Fome, desemprego, xenofobia. Para Fabio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, esses são alguns dos problemas sociais que a mudança climática pode desencadear no planeta caso não haja um real compromisso dos líderes mundiais e empresas em limitar o aquecimento global em 1,5 °C. Mas se a meta já era desafiadora no início da década, neste 2022, após dois anos de pandemia e de uma inesperada guerra entre Rússia e Ucrânia, a situação ficou ainda mais crítica. Pesa na conta o fato de que os dois países são importantes fontes de combustíveis fósseis. Mas da crise pode vir uma oportunidade: ou os países irão procurar novas reservas de petróleo ou vão migrar para fontes renováveis e limpas. “O primeiro nos leva a um desastre ambiental e o outro para a solução”, afirmou Alperowitch nesta entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO – Poucos meses após a COP-26, ainda em meio à pandemia da Covid-19, a Rússia invade a Ucrânia. Como ficam as metas atreladas ao ESG como o Acordo de Paris?
FABIO ALPEROWITCH – O cumprimento das metas já era um desafio pré-guerra quando os sinais mostravam que seria difícil limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Agora, podemos ter dois caminhos. No primeiro, os países usariam o argumento de que, para não depender da Rússia ou de outros regimes instáveis para garantir o suprimento de petróleo, vão iniciar explorações em lugares alternativos, como no pré-sal do Brasil. No outro, haveria a conscientização de que os países produtores de petróleo são no mínimo controversos e que alternativas de novas reservas não são claras, portanto, onerosas. Então, o caminho seria pular de cabeça para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. O primeiro nos leva a um desastre ambiental e o outro para a solução. Algumas vezes, líderes tomam decisões estúpidas, espero que não seja o caso desta vez.

Ao contrário de sua esperança, a Agência Internacional de Energia divulgou que após dois anos em queda os subsídios ao combustível fóssil cresceram em 2021 ultrapassado US$ 5 trilhões nos últimos dez anos. Até que ponto a economia de baixo carbono não é uma utopia?
É fato que existe um enorme subsídio para a indústria do petróleo e incentivos para que continue dessa forma. Além disso, é considerável o poder político das empresas do setor para construir narrativas pró-fósseis. É um jogo complicado e que piora à medida que a substituição de governos pode mudar o alinhamento de um determinado país com a questão climática.

No campo da narrativa, o governo brasileiro tem usado o que pode contra a proteção ambiental. Um exemplo é o uso da guerra para aprovar a mineração em terras indígenas. Quais riscos de narrativas falaciosas?
Esse é um bom exemplo. A Rússia é um grande exportador de fertilizantes, sobretudo potássio, e com a guerra há um risco de escassez que causa preocupação nas pessoas. Mas as reservas do insumo do Brasil não estão na Amazônia. Faz tempo que o governo tem essa agenda de exploração de minério em terras indígenas e a guerra acaba sendo muito conveniente para seus propósitos. Assim, adapta o discurso e usa terrorismo para falar sobre a falta de alimentos. A pessoa leiga pensa: ‘É claro que tem de minerar a Amazônia, porque do contrário não teremos o que comer.’ Isso é uma falácia.

Em um recente artigo, o senhor escreveu “aqueles que ainda classificam o assunto como uma questão ambiental estão muito longe de entender suas consequências”. O que quis dizer?
Mudanças do clima têm uma série de consequências sociais. Limitá-las à questão ambiental é um erro. Basicamente, quando tratamos a mudança climática como questão ambiental, criamos um afastamento das pessoas. Mesmo os mais sensíveis à agenda tendem a se preocupar mais com saúde e educação do que com a natureza. Mas se continuarmos nessa trajetória de aquecimento, a produção de grãos cairá 30%. Com menos oferta, os alimentos ficam mais caros e a fome aumentará. Além disso, de acordo com o Banco Mundial, os refugiados do clima passam de 300 milhões. Imagine as consequências sociais se continuarmos no processo de aquecimento que tornará diversas áreas inabitáveis ao ser humano.

Para quem ainda não entendeu, por que o desmatamento da Amazônia é tão crítico?
As árvores concentram carbono no tronco. No momento em que são cortadas, temos dois problemas. O primeiro é que aquela árvore que deveria absorver carbono passa a emiti-lo. O segundo é que o excesso de desmatamento leva ao empobrecimento do solo, muda o regime de chuvas e isso faz com que a Amazônia entre em colapso. Se chegarmos a um ponto de inflexão, mesmo que não se derrube mais uma árvore, o processo de savanização será inevitável.

Qual impacto?
Perdas econômicas e de biodiversidade. Se pensarmos puramente do lado financeiro, criar boi na Amazônia é insensato. Não é produtivo, é caro. O açaí na floresta é mais rentável do que a pecuária ou soja. Mas estamos atrasados nessa discussão. A biodiversidade é tão rica que vemos muitos elementos de fauna e flora ainda sendo descobertos e as aplicabilidades não são claras. A bioeconomia é fundamental para gerar riqueza para a floresta.

O prazo para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é 2030. Há alguma chance?
Está tudo conectado. Os ODS nada mais são do que um framework para as empresas mapearem seus impactos e organizarem suas metas. Em tese, as organizações deveriam fazer isso naturalmente. A transformação social virá quando as marcas tiverem uma cultura corporativa de mais empatia e visão de stakeholder.

No capitalismo de stakeholders, o público interno e fornecedores ganham importância. Mas casos de trabalho escravo não param de eclodir. Como resolver mais esse problema social?
Ainda existem pessoas com a percepção de que trabalho escravo seja uma pessoa acorrentada trabalhando à base de chicotadas. A exploração de mão de obra, seja com violação de direitos, seja com condições de trabalho insalubres ou pagamentos injustos são condições análogas à escravidão e são muito mais presentes do que se imagina. Para resolver é preciso um esforço de múltiplos stakeholders: o governo, com fiscalização e punição; o consumidor, que no ato de consumo tem de ponderar se um produto está muito mais barato do que a média do mercado; as empresas, que precisam cuidar de todo o processo produtivo.

Temos visto muitas empresas fazendo o que parece ser greenwashing. É viável pensar em uma punição para essa prática?
Não era normal instituições serem canceladas ou boicotadas por questões sociais. Não vou ser casuísta de julgar quando o fenômeno aconteceu por questões justas ou não, mas essa consciência coletiva de cobrar ações mais responsáveis das empresas é uma forma de o consumidor se posicionar. É um processo de amadurecimento que ficará cada vez mais explícito.

O capital também punirá o greenwashing?
Os interesses econômicos falam mais alto. Quando empresas cancelam relações com a Rússia, podemos olhar o lado da consciência social, mas por outro lado pode ser simples cinismo. No primeiro caso se preocupam como de fato podem usar sua força de pressão pela paz. No segundo caso é como se pensassem: ‘Se eu continuar fazendo negócios com a Rússia, boa parte dos meus consumidores ocidentais vai deixar de comprar comigo, então é melhor eu perder esses 2% de receita vinda da Rússia do que os demais 98%’. Mas a discussão do greenwashing é válida e precisa continuar.