O Reino Unido já foi um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Mas com a formação da União Europeia, crises no Brasil e dinâmicas impostas pela globalização, a situação mudou. Atualmente, a despeito de ser a quinta maior economia do mundo, o país está em 20º lugar no ranking de laços comerciais brasileiros, com negócios que movimentam 5,2 bilhões de libras esterlinas, ou pouco mais de R$ 30 bilhões (exportações brasileiras representam 55% e deixam a balança positiva). O volume, considerado pouco, está no radar de Ana Paula Vitelli, presidente da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil (Britcham). Recém-eleita para seu segundo mandato na instituição que comemora 105 anos neste 2022, a executiva diz que o Brexit e o processo de ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) são grandes oportunidades para a relação bilateral entre os países. E as maiores oportunidades estão na economia verde.

Qual a agenda da sua segunda gestão à frente da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil?
O principal pilar é sermos uma representação forte da iniciativa privada que envolve os principais players britânicos no País. Nos últimos anos, fizemos um grande trabalho de atração dessas companhias para a Câmara. Agora, queremos fortalecer nossa atuação em três grandes agendas que foram construídas em conjunto com as empresas e que são agendas também do governo britânico: a ambiental, a regulatória e a tributária, na qual a reforma acaba sendo um grande tema de discussão dentro da Britcham.

Estamos, neste momento, discutindo a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e um dos tantos pontos de fricção é justamente a questão tributária. Qual a grande aspiração da Britcham?
Para atender às normas da OCDE, o Brasil precisa fazer lições de casa importantes, como a reforma tributária e a simplificação do comércio entre países. São temas como estes que estamos discutindo em diversos fóruns que reúnem representantes do setor privado e dos governos brasileiro e britânico. Na pauta estão também a questão dos acordos bilaterais do Brasil com o Reino Unido como caminhos para evitar acordos com bitributação e condições para estabelecer o livre comércio. Alguns dias atrás, inclusive, tivemos uma conversa com o secretário da Receita Federal [Julio Cesar Vieira Gomes] para observar essas questões. O governo britânico está superaberto para aumentar as relações comerciais entre os países. E o governo brasileiro, também.

E qual foi o resultado da reunião?
Foi muito positiva, porém, não era uma reunião na qual sairíamos com um plano de ação efetivo. O importante é que ficou claro o grande interesse de ambos os lados para que as relações comerciais entre os dois países cresçam e se fortaleçam, ainda que haja uma longa jornada para isso.

Ainda que existam boas intenções, hoje o Reino Unido é somente o 20º país na lista dos parceiros comerciais brasileiros com uma movimentação de cerca de 5,2 bilhões de libras esterlinas. Como melhorar esse fluxo?
É verdade que já fomos melhores parceiros comerciais do que somos hoje. A retração aconteceu por diferentes razões, como crises econômicas e mudanças na dinâmica do processo de globalização. Mas no momento em que o Reino Unido sai da União Europeia, abre-se um espaço de fortalecimento das relações bilaterais. Estamos, então, em um momento muito profícuo para trabalhar em acordos que possam favorecer as relações de troca em diversos setores. Ainda que o Brasil tenha algumas lições de casa a fazer.

Quais?
Um dos elementos principais é a reforma tributária com a simplificação do ambiente de negócios, que vai garantir legitimidade jurídica para o País. E isso também faz parte do processo de adesão do Brasil à OCDE.

A segunda agenda que você mencionou tem muita relação com a governança de um país que é a questão regulatória. Qual é a demanda do Reino Unido?
A questão regulatória trata principalmente de se chegar a acordos que envolvam a solução da bitributação e acordos de livre comércio, inclusive com o Mercosul. Além da lição de casa interna como falei, temos alguns aspectos externos como caminhos para atrair novos investimentos, novos recursos de empresas britânicas já instaladas aqui e exportar mais.

No comércio bilateral, pesa também a reputação do País. Como o Reino Unido enxerga o Brasil?
Estamos em um momento no qual a imagem não ajuda muito, especialmente na questão ambiental. Por outro lado, o Brasil é um país de imensas oportunidades em agendas relevantes para o governo britânico, como energias renováveis e economia verde. Alguns projetos interessantes já estão em curso como a primeira planta de hidrogênio verde que está sendo construída com empresas britânicas. Nosso foco é trabalhar mais na agenda positiva e mostrar o que o Brasil tem de melhor, inclusive nas questões de sustentabilidade. Isso não isenta o País da responsabilidade de lidar com problemas sérios que precisam ser resolvidos.

Na economia verde, quais os pontos com mais possibilidade de sinergia entre os dois países?
Estamos trabalhando em muitas frentes, mas enxergamos no setor de fontes renováveis uma oportunidade de grande sinergia em um futuro próximo. Mas existem diversas áreas, nos mais variados assuntos. Entre eles agronegócio, finanças verdes, mineração, óleo e gás. E mesmo cibersegurança. Todos nos interessam.

Em finanças verdes há oportunidades mapeadas?
A economia verde é a chance de o Brasil se recuperar da retração econômica dos últimos anos. Sobretudo depois da pandemia. As oportunidades são muitas, inclusive na questão social, com possibilidades de expansão de emprego e renda. É a hora de pensar em conjunto, ter responsabilidade compartilhada e ações concretas para o País atuar em mudanças climáticas, biodiversidade e mesmo em questões sociais. Por isso, há uma grande oportunidade de investimentos. Um espaço bastante fértil para fazer isso acontecer.

Mesmo com boas perspectivas, houve uma ameaça do Reino Unido em colocar mais um imposto sobre produtos de áreas desmatadas. Como isso pode impactar a relação?
Ainda não tratamos esse tema especificamente na Câmara. O que temos tratado é mais uma agenda positiva para trabalhar em conjunto e não uma que olhe para as sanções.