A crise provocada no Brasil pela pandemia do novo coronavírus, que no dia 26 completa um ano do primeiro caso registrado no País, foi só mais um elemento que industriais, empresários, comerciantes, autônomos e trabalhadores enfrentam para sobreviver, tanto em relação à saúde quanto economicamente. “O ambiente de negócios no Brasil não é favorável, é inóspito”, afirmou Dennis Herszkowicz, CEO da Totvs, maior empresa de software de gestão do País. Para ele, apesar das dificuldades, o período foi de aprendizado para as companhias e a aceleração digital forçada pela prevenção e combate à Covid-19 deverá se tornar um fator de melhora da competitividade.“Não estávamos tão bem preparados.”

ISTO É DINHEIRO – Qual a sua avaliação sobre a importância do setor de tecnologia para garantir a manutenção da atividade econômica durante a pandemia?
Dennis Herszkowicz – A tecnologia é a única resposta para os desafios que se apresentam. Sem trabalho remoto, sem entregas de refeições, sem aulas on-line, a pandemia teria provocado um desastre muito maior do que foi. A tecnologia se mostrou o grande apoio e sustentação da sociedade durante esse período difícil. No caso da Totvs, o trabalho inicial foi de adaptação. Nossos softwares de ERP rodam em empesas que formam 25% do PIB, e um terço de holerites/contracheques de trabalhadores contratados pelo regime CLT são processados nas nossas soluções de RH. Imagine o desastre se não conseguíssemos, de um dia para o outro, colocar 7 mil pessoas trabalhando remotamente. Garantimos que 40 mil clientes pudessem continuar operando. Ficamos preparados também para eventuais dificuldades financeiras dos clientes.

Se a demanda por serviços da Totvs aumentou em 2020 é possível afirmar que as empresas não estavam preparadas para lidar com a situação?
Diria que essa é um das principais conclusões, se não a principal, de que as empresas, de todos os setores e portes, estavam com grau de digitalização e de preparação tecnológica muito inferior ao que poderiam e deveriam. Inclusive quando comparamos com empresas de fora, de Estados Unidos, Europa e Ásia. As brasileiras ficaram para trás e estão tentando tirar o atraso agora. Estão voltando a investir e essa é uma grande aposta que temos.

Isso ocorreu pela falta de investimento em inovação?
É a combinação de algumas coisas. Não podemos esquecer que o Brasil passou por uma crise econômica profunda e longa, do final de 2014 e até o meio de 2018. É raro um país do tamanho e da relevância do Brasil passar por quatro anos de crise econômica. Geralmente a crise dura seis meses, um ano. Passar por crise durante quatro anos é extremamente difícil para qualquer empresa. Passar por isso e ainda fazer investimento, é mais difícil ainda. Quando digo que não estavam preparadas, não é uma crítica. Elas precisavam primeiro sobreviver e depois investir. O Brasil é muito complexo ainda em nível de competitividade, legislação, questão tributária… Gasta-se um tempo grande nas empresas para garantir a operação dentro das regras e isso é prejudicial. Quando se gasta esse tempo e dinheiro, sobra menos para investir no que realmente vai fazer a diferença. O brasileiro adora tecnologia, o empresário brasileiro é audacioso, mas a situação dos últimos anos não ajudou.

O ambiente de negócios influencia negativamente?
O ambiente de negócios no Brasil não é favorável, é inóspito. Tem de gastar tempo e dinheiro aderindo a mudanças para cumprir regras que não foram criadas agora. Não é crítica a nenhum governo em particular, são anos, décadas, talvez séculos de construção de um arcabouço todo que não ajuda as empresas a operarem e a investir. Pelo contrário. Atrapalha. Enquanto tivermos um ambiente inóspito como esse, as empresas no Brasil terão de se esforçar mais para acompanhar a evolução tecnológica mundial.

A reforma tributária seria importante para dar um passo à frente?
Sem dúvida. Quanto mais se simplificar a vida das pessoas e das empresas, e quanto mais gente estiver contribuindo, vai ser melhor. O Brasil tem base de contribuintes menor do que deveria. Isso faz com que quem contribui, contribui com mais. Poderia ter um peso menor. Reforma tributária, privatizações, reforma do tamanho do Estado, reforma administrativa, reforma política, as grandes reformas são absolutamente fundamentais.

Não sou político. O que está acontecendo é que em uma democracia às vezes é demorado para construir consenso. O Brasil é grande, com muita gente, visão distinta de muitos grupos. Para construir consensos leva mais tempo do que a gente gostaria. Mas não vejo outro caminho. Impor condições sem consenso não é a resposta. Temos de continuar o trabalho e a conscientização de mostrar que o único caminho para um ambiente de negócios mais favorável são as reformas.

Houve algum setor específico que tenha gerado mais demanda por soluções de transformação digital para gestão?
A indústria no geral performou muito bem em 2020, por combinação de anos anteriores difíceis, com câmbio que favoreceu a exportação. Serviços em geral e logística também foram áreas muito boas para nós. O agro foi muito bem também, acima da média. O que ficou abaixo da média foram os hotéis, onde temos liderança importante em gestão. Mas começou a melhorar no segundo semestre. E o varejo de moda e restaurantes também sofreu no primeiro semestre. Educação, em razão do fechamento das escolas, teve problemas, mas se recupera porque ninguém vai deixar de estudar. É um solavanco momentâneo.

O dólar em alta é bom para o Brasil?
Hoje em dia já se tem dúvidas se um câmbio tão desvalorizado é bom. Antes, pensava-se que ajuda a exportação e diminui a importação. Hoje, com cadeias globais, não temos visão tão clara assim. Só se tiver bens muito primários, como alimentos e minério de ferro. O ideal é ter câmbio equilibrado e menos volatividade.

A indústria nacional não poderia produzir mais para diminuir
as importações?
Temos procurado investir muito nisso. Trabalhamos na questão do ‘global to local’ fortemente, não só do ponto de vista do produto, mas também do mercadológico. Um país do tamanho do Brasil, com economia diversificada, poderia voltar a ter indústria com muito mais força. Já teve no passado e temos perspectiva de melhoras.

A vacinação contra a Covid-19 está avançando no Brasil. Qual expectativa para a economia?
Saúde e economia andam juntas. A única forma de as pessoas se sentirem genuinamente seguras e voltar a um grau de normalidade é com a população se vacinando. Enquanto isso não acontece, vamos ter atividade da economia abaixo do que gostaríamos.

Faltou uma ação mais coordenada entre as esferas de governo para a imunização começar mais cedo e avançar mais rapidamente no Brasil?
Não só na política, mas em qualquer atividade, o ideal é ter ações coordenadas, de consenso, e trabalhar junto. Nãos seria diferente em uma calamidade. Pelo contrário. Torna-se ainda mais importante o alinhamento. É o que a gente torce para que aconteça. Indiscutivelmente poderíamos estar mais avançados. Vemos a maior parte dos países importantes com processos de vacina adiantados. O fato de ficarmos para trás é algo que preocupa.