O ex-ministro Antonio Delfim Netto, que sabe das coisas, costuma dizer que a única certeza sobre os bancos americanos é que, a cada dez anos, eles perdem os lucros dos dez anos anteriores. Foi assim em 2008, quando os calotes no mercado de hipotecas americano, na crise dos subprimes, varreu os lucros, dizimou empregos e extinguiu instituições centenárias, como o banco de investimentos Lehman Brothers. A irresponsabilidade na concessão de crédito que levou à crise teve duas consequências.

Uma delas foi o maior programa de ajuste estatal da história da humanidade, o Troubled Assets Recovering Program (Tarp), que usou US$ 1,5 trilhão em dinheiro dos contribuintes americanos para salvar os bancos e tentar impedir uma avalanche de falências na economia. E a outra foi um endurecimento sem precedentes na regulação do sistema financeiro.

Para salvar os banqueiros, o governo dos Estados Unidos impôs regras espartanas sobre o controle de riscos, algo que o sistema financeiro brasileiro conhece em profundidade desde 1996, quando o Proer socorreu os bancos ameaçados pela estabilização do Plano Real.

Agora, com a troca de comando na Casa Branca, a velha liberalidade pode voltar. No dia 3 de fevereiro, Donald Trump assinou um memorando ordenando uma revisão da lei Dodd Frank, que entrou em vigor em 2010 e que, desde então, tem mantido sob pressão as instituições financeiras americanas. Um dos pontos é reduzir a necessidade de os bancos manterem dinheiro reservado para o caso de uma nova crise.

Pelos cálculos de especialistas americanos, as seis maiores casas, nomes como Citigroup, J.P. Morgan, Bank of America e Wells Fargo, têm depósitos excedentes que superam US$ 100 bilhões. Ao destravar o sistema, esse dinheiro entraria diretamente no sistema de crédito, estimulando a economia e gerando empregos.

Mais do que meramente alterar as exigências de capital, a mudança na regulamentação afetaria um ponto crucial na atuação de Washington, a limitação ao pagamento de dividendos, bônus e ao exercício de opções de ações pelos bancos.

Os primeiros programas de ajuda, no fim da década passada, foram violentamente criticados porque os banqueiros receberam o dinheiro dos contribuintes com ar contrito e humilde, mas usaram boa parte dele para garantir seu próprios bônus bilionários. Em teoria, a proposta de injetar mais dinheiro na economia é brilhante. Porém, sempre é bom lembrar que, no fim da década passada, estimulados pelo dinheiro farto e fácil, os bancos emprestaram dinheiro irresponsavelmente para financiar investimentos imobiliários injustificáveis.

O sistema levou quase dez anos para purgar os excessos, que levaram a milhares de imóveis desocupados e a uma multidão de mutuários que perderam suas casas. E vale recordar mais um ponto: antes da crise, era comum que os bancos, tanto de varejo quanto de investimento, gastassem somas superiores às dos seus lucros com dividendos e com recompra de ações, para manter as cotações elevadas. Deixar muito dinheiro, sem controle, nas mãos dos banqueiros, é uma receita infalível para a repetição de histórias como a do Lehman Brothers.