Tente pensar um mundo sem websites. Não dá. Há 1,8 bilhão deles atualmente. Tente pensar um mundo sem a nuvem. Será o mesmo. Elas simplesmente estarão nas entranhas de empresas de todos os tamanhos e todos os segmentos. “Não há opção fora”, afirmou à DINHEIRO Alejandro Raffaele, líder da área de Sinergia, Integração de Sistemas e SAP na Red Hat para a América Latina. “E aí um time como o nosso faz a diferença.” A companhia nasceu com os primórdios da web, em 1993, e se especializou em modelar soluções do código aberto Linux para o mundo corporativo. Para muitos, Linux e Red Hat se tornaram
sinônimos. Em julho do ano passado, a IBM concluiu a compra da empresa por US$ 34 bilhões. O desafio – e a ordem – é manter a cultura intocada. Nesta entrevista, Rafaelle fala das oportunidades por carregar no DNA o espírito open source.

Qual recado número 1 a IBM deu quando vocês foram comprados, há um ano e pouco?
Houve dois comentários muito claros da então CEO da IBM [na época, Ginni Rometty, substituída em abril deste ano por Arvind Krishna]. Ela disse para todos os funcionários da Red Hat que deveríamos permanecer Red Hat. Uma companhia neutra. Ela não disse independente. Disse neutra. Deveríamos adotar o mesmo procedimento tendo IBM como parceiro, tendo Microsoft como parceiro, tendo Amazon como parceiro. O segundo ponto foi que Red Hat teria a missão de ser a estratégia do mundo aberto da IBM. Porque ela acredita que aí está o futuro das empresas.

Por que soluções lastreadas ou inspiradas em código aberto serão tão estratégicas e decisivas para uma gigante como a IBM?
O atual CEO da IBM [Krishna], que foi quem liderou o processo de aquisição da Red Hat e é uma pessoa vinda da engenharia, acredita muito no conceito por trás do código aberto. Não se trata apenas de uma resposta tecnológica. Trata-se de uma questão, antes de mais nada, cultural. E nisso está a vantagem da IBM. Ao comprar a Red Hat ela não quer influenciar a Red Hat, ela quer ser influenciada. Foi uma aquisição de cultura. Tanto que o então principal líder da Red Hat, o ex-CEO [Jim Whitehurst], hoje é o número 2 da IBM.

Quando vocês querem contratar alguém na Red Hat qual é o valor primordial que buscam?
Temos dois ou três parâmetros bem importantes. O primeiro deles é a vontade de aprender. E isso não está vinculado à idade. Você pode ter uma criança que não gosta de aprender e ter uma pessoa idosa que todo dia esteja desesperada por aprender. É de cada um e é a primeira coisa que a gente olha. Segundo ponto é a flexibilidade. Por muitos anos a Red Hat foi levada sem muitos processos. Obviamente, com o crescimento dela isso mudou muito. Mas você precisa que os funcionários sejam bem abertos do ponto de vista de flexibilidade. A gente ouve muito o mercado, muito o pedido do cliente. Se você é muito rígido perde essa capacidade de atender e entender o que acontece. E diria que o último ponto é que a gente espera que a pessoa tenha um conceito de diversidade em relação à vida. A diversidade para a gente é ponto central.

Por quê?
Porque se você contrata apenas pessoas que pensam do mesmo jeito, se você forma equipes monolíticas, perde a oportunidade de olhar o mundo de forma mais ampla. Não é bom para o negócio.

Ao tratar do mesmo jeito a IBM ou a Microsoft, mesmo a Red Hat sendo uma empresa que pertence à primeira, existe uma abordagem que ainda não é muito comum no mundo corporativo, a abordagem agnóstica. Como isso se dá no dia a dia?
Três meses antes de se formalizar a compra, durante o principal evento da Red Hat, o Summit, no palco estavam a Ginni [Rometty, da IBM], o Satya [Nadella, CEO da Microsoft] e o Jim [Whitehurst, então CEO da Red Hat]. Quando foi anunciada a aquisição, um de nossos parceiros mais próximos era a Microsoft, e eu pensei: ‘Como Satya vai reagir a essa compra?’. E na verdade eu percebi que ele entendeu perfeitamente que a Red Hat, culturamente, não iria mudar. No começo alguns podem não ter compreendido isso muito bem, mas tudo ficou bem claro. Acredito que conseguimos comunicar ao mercado, com rapidez, que estaríamos bem neutros em qualquer situação.

Caso tivesse de explicar o que é nuvem híbrida para sua tia mais neófita em relação ao universo digital como faria?
Primeiro é preciso entender o conceito de nuvem. É um serviço que a gente acessa por meio da internet. E ele pode ser muita coisa. Desde a conta de energia de sua casa até a série da Netflix. Nuvem é um serviço entregue através da internet. Aí vamos para o híbrido. Por que híbrido?

Primeiro, porque há muitas nuvens. Além disso, há muitas empresas ainda com seus servidores próprios. Como o computador de alguém em casa. O híbrido junta tudo isso, as múltiplas nuvens e o que está dentro das empresas. Conceitualmente parece simples, mas o funcionamento disso tudo não é simples.

Qual a complexidade de tranposição para a nuvem?
A gente tem os dados armazenados em algum lugar, tem os códigos dos aplicativos, tem as conexões de aplicativos com outros aplicativos… O conceito de fazer funcionar esse serviço independentemente de onde ele esteja é difícil. E na Red Hat temos já equipes trabalhando há mais de cinco anos justamente nisso. Que os serviços sejam entregues (sem quebras). Se você está vendo uma série na Netflix, com o serviço distribuído de um ponto, e esse ponto cai, outro ponto assume e você não perceberá que houve qualquer interrupção. Para isso existe uma complexidade de solução muito robusta.

Trata-se de uma solução que garante o conforto de quem consome…
Mais que isso. Tem também a questão da segurança. Esse ponto de contato de internet para entrega do serviço, a nuvem, está em qualquer parte do mundo. Então oferecer alta disponibilidade com segurança evidentemente é decisivo na solução, no serviço todo. Perder o trecho de um filme por causa de uma falha pode não ser grave, mas se você fala de transações bancárias ou de questões relacionadas à saúde, muda muito. Hoje, por exemplo, estamos trabalhando na migração para nuvem de serviços da SAP a seus clientes. Uma migração que precisa se dar sem interrupções e em um ambiente totalmente seguro para cada cliente deles. Não se trata de girar um botão.

Trabalhar em múltiplas nuvens remete a um conceito de não estar dentro de uma cartilha. O oposto: é estar transversal, com outros desenvolvedores. O fato de a Red Hat ter nascido com pessoas que atuavam dentro da cultura do código aberto – que moveu muita gente no princípio da internet e depois com a chegada da web – é o diferencial maior de vocês?
Estamos convencidos de que o mundo é um lugar aberto. Não só do ponto de vista do software. Conceitualmente, a contribuição das comunidades de desenvolvedores tem sido vital para a inovação. A única maneira de entregar tecnologias inovadoras é ter um mundo de desenvolvedores. Um monte de desenvolvedores pensando em como fazer isso melhor, mais seguro, mais rápido. A gente sempre acreditou que isso fosse acontecer, e hoje acontece exatamente assim. Se alguma indústria, algum segmento, tinha alguma dúvida antes da pandemia de que iria funcionar dentro do mundo de nuvem híbrida, já não tem mais. Paralelamente, ter tecnologias fechadas, proprietárias, hoje não é vantagem para ninguém.
Isso é um dado da realidade.

Qual seria o seu legado, para deixar sua marca na Red Hat?
Há muito tempo eu comecei a contribuir num programa de mentoria que existe dentro da Red Hat. Esse programa conecta você com muitos colegas. Um dos meus maiores momentos de felicidade dentro da companhia é o tempo dedicado a esses colegas do mundo inteiro. Sempre recebo muito mais do que entrego. E o que gostaria que fosse legado é sempre o mesmo conceito: pense de forma diversa e seja transparente. O mundo das ideias deve predominar.