O Pix alcançou mais de 100 milhões de brasileiros e tornou-se o principal meio de pagamento a partir do último trimestre de 2021, com 3,9 bilhões de transações, superando os cartões de crédito e de débito, de acordo com dados do Banco Central (BC). Poderia ser uma pedra no sapado da indústria de meios de pagamento. Não é, segundo Fabiano Camperlingo, CEO para América Latina da SumUp, fintech multinacional com sede em Londres, presente em 34 países, com 3,5 milhões de clientes globais, focada em microempreendedores e profissionais autônomos. Para o executivo, a transação instantânea gratuita ajuda a digitalizar a moeda e faz o brasileiro usar cada vez mais os bancos on-line. Para ele, o grande vilão do setor é o dinheiro vivo. Nesta entrevista, Camperlingo também fala dos reflexos dos juros e da inflação e das tendências da indústria de pagamentos.

Como a empresa se comportou nos últimos dois anos de pandemia?
Independentemente do corte do ano que façamos, a SumUp já tinha receita significativa, com crescimento robusto tanto local quanto globalmente. Todo mundo passou por dificuldades a partir de 2020. Vimos nossa receita cair para 20% em duas semanas de março. Foi bem caótico. Mas depois do susto inicial conseguimos voltar aos ritmos de crescimento que tínhamos. Fizemos uma expansão no mercado regional, para Chile, Colômbia e Peru, por exemplo, e da linha de produtos, com banco, conta digital, empréstimos, cartão e outras formas de pagamento. Deixamos de ser uma empresa de maquininha para ser uma fintech de fato.

Quais características do Brasil que se diferenciam de outros países?
O Brasil está entre os cinco maiores mercados da SumUp. O País tem algumas peculiaridades. A principal é a jabuticaba chamada ‘parcelado’, que não existe igual em lugar nenhum. Outro ponto interessante, diferentemente do que as pessoas pensam, é que o mercado financeiro brasileiro é muito mais avançado e competitivo do que os outros, como o europeu, que tem poucos concorrentes grandes. O mercado de pagamentos no Brasil tem muitas opções, o que faz a disputa pela entrega de produto de maior valor agregado, com mais tecnologia, ser muito mais ferrenha.

A maquininha ainda é importante e tem campo para crescer no País?
Hoje, apesar de todo o avanço das formas de pagamento, estima-se que entre 40% e 45% do consumo das famílias brasileiras seja feito no dinheiro circulante. Por toda a tecnologia que temos, a verdade é que nosso maior inimigo ainda é o dinheiro, cash. Existe bastante espaço de penetração para as maquininhas e outros pagamentos on-line.

O dinheiro circula mais pelo interior ou pelas capitais?
Temos presença forte fora dos grandes centros e isso aconteceu organicamente. Nosso foco é nas micro e pequenas empresas e nosso principal canal de aquisição é o boca a boca, apesar de investirmos em marketing. Nas regiões mais afastadas dos centros funciona melhor. Nas capitais também tem muita movimentação de dinheiro. Nosso escritório é perto da [Avenida Brigadeiro] Faria Lima [importante centro comercial e financeiro de São Paulo]. Ali perto tem uma moça chamada Ana vendendo bolo e recebendo em dinheiro.

Como ganhar mercado em que circulação de dinheiro ainda é influente?
Estamos próximos dos clientes e dos potenciais clientes. Perguntamos: como a SumUp pode te ajudar? Os clientes falam três coisas principais: receber pelas vendas seja da maneira que for; ajudar na organização da vida financeira, com linhas de crédito e auxílio em investimentos; e atrair clientes para vender mais. No quesito ajudar nos meios de pagamento, estamos presentes em 90% da jornada. Na organização financeira, temos avançado e estamos a 70%. Já na ajuda a conquistar clientes, dois meses atrás estávamos no zero e hoje estamos em 25%. Adquirimos uma empresa chamada Fivestars [por US$ 317 milhões], do Vale do Silício, que garante maior faturamento a partir de soluções de pagamentos e de marketing para pequenas empresas, com IA. No próximo ano estará no Brasil. Oferecer comodidade, praticidade e utilização da sua receita são diferenciais.

O Pix é vilão ou aliado das empresas de meios de pagamento?
Pix é aliado do mercado de meios de pagamento, não um vilão. Apesar do Pix, a indústria de cartão ainda cresce de 15% a 20% ao ano. Como temos importante circulação de dinheiro vivo no consumo, qualquer solução que ajude a digitalizar esse dinheiro e a colocá-lo no mundo eletrônico é interessante para a gente. Com o Pix as pessoas pagam contas, usam banco digital…

Estamos com juros altos, inflação aumentando, corroendo poder de compra da população. Como essas questões macroeconômicas afetam o mercado de meios de pagamento?
Temos visto isso com preocupação. No negócio de adquirência, grande porcentual das receitas vem do adiantamento de recebíveis. Cliente parcela em 12 vezes e o empreendedor vai precisar antecipar esse volume que tem para receber. Com aumento da Selic, a margem [para as empresas de meios de pagamento] se reduz. Há tendência do repasse do aumento dos juros para o cliente. Entramos em dinâmica perversa. Nosso posicionamento é de, até agora, não fazer repasses e segurar nossas taxas. Se a gente acredita de fato em ajudar, agora é hora de ficar ao lado dos empreendedores. Conseguimos absorver esse custo porque as margens que temos no Brasil são um pouco maiores do que as da Europa e dos EUA. Sabemos operar com margens menores.

A concorrência é maior aqui do que na Europa, mas as taxas são maiores. Não deveria ser o contrário?
São características próprias de cada região. Uma das coisas que fazem as margens no Brasil serem maiores é o parcelado. Se tirar o parcelado da equação, as margens se equilibram. Quando pega operação de débito, as taxas do Brasil são mais caras porque têm intercâmbio entre as bandeiras e outras coisas.

Quais as principais tendências dos meios de pagamentos para os próximos anos?
Estamos lançando uma maquininha chamada Solo, que promete ser a mais moderna do planeta. Recebeu vários prêmios na Europa. É o próximo nível de solução. Podemos desenvolver outras soluções para o negócio dos clientes. Dentro da Solo, o restaurante pode organizar e gerenciar as mesas, pode acoplar uma impressora. E já vem com câmera para habilitar pagamentos com reconhecimento facial. Existem outras tendências no mercado em geral, como aceitação de cartão mesmo sem ter a maquininha. Usando o celular para receber por aproximação do cartão ou de celular com celular, que ainda não tem aqui. Existem algumas barreiras no Brasil para isso avançar. Principalmente os celulares. Os que têm a função NFC (Near Field Communication, ou algo como comunicação por campos próximos) são os top de linha, mais caros.

Vai ser o fim das maquininhas?
Em 20 ou 30 anos não sei dizer. Mas nos próximos dez anos as tecnologias vão coexistir. Imagine um restaurante com dez funcionários. Vai haver dez celulares que custam caro ou vai ter maquininha bem mais barata para receber o pagamento? Agora, quando falamos da Ana, que vende bolo, talvez não tenha necessidade da maquininha, porque já trabalha com o celular no dia a dia para vender, promover seu negócio. Precisamos atender o cliente, independentemente de como ele quiser receber.