Quando Carlo Pereira assumiu a Rede Brasil do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2017, o tema ESG (ambiental, social e de governança) ainda começava a ganhar tração. O escritório no País tinha quatro pessoas, poucos gestores de investimento pressionavam o mercado por resultados, e as empresas ainda não compreendiam como a responsabilidade socioambiental poderia interferir em seus negócios. Quatro anos depois, o time interno passou para 30 pessoas, Larry Fink, CEO da BlackRock – maior gestora do mundo com ativos de US$ 8 trilhões – anunciou que votará contra diretorias que negligenciam riscos climáticos e companhias brasileiras estão mais engajadas. “Em 2020 o Brasil bateu recorde global em número de novas associadas com 243 adesões”, disse. Crescimento de 25% para as atuais 1,3 mil associadas. Ainda que a evolução esteja em curso, há muito o que fazer na jornada ESG – acrônimo criado pelo Pacto Global no relatório Who Cares Wins, Connecting Financial Markets to a Changing World, no início dos anos 2000. “Independentemente de governo, sabemos que como País estamos muito mal [na agenda]”, afirmou. Além do desmatamento na Amazônia e da corrupção institucional, outro problema mapeado foi o fato de empresas estarem divulgando metas para um prazo tão longo que há riscos de que não passe de marketing. Para coibir a prática, o Pacto Global lançará o Observatório 2030, ferramenta sobre a qual Pereira falou com exclusividade para a DINHEIRO.

DINHEIRO – Como o Pacto Global avalia a presença do ESG nas empresas brasileiras?
Carlo Pereira – O Brasil tem uma nata de empresas que são as melhores do mundo em sustentabilidade. Mas estou falando de no máximo 100 empresas dos 7 milhões de CNPJs que temos. Quando falamos do social, do ponto de vista das questões trabalhistas, o Brasil vai muito bem graças a uma das legislações mais rigorosas do mundo.

E no ambiental e governança?
Mesmo com o recente relaxamento da legislação ambiental, temos leis sólidas. Mas não punimos empresas que não as cumprem. Se considerarmos quem segue a legislação, o Brasil não está ruim. Mas precisamos melhorar. Exemplo: ainda que tenhamos uma das matrizes de energia mais limpas do mundo, quando falamos em eficiência energética vamos mal. Já a agenda de governança no Brasil é muito nova. Até a década de 1990 o Brasil trabalhava com overnight. Agora, o maior problema no Brasil é mesmo a corrupção.

Então, se fossemos considerar a marca Brasil sob a ótica do ESG, qual seria a avaliação?
A reputação do Brasil em ESG está com fissuras profundas. Independentemente de governo, nós estamos muito mal. Mas algumas acusações sobre as questões ambientais são injustas, como no agronegócio. Comparativamente ao que se pratica no mundo, o nosso agro é muito sustentável. Em governança, temos escândalos de corrupção que assustam os investidores. A questão social, do ponto de vista do investidor externo, não é um ponto crítico ainda que a desigualdade seja imensa.

Dentro dessa agenda trabalhista, a ONU está trazendo para o Brasil o movimento do Salário Digno. Do que se trata?
Preciso dar um passo atrás antes. Está em curso uma mudança no Pacto que é passar da atual condição, em que só orientamos as empresas para as boas práticas ESG, para nos tornarmos uma instituição que cobra metas. Assim como já estamos fazendo com a descarbonização por meio da associação com outras entidades, vamos fazer com outros temas, como gênero e raça. Vamos estabelecer o objetivo final, monitorar o andamento e dar publicidade aos resultados parciais. O movimento Salário Digno tem o objetivo de assegurar um nível de remuneração para que as famílias vivam em situação digna. Assim, as empresas poderão reduzir a desigualdade no Brasil.

Qual a diferença do que é o salário mínimo?
Esse é o vespeiro. O salário digno não visa só assegurar a sobrevivência. É assegurar condições para que a família desfrute mais do que de um prato de comida, tem que incluir lazer, por exemplo. O Dieese tem uma metodologia que aponta que o salário digno deveria ser de R$ 4 mil no Brasil. Mas esse número não leva as peculiaridades das regiões. O que é salário digno no interior da Bahia não é em São Paulo. Já temos uma coalizão com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e universidades para fazermos estudos regionais.

Algo voltado para desigualdade de gêneros?
O movimento de tornar as empresas mais responsáveis tem muitas frentes. A inclusão de gênero é uma delas. Temos um programa que rodou pela primeira vez durante o ano passado em 19 países que é o Mulheres em Cargos de Alta Diferença. Este ano serão 52 países. As metas dependem da região. No Brasil, as 21 empresas envolvidas escolheram entre duas: ter 30% de mulheres no cargo de alta liderança [diretoria para cima] até 2025 ou 50% até 2030. Hoje, estamos em 16%. Lançamos também o programa Étnico-racial, mas ainda estamos estudando as metas porque a quantidade da população negra varia muito de acordo com o estado. A meta será, então, feita empresa a empresa.

O senhor comentou que a questão da corrupção é crítica em governança, como resolver?
Para o nível empresarial, o Compromisso Zero Suborno está em fase de criação, de conceituação e de estruturação. O lançamento deve ser em breve. Aqui no Brasil, temos também as ações coletivas anticorrupção, onde CEOs estão discutindo ideias de autorregulamentação de vários setores para o tema.

Diante da agenda ESG muitas empresas estão estabelecendo metas de longo prazo que passam a ser acompanhadas também pelo Pacto. Mas como garantir que vão cumprir?
De fato, as empresas estão lançando metas para 2050, 2060, quando os dirigentes que assumiram os compromissos provavelmente não estarão mais nos postos. Nós, como Pacto Global, não temos como punir as empresas, mas estamos lançando o Observatório 2030 para dar visibilidade para todas as metas de curto, médio e longo prazos por empresas, sejam elas feitas conosco ou não. Ter metas é fácil, mas queremos ver os passos até lá. Vamos dar transparência para os compromissos atingidos e também para os não cumpridos. Quem estiver mentindo tende a perder mercado e desaparecer.

Essa é uma questão importante: a movimentação pela sustentabilidade ambiental é também uma questão pela sustentabilidade econômica. O Brasil já enxergou a nova realidade?
Não. E é uma pena. O sequestro de carbono e a biodiversidade serão as grandes oportunidades dos próximos anos. Quem tem condições de oferecer o suficiente para atender essa demanda global? O Brasil.

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