A onda da ômicron elevou as tensões para um ano nebuloso. Se, por um lado, o mercado brasileiro escapa de novos fechamentos graças ao alto índice de vacinação no País, por outro, segue sem saída para o clima de polarização das eleições. Em entrevista à DINHEIRO, o presidente da corretora BGC Liquidez, Erminio Lucci, ressalta que o surgimento de mais custos às contas federais, motivado por políticas eleitoreiras, pode puxar as projeções econômicas de 2022 para o fosso. A chance de a Selic bater 11,75% até o fim do ano também provoca uma mudança de postura entre os investidores brasileiros, que voltaram para os fundos de renda fixa. Mas, na avaliação de Lucci, muito do cenário já está projetado adiante, para 2023. “Se o presidente eleito se pautar na responsabilidade fiscal, em reformas e tiver um discurso apaziguador, as perspectivas de mercado voltam a ser otimistas”, afirmou.

Como essa onda da ômicron pode afetar o mercado nacional?
Em dois âmbitos: o de novos lockdowns nas principais economias do mundo, por aumentar o movimento de risk-off (saída dos grandes investidores do cenário de risco); no Brasil, por eventuais novos fechamentos na economia. Embora, hoje, este cenário seja pouco provável por aqui, porque o índice de brasileiros com esquema vacinal completo está bem avançado (69%, em 18 de janeiro de 2022), inclusive maior do que em outros países. Os mercados em nações que tiveram baixa adesão às campanhas de vacinação são os que mais estão sofrendo agora.

E quais são as perspectivas para o mercado financeiro neste ano?
Há um alerta para os novos gastos que o governo irá propor e como devem impactar a gestão fiscal. Após a aprovação da PEC dos Precatórios, o que vemos de piora já é uma contaminação desse cenário de ano eleitoral. O mercado está prevendo um 2022 mais difícil que o ano passado em termos de crescimento — a equipe econômica do BGC Liquidez prevê 0,2% — e tendência de queda do PIB. A Selic deve parar em 11,75% até o fim de 2022.

Que outros fatores podem afetar este cenário de forma negativa?
O mercado monitora o risco de eleição de uma plataforma com agendas econômica e social polarizadas. No cenário internacional, os riscos são a alta dos juros americanos e o movimento de saída dos investidores dos mercados emergentes. Mas o principal alerta no mercado externo é para o comportamento da inflação global, principalmente nos EUA, e quão intensa e rápida será a resposta do Federal Reserve (sistema de bancos centrais nos EUA).

Qual é a plataforma política que agrada o mercado?
Responsabilidade fiscal faz o mercado ser otimista. Se o presidente eleito se pautar em reformas e tiver um discurso apaziguador, as perspectivas melhoram. A reversão desse quadro depende de destravar o consumo e os investimentos. Essa plataforma seria uma terceira via que trabalhe pela queda da desigualdade social, pelo crescimento econômico sustentável e que traga saídas para a redução do custo Brasil.

No campo econômico pode se falar em terceira via, mas no político ela parece descartada para as eleições presidenciais. O que fazer?
Precisamos deixar de fazer os voos de galinha na economia. As economias asiáticas que competem com o Brasil cresceram quatro vezes mais na comparação do PIB nominal. Enquanto isso, estamos discutindo uma agenda polarizada e desviando o foco do que é realmente necessário, que é a geração de emprego no País. Sem isso, continuaremos dependendo dos programas de auxílio.

A imagem do Brasil no mercado externo também impacta a atração de investimentos?
A imagem externa do País pode ser reconstruída com políticas ambientais e fiscais mais críveis. Os segmentos de investidores sensíveis à agenda ESG são cada vez mais relevantes globalmente. Este cenário pode começar a ser revertido na eleição, mas quem pegar o País em 2023 terá grandes desafios pela frente. Temos apenas duas boas notícias nos últimos tempos: o arrefecimento da crise hídrica e o avanço dos índices de vacinação, que colocam o Brasil numa posição de excelência no cenário mundial.

De que forma o consumo foi impactado no último ano?
A inflação no Brasil está bem acima do teto e da meta de 3,5%. Isso afeta principalmente o consumo da população de classes econômicas mais baixas. Mas este é um tema em todas as economias no mundo, por ser uma consequência da retomada do consumo em V, de estímulos fiscais e monetários, alta de preços das commodities e de um desbalanceamento entre oferta e demanda, que cria a pressão inflacionária. Aqui, os juros ainda devem ficar acima de dois dígitos. Ao mesmo tempo, o Fed indica antecipação ou reforço da retirada de estímulos fiscais do mercado norte-americano, o que terá efeito no câmbio, porque os juros lá também tendem a subir.

Programas assistenciais como o Auxílio Brasil poderiam ajudar a sustentar esse consumo?
Políticas de auxílio social funcionam por um período. Mas a permanência de um programa sem geração de emprego também não vai criar o arcabouço de política econômica para promover um desenvolvimento sustentável ou atrair investimentos. Quem assumir o País no próximo ano terá o desafio de equilibrar uma reestruturação econômica e prezar pelo aspecto social. É um cenário de contas públicas mais desajustado do que este governo recebeu em 2019.

A perspectiva do mercado era de que as reformas melhorassem esse cenário. Como o senhor avalia o andamento dessa agenda?
A agenda de reformas é necessária para atrair investimentos, desburocratizar e baratear o mercado. O País fez sua lição de casa com a reforma da previdência. Já as reformas tributária e a administrativa, por mais que não devam evoluir em ano eleitoral, começaram a amadurecer a discussão. A expectativa é que o próximo governo consiga colocar isso para andar a partir de 2023.

Como o investidor brasileiro está reagindo à conjuntura econômica?
O investidor brasileiro está mais conservador. Saímos de um juro real de zero ou negativo com juro nominal de 2% e, em seis meses, a Selic foi para 9,75%. A curva de juros curta e longa saiu de seis para 12. Então, naturalmente, esse investidor largou os ativos de risco e voltou a aplicar na renda fixa. É o oposto do que aconteceu nos últimos cinco anos, quando tivemos a queda do juro nominal e real.