Dona da cadeira de CEO da AES Brasil desde dezembro, Clarissa Sadock tem como compromisso fortalecer a presença da empresa no Brasil em uma realidade setorial radicalmente diferente dos últimos dez anos. O grande desafio de sua gestão é tornar o cliente o centro das decisões que estão cada vez mais alinhadas ao princípio do ESG (ambiental, social e de governança). Uma mudança de mentalidade essencial para um setor que migra do Ambiente de Contratação Regulada (ACR) para o Ambiente de Contratação Livre (ACL). Na prática, a empresa planeja sustentar seu crescimento em três pilares que enxerga como prioritários na agenda de seus consumidores: energia renovável – a expansão da empresa deve se dar em base de energias limpas, melhor equilibrando a matriz hoje composta por 70% de energia hídrica e 30% divididos entre solar e eólica; diversidade; e segurança. No lado ambiental, destaque para o impacto positivo que deseja alcançar após o fim das obras do Complexo Eólico Tucano (BA), construído e operado em joint venture com a Unipar, e do parque eólico de Cajuína (RN). A companhia fortalece também sua presença nos outros dois pilares do ESG com a vinda da própria Clarissa para a mais alta liderança no Brasil e a conquista de dois importantes marcos em governança. Um deles foi a reclassificação da companhia pela Sustainalytics com upgrade para Low Risk (Baixo Risco), além de ter ingressado no Novo Mercado, da B3.

DINHEIRO – Como é a governança dos princípios ESG na AES Brasil?
Clarissa Sadock – Está cada vez melhor estruturada e estratégica. Temos o comitê de sustentabilidade, que eu presido, e que tem a participação do presidente do Conselho, Julian Jose Nabreda Marquez, de um conselheiro independente e de um consultor externo. Na estrutura, um diretor de Planejamento Estratégico e ESG se reporta a mim. Fazemos os relatórios de sustentabilidade integrados seguindo a metodologia do Global Reporting Initiative (GRI) e temos o inventário de emissões verificado por terceira parte independente, o que nos garante o Selo Ouro GHG Protocol. Há poucos dias, migramos para o Novo Mercado da B3, passo muito importante para sermos referência em ESG, que é um dos nossos objetivos.

Há política de remuneração variável atrelada a metas de responsabilidade socioambientais?
Sim, temos três metas ESG na remuneração que contribuem para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). São elas as de crescimento em energias renováveis; de diversidade; e de segurança. Essas metas são cobradas da presidência, diretoria e gerência com pagamento de bônus atrelado a resultados.

Com uma adoção mais alinhada às boas práticas do ESG, como a AES Brasil está lidando com a parte ambiental?
Nossos compromissos estão relacionados ao aquecimento global. Acabei de sair de uma reunião (no dia 8 de abril, quando a entrevista foi realizada) na qual decidimos antecipar a meta de neutralizar nossa emissão de carbono, hoje na casa das 800 toneladas/ano, de 2025 para este ano. Esse é o primeiro passo para nos tornarmos positivos em emissões. A neutralidade já é ponto dado, a agenda agora é como conseguir compensar a vida inteira de atividade corporativa e ter impacto positivo.

Quais as estratégias serão usadas?
Uma delas, bastante trabalhosa, é reduzir a geração de CO2. Um exemplo do que estamos pensando é como realizar as manutenções das usinas com um impacto ambiental menor do que o atual. Em outra via, estamos construindo plantas eólicas e solares que, após entrarem em operação, serão essenciais na geração de impactos positivos. Estamos também comprometidos com uma atuação junto aos nossos clientes para que eles não só usem energia renovável como, eventualmente, compensem emissões com a compra de Certificados de Energia Renovável (RECs) e crédito de carbono.

Como o mercado recebeu os RECs, certificado global que comprova a geração de energia por meio de fontes renováveis?
Desde que certificamos a Usina Água Vermelha (MG), em 2017, nos tornamos a primeira empresa no Brasil apta a comercializar o certificado diretamente para clientes. O que posso assegurar é que é impressionante a velocidade da transformação das empresas brasileiras no sentido de compreender que certificar sua produção sustentável é essencial para o futuro dos negócios.

Qual grande desafio do Brasil quando falamos em energia na economia verde?
Diferentemente de outros países, o Brasil já tem uma matriz energética renovável bastante robusta devido a nossa capacidade hídrica. Hoje os clientes que estão no mercado livre (ACL) estão ditando as regras do jogo e sua preferência é pela compra de fontes eólica e solar que aliam bons preços e são renováveis. O crescimento do mercado energético virá do sol e do ar. O hídrico terá mais restrições devido aos reservatórios e impactos ambientais associados.

Estamos prontos para essa transição?
O que se precisa – e já está acontecendo – são ajustes na regulação. A energia eólica e solar são intermitentes e não conseguimos armazená-las. Já há muita discussão de como é que o País ajustará leis e normas para que a hídrica possa servir de reserva. O ponto principal é: será que o Brasil precisa de energia térmica em função da intermitência? Se sim, de quanto?

No mundo, o processo de descarbonização passa ainda mais necessariamente pela mudança da matriz energética. Como você avalia o estágio dessa transição?
A carta do CEO da Black Rock, Larry Fink, (que chamou a atenção de seus clientes para a necessária realocação de investimentos de setores poluidores para a economia verde, em janeiro) foi um marco que está mexendo no cenário mundial dos recursos. Hoje, há muitos fundos exclusivos alinhados às boas práticas ESG. O carvão, por exemplo, está discriminado. Há um movimento robusto
das companhias na antecipação da redução das metas de descarbonização impulsionadas pela pressão dos investidores.

Outro ponto trazido por Fink é a orientação para a diversificação de gênero nos conselhos. Como mulher presidindo uma empresa do setor de infraestrutura, você é quase exceção na estatística. Qual é a agenda da companhia no pilar social?
Trabalhamos de duas formas. Na comunidade onde estamos atuando e na questão da diversidade que é uma agenda bastante extensa. Mas, como ao abraçar o mundo o risco de fazer com menos eficiência é maior, resolvemos focar 2021 na questão do gênero e depois incluir outras metas.

Que tipo de ações estão sendo realizadas neste sentido?
No escritório temos uma alta taxa de participação feminina, mas na alta liderança o percentual é muito pequeno. Então, uma das ações é criar oportunidade para que haja essa ascensão. Já na operação é bastante diferente: 99% são homens. Aqui é preciso começar pela inclusão. Então montamos uma turma no Senai da Bahia para que a gente possa treinar 30 mulheres e contratar 13 para nossa operação de Tucano. Com esse volume, essa planta que está em construção será operada exclusivamente por mulheres. São primeiros passos numa longa jornada.