O empresário Geraldo Defalco assumiu a presidência da Associação dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) em janeiro de 2020 com ao menos 13 metas estabelecidas para os dois anos de mandato. Mal sabia ele que, dois meses depois, o mundo seria acometido por uma pandemia que, além de matar ao menos 4,7 milhões de pessoas, sendo 595 mil no Brasil – os números são de terça-feira (28) –, transformou a rotina da população e propiciou ao comércio novos modelos de atendimento, como o via WhatsApp. O varejo acabou beneficiado por decisão do governo federal de considerar a construção uma das atividades essenciais na crise sanitária. Com o crescimento das obras civis, o segmento do comércio registrou alta de 11% no faturamento em 2020, para R$ 150,5 bilhões, com a perspectiva de crescer ao menos 5% este ano. Apesar do “bom número”, Defalco critica grupos políticos que dificultam o desenvolvimento do País e a falta de “cabeças jovens” em Brasília.

Qual panorama pode traçar do varejo de material de construção um ano e meio após o início da pandemia?
O mercado de material de construção tem sido muito beneficiado com as variáveis que vimos nos últimos 18 meses. No início, principalmente com fechamento de outros segmentos, o recurso disponível no mercado alavancou o setor. Agora, percebemos que com a taxa Selic a 6,25% o consumidor se tornou mais cauteloso. Os preços subiram demais, muito inflacionados por demanda, e não só no Brasil. Espero que no máximo em um ano o mercado fique estável novamente, os preços se ajustem à demanda e que não tenhamos uma inflação muito alta, o que é perigoso. É muito difícil administrar um comércio com inflação. Fica difícil saber qual é o seu ganho real.

O segmento foi muito impactado?
O comércio foi afetado no início e ainda está sendo por causa da falta de produtos, da ruptura de fornecimento. Isso se deu porque, sem saber o que iria acontecer, muitas indústrias seguraram a produção. Não compraram matéria-prima. Quando o segmento se tornou essencial, o que evitou o fechamento de ao menos 30% das mais de 130 mil lojas pelo País, a demanda voltou. As pessoas compraram por delivery, WhatsApp, para retirar na porta. E as indústrias tiveram de retomar. Mas não tinham o mesmo fornecimento de matéria-prima. Os preços subiram bastante, isso gerou inflação elevada e também escassez de produtos. A indústria já voltou a trabalhar forte, consegue entregar e fazer ofertas de produtos que antes não tinha. Acho que isso é um sinal de que estamos estabilizando.

Acredita na redução dos preços ou eles devem seguir no patamar atual?
Historicamente, quando você tem uma crise por qualquer motivo, o preço sobe e fica acomodado no mercado. Não volta mais ao patamar de seis meses a um ano antes. Isso nunca aconteceu e não acredito que ocorra agora. Já não vemos mais tanta alta. Mas o preço do cimento chegou a subir 80%. O aço, então, 100%. O PVC também (80%). Hoje isso já está mais espaçado. Normalizando a entrega, o preço também estabiliza.

Mesmo com a pandemia em 2020, o comércio de construção registrou alta de 11% no faturamento em relação a 2019. O que é possível prever para 2021?
Como só cinco setores puderam trabalhar no auge da pandemia em razão de restrições, faturaram muito dinheiro e cresceram 11% em média. Agora, com todos os segmentos voltando à ativa, esse recurso é dividido. Os concorrentes passam a ser os demais setores. Então, prevemos 5% de crescimento.

É um bom número…
Sim. Segundo o Ministério da Economia, o Brasil vai crescer linearmente por dez anos se mantiver essa política. Se o País crescer 5% ao ano, serão 50% em 10 anos. Isso é fantástico. Gera muitos negócios, empregos, desenvolve os setores da economia. Para cada emprego gerado diretamente na construção civil, três informais ou não são gerados para o mercado, para a economia como um todo.

Com o avanço da vacinação pelo País e a retomada da rotina pela população qual a previsão do varejo para 2022?
Acredito que teremos uma linha ascendente e linear de crescimento econômico. Isso vai ocorrer no mundo todo, mas no Brasil com mais dificuldade, porque não conseguimos unificar. Nós não fechamos as urnas de 2018 ainda. Parece que existe um movimento de resistência que não quer que o País ande. Você faz, por exemplo, um projeto como o Novo Marco Legal do Saneamento, que é fundamental para a população ter saúde e melhor qualidade de vida, e ainda tem gente que vota contra. Não entendo. Cada grupo tenta se defender de uma maneira. Mas ainda temos forças, capacidade. Esses fatores nos fazem acreditar que entraremos em um ano de crescimento economicamente. Politicamente, não posso dizer nada.

Estamos a praticamente um ano da eleição presidencial, com uma disputa marcada até agora por intensa polarização. Acredita que isso possa prejudicar o crescimento econômico do País em 2022?
Mantendo as condições atuais, o Brasil cresce. A política tem, sim, uma influência muito forte na economia. Se você redireciona orçamento, deixa de ser investimento e passa a ser despesa. Não tenho condições de fazer uma previsão. Consigo constatar os fatos que vi. Temos um Supremo Tribunal Federal administrando mais o País do que o próprio governo. Mas somos espectadores. Tomamos decisões conforme vai mudando a coisa. Influenciamos para que vá para um caminho onde o seu trabalho possa ser desenvolvido, porque é o que a sociedade precisa ter.

O trabalho realizado pelo governo federal tem facilitado o desenvolvimento do segmento?
Acho que falta apenas mudar a forma de pensar: já que posso arrumar recurso para um determinado projeto, é possível cortar também. Nós, no privado, temos que administrar os nossos recursos. O que não pode mais é aumentar imposto. Um país de terceiro mundo como o Brasil suporta no máximo 25% de carga tributária. Estamos com 37,5%. Isso acaba com todo o resto. Você tira a capacidade do investimento privado. E como você desenvolve o país?

Enxerga interesse do governo em mudar essa situação?
Não consigo ver isso, porque é muito fechado. O jeito de mudar é que a pessoa só pudesse se eleger uma vez para um mandato. Se quisesse continuar, teria que ir para outro cargo. Por exemplo, uma pessoa de 50 anos no Congresso Nacional. As ideias, depois dos 18 anos, 20 anos, não se alteram. O comportamento também. Aí não muda nunca. A pessoa já tem aquilo enraizado. Precisamos de cabeça nova, jovem. Tem que dar oportunidade para cabeças boas que, com certeza, existem por aí.

E quais serão os principais desafios?
O desafio para a economia do País é crescer e gerar emprego. No segmento, há demanda por contratação. Mas neste período percebemos também a falta de mão de obra qualificada. Gente que não se profissionalizou. O que temos feito é dar treinamento. Oferecemos curso de varejo de material de construção, MBA para quem está qualificado, gestão de vendas… Apesar das situações adversas, é possível gerar muito emprego.