Intensiva no uso de matéria-prima fóssil e recursos hídricos, a indústria química precisa se transformar ou não haverá futuro possível. O impasse se dará por pressão dos consumidores, da legislação e dos investidores. Ao analisar o cenário macro nesta entrevista à DINHEIRO, Daniela Manique, presidente na América Latina do Grupo Solvay, a maior empresa química da Bélgica e dona da marca Rhodia, que atua no Brasil desde 1919, avalia que ou o país faz uma profunda reforma tributária, facilita o acesso à energia limpa e moderniza a legislação, ou as empresas químicas instaladas aqui perderão competitividade no mercado global. Do lado do setor privado, enxerga na busca por matérias-primas renováveis e na precificação de carbono caminhos obrigatórios rumo à economia verde. “Não dá para poluir de graça. Temos que ao menos compensar nossos impactos”, afirmou.

Há cerca de dois anos, a pressão por práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) ficou mais latente por força do capital, uma jornada que o grupo começou em 2007. Como está o processo?
Na verdade, começamos antes. A fábrica de Paulínia (SP), a segunda maior da Solvay no mundo, começou verde. Durante a 2a Guerra Mundial, recebíamos cana-de-açúcar e etanol do nordeste. Com os bombardeios, ficamos sem a mercadoria que vinha de navio. Foi então que o grupo comprou uma fazenda de café e a transformou em uma lavoura de cana [a área, que se tornou a fábrica de Paulínia, foi comprada nos anos 40]. Passamos a produzir nosso etanol e ácido acético, iniciando a química verde no Brasil. Em 2007, o que fizemos foi oficializar nossas práticas em um programa estruturado. No futuro, não haverá indústria química que não seja responsável.

Quais os principais compromissos da empresa em ESG?
No ano passado, lançamos o programa de sustentabilidade para 2030, o Solvay One Planet, com dez metas para impulsionar o progresso em três pilares: clima, recursos e uma vida melhor. Uma delas é chegar a descarbonização até 2025. Em Paulínia já reduzimos as emissões em 96%. Globalmente, tínhamos o objetivo de ter 50% dos nossos produtos vindos de origem sustentável até 2025. Antecipamos o resultado para 2019. Agora, o foco é alcançar 65%. No Brasil, temos uma linha de solventes verdes com base de glicerina, mas infelizmente o mercado brasileiro não mostra grande interesse e 80% da produção é exportada. Produzimos também a primeira poliamida biodegradável do mundo, feita em Santo André (SP), nossa base têxtil. Duas tecnologias 100% brasileiras.

Por que os solventes verdes não recebem atenção do mercado brasileiro?
Em químicos, a transformação dos clientes para atitudes mais responsáveis é movida pelos consumidores, mas muito mais por regulamentação. Um exemplo é a Califórnia, considerado mercado premium, em que todos os fabricantes de produtos para cuidados de casa e higiene pessoal – nosso principal mercado – querem estar. Foi a sociedade que pressionou e o poder público ajustou a legislação nessa direção. No Brasil, como não temos essa conscientização dos consumidores e onde a sensibilidade a preços é grande, ainda estamos em processo inicial de transformação.

A indústria química tem como base a indústria de petróleo. Quanto da produção é renovável?
No Brasil, a parcela ainda é pequena. Próximo a 10%. Mas estamos evoluindo. Somos vistos pelo grupo como o celeiro da química verde e toda nossa pesquisa e desenvolvimento é focada em matérias-primas renováveis. Nosso desafio agora é lançar uma linha de produtos carbono neutro, considerando toda a cadeia.

Quais transformações vocês enxergam que o ESG está provocando na indústria?
A primeira delas é a mudança do consumidor. Sejam pessoas físicas ou jurídicas, estão pressionando por produtos mais sustentáveis. Teremos que ser mais renováveis e, naquilo que não conseguirmos, teremos de compensar os impactos. Não é mais aceitável que as empresas poluam de graça. Nesse caminho, acredito na precificação do carbono. Quem polui, tem que pagar.

Há interesse no mercado de carbono?
Durante muito tempo fizemos a comercialização de créditos de carbono na nossa unidade de abatimento de gás de efeito estufa, o projeto Angela, em Paulínia. Hoje, continuamos com o projeto mesmo sem remuneração dos créditos. Ainda que eu acredite que isso será precificado, este projeto é importante para nós não pela remuneração, mas para neutralizar nossa linha de produtos.

Quais são as grandes dificuldades que empresas químicas estão enfrentando na economia verde?
É muito difícil manter a competitividade se a empresa priorizar uma energia limpa. É desleal a competição de quem investe em energia eólica e solar contra quem queima carvão. No Brasil, é muito doída a questão da tributação. Não quero subsídios ou privilégios, mas ao menos deixem todos os players com bases iguais. Outro exemplo: sou defensora do uso do gás natural, mas não quero pagar quatro vezes mais por isso.

Quais os riscos de uma política displicente para a indústria química?
Tenho receio que tenhamos no Brasil um episódio como no Porto de Beirute: uma carga química abandonada que causa uma explosão. E isso pode acontecer a qualquer minuto porque aqui chegam produtos importados sem nenhuma segurança.

Estar em conformidade com o ESG é caro para a empresa?
Todo o etanol que compro precisa ter uma certificação mundial atestando boas práticas. Pago mais caro por isso. Nossa glicerina é vegana e tenho atestado para isso. Lá fora temos que mostrar esses selos e eles pagam o prêmio. Aqui não existe isso. Todo esse processo deixa o produto mais caro, sim. Mas é preciso ser feito.

Essa transformação está mudando a régua de negócio?
No mercado internacional, sim. Aqui vai ter que mudar. O grupo está olhando para os fornecedores de maneira crítica. Quem utiliza carvão, está sendo excluído. Nossos clientes já avisaram que têm interesse na compra de produtos carbono neutro e naqueles que serão produzidos nos nossos sites certificados com o Green Site Certificate (selo internacional que a empresa trabalha para obter). Além disso, para atrair uma nova geração de colaboradores, ou mudamos a mentalidade ou ficamos fora das opções de escolha. ESG não é só sobre um planeta melhor. É uma questão econômica.