Professor do Brazil Institute no King’s College London, Anthony Pereira, estuda o País desde a Era Varguista. Nascido em Londres, já morou no Brasil. Hoje ensina e participa de grupos de pesquisa sobre o estado brasileiro sob diversos aspectos. Nesta entrevista à DINHEIRO, exalta pontos positivos como o parque industrial, os avanços sociais e ambientais feitos no passado e chama atenção para os diversos desmanches que o governo com discurso de direita de Jair Bolsonaro tem comandado. Na economia, na ciência e na agenda socioambiental. “Esse governo é muito paradoxal. Ainda que sustente um discurso muito liberal, ele não tem a prática”, afirmou.

O senhor publicou o livro Modern Brazil: A Very Short Introduction (sem tradução para o português) fazendo uma análise da Era Varguista, ditadura e democracia. O que esses diferentes momentos políticos mostram sobre o Brasil?
ANTHONY PEREIRA — O Brasil tem um dinamismo próprio que ultrapassa as conjunturas momentâneas e que, talvez, seja difícil para um brasileiro enxergar. Eu morei no Brasil na década de 1980. De lá para cá, índices como mortalidade infantil, maternal e taxas de educação da básica até a universitária tiveram melhoras significativas. Essa transformação é muito mais marcante no Brasil do que em outros países. Mas os altos e baixos da conjuntura política atrapalham a visão do brasileiro sobre essas melhoras.

Essa evolução teve impactos positivos na economia?
Eu não diria isso. A sociedade civil e o mundo da economia têm dinamismos diferentes. O sentimento de muitos eleitores é de que a política está abaixo dos níveis desejados e que não necessariamente ajuda. Melhorar a qualidade da representatividade política é um grande desafio para o Brasil.

Do ponto de vista econômico, como foi essa evolução na redemocratização?
Uma percepção comum fora do Brasil é que o País vive de commodities. Tanto das minerais como das agrícolas. Mas o Brasil tem um parque industrial importante. A diferença é que as commodities estão mais vinculadas às exportações, enquanto a indústria abastece mais o mercado doméstico. É importante combater essa falsa imagem que o Brasil só produz bens primários, avançar no debate de como proteger e sustentar esse parque industrial e reconhecer que a produção de commodities como soja, carne, cana de açúcar envolve um processo sofisticado com aplicação de ciência, pesquisas, tecnologias.

O atual governo foi eleito com uma agenda liberal sustentada por um plano de desestatização. A promessa não foi cumprida e os orçamentos para pesquisas foram sumariamente reduzidos. Qual o impacto?
Esse governo é muito paradoxal. Ainda que sustente um discurso muito liberal, ele não tem a prática. Fora da reforma da previdência, não houve mais nenhum avanço da agenda. Além disso, cortar o financiamento de pesquisas é ruim para uma economia que precisa se desenvolver para um modelo de maior valor agregado, de mais inovação, de mais conhecimento e informação no sistema de produção.

Como o senhor mencionou, o Brasil é visto como um exportador de commodities. Agora, os mercados compradores estão acusando o agronegócio de inimigo do meio ambiente. As acusações podem ser uma barreira comercial não tarifária?
Pergunta difícil. França, Irlanda, Áustria e outros países da União Europeia dizem que não querem ratificar o acordo do Mercosul por causa do desflorestamento no Brasil. Claro que há interesses concretos por trás dessas posições. Esses países têm produtores na agricultura que se sentem ameaçados pela competição brasileira. Mas eu não acho que 100% dos casos sejam defesas reacionárias de produtores. Uma parcela da agropecuária reconhece que é preciso melhorar as práticas agrícolas. Sites de entidades como a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil] trazem evidências de investimento em produção sustentável, pois sabem que para preservar acesso aos mercados internacionais os produtores terão de comunicar esses investimentos. Para mim não há uma contradição entre preservação da Amazônia e desenvolvimento da agropecuária.

Há evidências de que essa conjunção é possível?
Pegue os dados de 2004 a 2012 e há grande redução do índice de desmatamento, cerca de 80%. Nesse mesmo intervalo, o Brasil viveu um aumento dos bens da agricultura. É possível conciliar as exigências. Temos um pouco de protecionismo da Europa, mas também existem preocupações legítimas sobre o meio ambiente e mudanças climáticas.

Na COP-26, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, assinou acordo para eliminação de desmatamento até 2030. A ação foi vista como greenwashing brasileiro?
É fácil um governo que acaba em 2022 dizer que vai reduzir a zero o desmatamento até 2030. Governos adoram esse tipo de compromisso, porque não precisam fazer nada no curto prazo. Mas o Brasil precisa enxergar que tem gente que quer remunerar a preservação da floresta. Essa dicotomia entre desenvolvimento e preservação ambiental é falsa.

A economia verde seria o momento de a economia brasileira de fato decolar?
Infelizmente, reforço, o atual governo criou uma dicotomia desnecessária entre meio ambiente e desenvolvimento. Um pensamento da década de 1970 quando se pensava que não era possível desenvolver uma economia sem destruir o planeta. Quando no Brasil representantes do governo falam que pessoas ligadas à proteção ambiental estão ameaçando a soberania nacional, que os ativistas provocam incêndios na floresta Amazônica e quando o próprio presidente da República acusa o Inpe de publicar mentiras porque está ligado a ONGs cria-se muita desconfiança fora do País.

No pilar social, ainda que o senhor tenha pontuado avanços, há um retro-cesso causado pelo governo atual, não?
É muito difícil sustentar um compromisso com o desenvolvimento social quando a economia não vai bem. Quando temos uma situação como a atual, com crescimento baixo, inflação alta, muito desemprego e uma recessão brutal, é muito mais difícil atender a demandas sociais. A desigualdade social é muito alta e precisa ser ponto fundamental em qualquer governo no Brasil. Essa é uma agenda que ficará para 2023.

O presidente Bolsonaro tem prática comum de direcionar suas falas aos seus apoiadores que se identificam com o discurso da extrema direita. O que explica essa ascensão do populismo da direita no Brasil?
Isso é fascinante. É uma questão complexa e a convergência das análises aponta que os protestos de julho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, a operação Lava Jato e a recessão de 2015 e 2016 criaram uma combinação de fatores sem precedentes na história recente do Brasil que culminou em um sentimento antiestablishment nas eleições de 2018 no Brasil. Foi um momento muito particular e que não necessariamente vai se repetir.