu melhor. Não posso dizer pelos outros, mas acho que todo mundo pode fazer um pouco mais nessa crise. Tenho focado muito mais no que podemos fazer do que em olhar para o que os outros deveriam fazer. Espero que o mundo fique melhor.