A crise econômica revela oportunidades para o setor bancário e deve fechar o ano com alta de 12,6% puxada pelo bom desempenho no crédito para famílias durante o terceiro trimestre. Essa é a projeção reajustada do Banco Central. Diante de um cenário de “competição mais saudável”, Ana Karina Dias, CEO do Bmg e ­— até agora — única mulher na liderança de um banco de capital aberto no Brasil, acredita que a adoção do open banking e a chegada de novas instituições digitais podem ajudar a reduzir os custos do crédito no mercado, que ruma a 2022 sob a ameaça da inadimplência. Em entrevista à DINHEIRO, a executiva avalia o ano que vem como um momento de fortalecer as estruturas de análise de crédito e ampliar a oferta para pequenos negócios e microempreendedores, em contraponto à perspectiva de desaceleração do crédito para pessoa jurídica. “Para o próximo ano, o controle da volatilidade do mercado será fundamental, mas estamos com o horizonte do negócio já em 2023”, disse. À medida que conduz a transformação do BMG, fica confiante na estratégia de ajudar a construir uma realidade mais diversa no setor.

Como a transformação digital impactou o setor bancário?
Mesmo antes de Pix ou open banking, o distanciamento social vinha acelerando a adoção dos serviços digitais. O primeiro passo foi a digitalização do consumidor, o que estimulou o desenvolvimento de tecnologias no setor. Somado a esse cenário, o open banking viabilizou a criação de pacotes e serviços, abrindo o leque para os clientes. A combinação da digitalização, novas ofertas e open banking estimulou uma competição mais saudável com condições mais iguais no mercado. Os bancos digitais ainda expandiram a área de abrangência e a oferta de produtos, o que, por fim, deslocou ainda mais o olhar do setor para o cliente.

Ao nivelar os agentes do mercado, como fica a disputa pela captação do cliente?
O open banking pode ajudar a reduzir os juros, mas o próprio aumento da oferta no mercado tem impactos positivos para a redução do custo de crédito no País. No caso do Bmg, migramos de uma relação de venda de produto para a relação de banco completo e visão conta corrente. Estamos diante de um cenário vantajoso para os novos entrantes – nosso caso como banco de conta corrente digital. A chegada do open banking representa uma oportunidade única. É preciso trazer ofertas diferenciadas. Outro ponto é que o maior poder de escolha provocou os consumidores a buscar entender mais sobre o mercado, ou pelo menos sobre o produto. O peso da tomada de decisão vem exigindo reforço da frente de educação financeira.

O Banco Central prorrogou para junho de 2022 o prazo para os participantes do open banking definirem sua estrutura definitiva. Como esse processo vem sendo conduzido no setor?
É uma decisão que não atrapalha o processo do ponto de vista de mercado e ainda dá o tempo necessário para maturação do que ainda precisa ser feito no setor. É uma decisão necessária para respeitar a velocidade para que todos os agentes tenham tempo de se preparar para essa nova estrutura.

O banco de dados é um pilar para a concessão de crédito. Como fazer uma gestão segura dessa base?
É preciso investimentos em prevenção a fraudes e cibersegurança que acompanhem o investimento em digitalização. Além do ataque cibernético, temos a ameaça da engenharia social. Se pensarmos também na chegada do open banking, a Lei Geral de Proteção de Dados veio em boa hora para a construção dessa linha de tempo no setor. Mesmo do ponto de vista do cliente, os dados concedidos são aplicados para criar ofertas melhores. O principal é entender que o cliente é o dono desses dados, o que exige que os agentes desenvolvam ferramentas para garantir o consentimento e o poder de decisão sobre o uso dos próprios dados.

Como está remar no “mar grande” da concessão de crédito não consignado no Brasil hoje?
É onde está a oportunidade de crescimento. A frente do crédito não consignado é a que apresenta cada vez mais oferta e a que o open banking deve ajudar a impulsionar pela visibilidade do histórico do cliente. Mas navegar nesse mar aberto exige uma estrutura de análise de crédito mais robusta.

Está mais fácil concorrer com os grandes bancos neste cenário?
Não sei se está mais fácil, mas há mais oportunidades para captação de clientes hoje. No caso do Bmg, isso está acontecendo com o crescimento do número de contas. Com a adoção do banco digital, temos ferramentas que nos abrem mais possibilidades no mercado. A visão de um banco de rede se difere da de um banco digital. No nosso caso, combinamos as duas perspectivas de negócio, embora a operação física esteja mais apoiada na rede de franquias.

A pressão do cenário econômico e político aumenta as projeções de inadimplência para o ano que vem. Como isso pode afetar a concessão de crédito?
O crédito continua crescendo, mas esse cenário exige complementar a operação com ferramentas de análise. É preciso sofisticar a estrutura de base de dados para atuar nessa frente. A carteira de crédito no Brasil segue em ritmo de expansão – em agosto, a projeção de crescimento foi de 1,6%, sétima alta mensal seguida. No nosso caso, temos uma carteira forte em consignado, o que também nos confere mais resiliência. Para o próximo ano, o controle da volatilidade do mercado será fundamental, mas estamos com o horizonte do nosso negócio já em 2023. Consolidamos as bases e acreditamos estarmos bem estruturados para caminhar com a nossa estratégia nesses próximos dois anos.

Existe uma tendência de desaceleração da frente de crédito para pessoa jurídica. O setor está se preparando para isso?
Os bancos estão desenvolvendo mais plataformas e soluções para pequenas empresas e microempreendedores individuais, o que deve apoiar o crescimento da concessão para pessoa jurídica. Com mais oferta nestas frentes, conseguiremos contrapor um pouco essa tendência. Ainda assim, é um ponto que o mercado precisará acompanhar de perto, principalmente no que diz respeito à análise de crédito. Os bancos precisam apoiar mais as pequenas empresas.

Relatório da consultoria Oliver Wyman de 2020 mostra que as mulheres ainda são apenas 10% dos profissionais em cargos executivos nas instituições financeiras no Brasil. Qual é o papel das lideranças para mudar o cenário de diversidade no setor?
O primeiro ponto para se falar em diversidade é discutir a inclusão. No Bmg, faz parte da nossa estratégia de transformação e de modernização do banco reforçar a sensação de pertencimento. A proposta precisa ser replicada em todas as organizações, mas é interessante ver que o assunto está sendo cada vez mais abordado. Toda vez que discutimos esses temas, aumentamos a capacidade de transformar essa realidade. Pesquisas de mercado já mostram que a diversidade tem impactos positivos até na performance financeira das organizações. Um processo de tomada de decisão conduzido por pessoas com histórias de vida diferentes é muito mais rico.

Você já está vendo essa mudança na prática?
Sim. O conselho do Bmg é composto igualmente por mulheres e homens. Na diretoria, o porcentual de mulheres está crescendo, mas ainda não chega em 50%­ – um dia chegaremos lá. A questão é trabalhar não somente a equidade de gênero, mas diversidade racial, inclusão da comunidade LGBTQIA+ e de pessoas com deficiência. A percepção dos colaboradores sobre o ambiente de diversidade tem evoluído positivamente. Ainda não alcançamos o patamar em que gostaríamos de estar, mas ver esses indicadores subindo já é importante.