le começou sua carreira como gestor de fundos que investiam em empresas de capital fechado. Seu trabalho era, basicamente, dividido em dois pilares: definição da estratégia que promoveria o crescimento da empresa financiada e estruturação da governança para que conseguissem executar o planejamento com o mínimo risco possível. Com essa formação, Eduardo Carone fez parte do Conselho de Administração de 24 empresas. Até que uma experiência malsucedida mudou o rumo da história. Após um acidente de trabalho em um grupo no qual era conselheiro, viu os seus bens, e de todos os outros membros do board, serem congelados. Ao solicitarem o seguro de administradores à empresa — ferramenta criada para arcar com a defesa jurídica dos conselheiros e garantir remuneração mensal em casos como esse — foram surpreendidos, pois não havia sido contratado. “Em uma reunião, seis meses antes, tínhamos decidido pela contratação. Estava na ata, assinado por todos, mas alguém simplesmente não seguiu o que foi determinado”, disse. Como todo o processo era analógico, o acompanhamento da execução não foi feito. “Fiquei imaginando quantas decisões tomadas não eram cumpridas. Foi quando meu deu o estalo de digitalizar o processo”, afirmou. Assim, Carone criou um software próprio que é a base do portal Atlas Governance que digitaliza as reuniões de colegiados. Hoje com crescimento de 10% a 15% ao mês em número de clientes, tem 220 empresas que usam seu serviço, 15% delas listadas na Bolsa de Valores. Entre elas, C&A, CCR, Cemig, Inter e JHSF, além de companhias de capital fechado e misto, estatais, fundos de pensão, ONGs e cooperativas.

DINHEIRO – Qual a função de um portal de governança?
EDUARDO CARONE – O software atua em dois ciclos do processo de governança. O primeiro é o decisório, voltado para a preparação da reunião: organizar a agenda, enviar o convite, criação da pauta com todos os tópicos e anexos, deliberações, além de condensar todos os materiais preparatórios em um livro virtual. O segundo é o ciclo de execução, onde tudo que foi decidido, seja uma ação ou um projeto, é atribuído a um responsável que deverá prestar conta do fluxo da realização da tarefa no software. Isso traz transparência para todos.

Nos últimos dois anos, o discurso sobre governança no Brasil ficou mais evidente. Mas, como está a prática?
Somos pouco avançados nos três pilares do ESG (ambiental, social e de governança). No Brasil, começamos com os Princípios Responsáveis de Investimentos (PRI), quando os fundos de pensão anunciaram que só iriam investir em gestores que adotassem as boas práticas contempladas nesse que era um pacto global entre os gestores. Com o tempo evoluímos para o ESG, e hoje os bancos começam a colocar a conformidade como critério para algumas linhas de financiamento. Além da pressão da sociedade.

Via de regra, citam a pressão exercida pelo consumidor. Mas, casos como Carrefour – que vem enfrentando problemas como acidente fatal de funcionário, assassinato, maus tratos de animais em suas lojas – não comprovam que mesmo com protestos, a ação das pessoas é muito limitada?
De três anos para cá a sociedade começou a criar repulsa por empresas que não adotam boas práticas ESG. Tivemos exemplos interessantes como quando o dono do Madeiro disse que a economia não podia parar porque 5 mil ou 6 mil pessoas iriam morrer. As redes sociais foram impiedosas. Por declaração similar, o fundador do Giraffas afastou o filho da gestão. Mas, a influência do consumidor, de fato, depende muito do caso. Do ponto de vista do consumo, em empresas voltadas para um público de baixa renda que tem menos informação o impacto é muito menor. Já naquelas que interagem com o mercado financeiro, o impacto é cinco vezes maior.

Quando comparamos Brasil com Estados Unidos e Europa, o nível de maturidade do ESG aqui é bem menor. Qual é a barreira?
No Brasil, falta o governo entender a importância do ESG. O aspecto social, por exemplo, passa por inclusão, diversidade e equidade. Ainda que o processo vá se estabelecer naturalmente nas empresas pela pressão do capital, quando o governo contribui, acelera a adoção de boas práticas. Um caso é a Alemanha, onde existe lei que determina um percentual mínimo de mulheres nos Conselhos.

Enquanto isso, o presidente do Brasil adota posição contrária ao projeto de lei (PL 130/2011) que propõe multar empresas que paguem salários diferentes para mulheres e homens na mesma função.
Estamos na contramão do mundo. Na Califórnia (EUA) existe uma lei que determina cotas para mulheres e outra para pessoas que se autodefinam minorias. Se somar as duas, ao final de 2022, 60% dos Conselhos de lá estarão formados por mulheres e minorias.

No Brasil a luta atual é por 4% de mulheres nos colegiados.
Exatamente. Fomos prejudicados por uma onda de eleição de governos de extrema direita com bases conservadoras. Isso é o oposto do progresso quando falamos sob os aspectos de boas práticas ESG. A falta de um exemplo, vindo de cima, dificulta em muito o processo de mudança.

Como estão as estatais neste processo?
Recentemente tivemos problemas gravíssimos nas assembleias da Petrobrás e da Vale. Na Petrobrás, Marcelo Gasparini [único conselheiro eleito pelos minoritários] derrubou todo o colegiado pela segunda vez em poucos meses. A primeira foi quando – em um problema sério de governança – o presidente da República ignorou o estatuto e indicou um presidente para a estatal [o general Joaquim Silva e Luna em substituição a Roberto Castello Branco]. A outra, em assembleia no dia 12 de abril, quando Gasparini discordou de todo o processo do ponto de vista da B3, da tradução do boletim de voto a distância para os acionistas estrangeiros e do voto múltiplo. Como consequência, a Petrobras está sem conselho por problemas de governança. E na Vale com a questão do voto negativo que basicamente foi uma forma do bloco de controle conseguir vetar indicações de minoritários.

O que explica, então, o pico no preço das ações da Vale que, além do problema de governança foi responsável por um dos maiores crimes ambientais do Brasil com o rompimento da barragem de Mariana?
Ao contrário da Vale, a Petrobras foi muito mais castigada como empresa do ponto de vista de valor, mas o cerco está fechando. Os gestores de capital vão impor restrições para investir em empresas com más condutas.

Um dos grandes problemas públicos sobre o descuido da governança são os recentes e constantes vazamento de dados de empresas. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) teve impacto na gestão da governança corporativa?
Acho que as empresas estão fazendo errado nesse processo. Elas estão contratando advogados para fazer a adequação à LGPD. Mas, advogado cuida para que a empresa esteja com a documentação legal. Só que o vazamento de dados é um problema técnico. As empresas estão olhando contratos e deixando de lado a cibersegurança. O que se vê são problemas graves de vazamento de dados todos os dias. Isso ainda vai dar muito problema, afinal são informações pessoais de cidadãos. Isso é um clássico problema de gestão de governança corporativa.

Quando vemos a governança do ponto de vista do mercado de tecnologia, salta aos olhos a quantidade de startups que são, em breve tempo de atividade, avaliadas em US$ 1 bilhão, se tornando Unicórnios. Estamos vivendo uma bolha?
Não acredito nisso do ponto de vista estrutural. Com juros baixos, a tendência do mercado é que a renda fixa deixe de ser uma alternativa no mundo e aqui também. Sem ela, o dinheiro tem que migrar para algum lugar que o remunere. As startups são boas alternativas porque, ainda que o risco seja alto e que os patamares de retorno tendam a se acomodar em um nível mais baixo do que no passado, devem remunerar o capital com algo entre 20% e 25%.