Executivo de inovação no esporte e CEO da Feel the Match (startup que desenvolve negócios e propriedades premium no segmento esportivo), Bruno Maia mergulhou no futebol da mesma maneira que mergulhou no universo da comunicação — de forma transversal, sempre buscando novas abordagens. Enquanto aguarda o lançamento da série documental sobre a vida do ex-jogador e senador Romário (PL-RJ), da qual foi produtor e diretor, ele fala à DINHEIRO sobre o futuro do futebol, que atravessa sua maior transformação no Brasil. Apenas neste semestre já tivemos Botafogo, Cruzeiro e Vasco virando SAF (empresas), a briga milionária pelos direitos da Libertadores e dois clubes (Flamengo e Palmeiras) anunciando faturamento na casa do R$ 1 bilhão. Mas a grande revolução virá da mudança dos hábitos de consumo.

DINHEIRO – Na era do streaming, O futebol brasileiro dará finalmente o salto à profissionalização?
Na verdade, o futebol é muito egocêntrico, se acha muito especial. Essa mudança de distribuição de conteúdo ocorreu e ocorre em todas as formas de entretenimento. Eram discussões que, em 2006, quando eu estava na EMI [gigante do mundo da música, na qual Maia foi head de mídia digital] já eram velhas. O futebol apenas chegou tarde e paga o preço de ter chegado tarde.

Esse atraso trouxe uma espécie de tsunâmi na forma como consumimos e geramos receitas no futebol. No Brasil, o marco parece ter sido a aprovação da Lei do Mandante. Você concorda?
A Lei do Mandante foi sancionada por Bolsonaro [setembro de 2021], e passou a determinar que quem sedia o evento negocia o direito de transmissão. Antes disso, havia uma situação que obrigava as duas partes [os dois times, no caso de um jogo de futebol] a negociarem aquela transmissão. Os clubes grandes ficavam muito reféns, porque o exibidor conseguia, mesmo com pouco dinheiro, seduzir um time pequeno, o que obrigava o grande a negociar do jeito que o exibidor quisesse.

Então a criação da Lei foi algo bom?
Há vantagens e desvantagens. Porque, em contrapartida, você tira do time grande metade das receitas que ele poderia negociar quando joga como visitante. Na Europa já ocorria assim [direito do mandante]. O problema aqui foi que não houve discussão. Questões sobre ‘como manter o interesse público sobre algo que é púbico?’ ou ‘como manter valioso esse produto [o campeonato em si]?’ ficaram de fora. O direito está atrelado sempre a várias outras situações, e são elas que vão gerar um cenário econômico mais próspero àquele produto esportivo. Há dezenas de variáveis que foram desprezadas. Foi feita para atender a interesses momentâneos: na época, uma demanda do Flamengo, que brigava com a Globo [de quem Bolsonaro declaradamente se diz inimigo].

Você foi contra ou a favor?
Fui muito crítico pela forma, não pela decisão em si. A mudança seria inevitável, mas não seria preciso ser feita como foi. O Campeonato Carioca, por exemplo. Não pagou premiação pelo segundo ano seguido. Ou seja, é assumidamente deficitário. Em nome de uma suposta modernização, fizeram de um jeito que não contemplou tudo e todos. Porque tem gente que ganha muito dinheiro, de um jeito fácil e rápido, entregando um produto ruim. Poderia ser feito pensando na indústria do futebol como um todo. Na Espanha, por exemplo, a negociação contemplou o todo. Parte do dinheiro vai, inclusive, para outros esportes.

Mudanças pouco estudadas podem concentrar receitas e levar o futebol brasileiro a se tornar parecido a torneios europeus — campeonatos de sucesso comercial global, mas que (exceção à Premier League/Inglaterra) têm apenas um ou dois times candidatos a vencer?
Sim. Como qualquer segmento econômico, o futebol passa por um momento de concentração. Você tem 40 estádios em Londres, mas somente em dois ou três há bons jogos. Neles, o ingresso custa dez vezes mais. É outro tipo de entretenimento. Qual é melhor? Você pode gostar de uma coisa e eu, de outra. Mas o fato é que economicamente haverá a concentração. E o futebol caminha para isso. Por outro lado, existe um modelo que me anima mais, que é o americano. Ele não é feito para ter supremacia de um ou outro, é pensado para manter rotatividade. Na NBA, o time que ficou em último numa temporada é o primeiro a escolher o [melhor] jogador do campeonato universitário. Isso para que a Liga seja mais forte que os times. Ganha-se muito mais dinheiro no formato americano. E o futebol brasileiro tem muito mais proximidade com esse modelo.

Para o Brasil, seria o caminho de escapar da mesmice de concentração de vencedores como vemos na maior parte dos campeonatos europeus?
Não só. Claro que no Brasil, por razões diversas, Atlético-MG, Flamengo e Palmeiras caminham para essa primazia econômica. Já há uma disparidade grande. Mas acredito que aqui a gente tenha mais características distintas das ligas europeias, e a principal delas é que temos muitos produtos valiosos [outros clubes tradicionais e de grandes torcidas]. Eles precisam atuar juntos.

Outro tipo de concentração, a dos direitos de transmissão, parece migrar de players tradicionais (TVs aberta e paga) para plataformas como YouTube e canais de streaming, não?
Não acredito. Penso que ocorrerá o contrário. Os direitos de transmissão serão cada vez mais pulverizados. Há dezenas de narrativas possíveis, além da transmissão, todas com potencial de gerar novas receitas: da produção de documentários a vendas de itens por NFTs. Dinheiro que não existia. O futebol vai ter de descobrir esses novos caminhos. Até porque os grandes players, associações e dirigentes têm percebido que o interesse por futebol americano, UFC, mundial de surfe, cresce acima do interesse pelo futebol. O gap ficou muito menor.

Por esse motivo a Fifa lançou seu canal de streaming?
Não sei se Gianni Infantino [presidente da Fifa] de fato está nesse jogo. Mas ainda assim é uma admissão de que o jogo mudou. Foi, por exemplo, o que aconteceu com a Fórmula 1. O Bernie Ecclestone [que comandava globalmente os direitos da modalidade] dizia que não tinha interesse pelo social, nem queria vender seu produto a jovens, ‘porque jovens não têm dinheiro’. E ano após ano a categoria seguia perdendo audiência. Aí o grupo americano [Liberty Media, no fim de 2016] compra a Fórmula 1 e faz justamente o contrário. Foca na molecada e arrebenta de fazer audiência. Mostra que era uma preguiça que existia ali. É um pouco o que o futebol vive ainda.

Existe um risco de elitização do futebol?
Não tem como se sustentar de outro jeito. Futebol é um produto que tem dono. Será cada vez mais nichado. O que não significa que deva virar uma ilha. O cara mais pobre não vai mais ver seu time 30 vezes, mas vai poder ver três vezes. O cara da camisa pirata não será mais essencial ao negócio, será receita residual. Mas mesmo nesse contexto mais elitista, é preciso que o futebol encontre uma conexão popular. No Vasco [onde foi vice-presidente de marketing], a gente reservava parte do estádio numa espécie de consórcio, e quanto mais gente entrava no programa, maior aquele espaço ficava. Precisa existir conexão com quem está fora da ilha. Criar pontes.

E como fechar a conta?
Vai fechar por receitas fragmentadas.