Se a indústria automotiva foi uma das mais afetadas pela crise dos últimos anos, dentro do setor o segmento de caminhões foi a maior vítima. De um pico de 172 mil unidades, em 2011, as vendas da categoria recuaram para 50 mil veículos no ano passado, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A queda de 70% nesse intervalo foi marcada por uma onda de férias coletivas e reduções de turnos, entre outras práticas dos fabricantes para readequar a capacidade de produção à nova realidade do mercado.

Ainda é cedo para afirmar que esse cenário crítico ficou para trás. Mas, pouco a pouco, alguns indicadores começam a sinalizar a chegada de um período mais animador para o setor. “A inflexão da curva é ascendente”, afirma Roberto Cortes, CEO da MAN Latin America, fabricante de caminhões e ônibus da marca Volkswagen. No acumulado de 2017, foram produzidos 50,9 mil caminhões no País, um salto de 22,5% sobre os sete primeiros meses de 2016. Desde abril, as vendas vêm registrando índices consecutivos de crescimento (veja quadro ao final da reportagem). O volume de 4,8 mil unidades registrado em agosto, por exemplo, representou um avanço de 9,9% na comparação com igual período, um ano antes, e de 6,6% em relação a junho desse ano. “Os clientes estão voltando às compras e nós estamos preparados para a retomada”, diz Cortes.

Roberto Barral, CEO da Scania Brasil: “A renovação da frota está no limite. O custo de manutenção está ficando mais alto do que o de aquisição” (Crédito:Claudio Gatti)

Alguns dados mostram que a MAN está virando a chave. Em dezembro, a montadora anunciou um plano de investimentos de R$ 1,5 bilhão para o mercado brasileiro, a ser aplicado entre 2017 e 2021. Boa parte desse montante será destinada ao desenvolvimento de novas linhas. O valor superou a média de aportes realizados pela companhia nos últimos ciclos, de R$ 1 bilhão. Instalada em Resende (RJ), a fábrica da MAN é outro exemplo dessa mudança. Gradativamente, a empresa está retomando seu ritmo de produção. Desde o início de setembro, a unidade está operando seis dias da semana, em um turno. Até dezembro, esse expediente incluirá horas extras em três sábados por mês. Nos últimos dois anos, a jornada estava restrita a um turno, quatro dias por semana.

Parte dessa demanda está relacionada a um crescimento de 40% nas exportações em 2017. Mas não está restrita a essa frente. Outro motor por trás é a tendência de reaquecimento do mercado interno. No fim de agosto, a MAN fechou um contrato com a Ambev para a entrega de 417 veículos, sua maior negociação no ano. De olho nos últimos indicadores, há duas semanas, a companhia apresentou uma nova linha de caminhões. O anúncio foi acompanhado da inauguração de um centro de atendimento ao cliente, instalado na fábrica de Resende. Para atender a esses projetos, a MAN contratou 300 profissionais e convocou 140 funcionários que estavam com contratos suspensos. Desde o início da queda nas vendas, a empresa fechou 2,3 mil vagas em sua equipe.

A Scania também acaba de ampliar sua equipe de 3,2 mil para 3,7 mil profissionais. E, até o fim do ano, trabalha com a possibilidade de abrir mais 300 vagas em sua fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. A modernização da unidade é um dos focos do plano de investimentos de R$ 2,6 bilhões, anunciado em abril e que será cumprido até 2020. “O mercado está chegando ao limite para renovar as frotas. Na ponta do lápis, o custo de manutenção é mais alto do que o de aquisição”, diz Roberto Barral, diretor-geral da Scania no Brasil. “Há uma tendência ainda muito leve de recuperação”, afirma Paulo Roberto Garbossa, diretor da consultoria ADK. “Para que esse cenário se consolide, toda a economia precisa girar mais.”

À espera dessa confirmação, outro pilar da Scania é o desenvolvimento de recursos de automação e de conectividade para gerenciar o desempenho do motorista e do próprio caminhão. Por meio de sensores instalados nos veículos, os frotistas têm acesso a dados como velocidade média, consumo de combustível e desgaste das peças. Esse pacote de tecnologias é a base para um serviço que a Scania vai lançar em outubro. Entre outros dados, os sistemas vão informar ao cliente e as 120 concessionárias da marca quando um determinado caminhão precisa de manutenção. Com a data programada, a ideia é reduzir em até 75% o tempo de parada dos veículos nas oficinas e em até 16% os custos com manutenção.

O investimento em tecnologias embarcadas para melhorar a produtividade das frotas é também uma das prioridades da Ford Caminhões. A empresa prepara o lançamento de uma nova linha em 2018. Recursos já presentes nos últimos modelos da marca, como a transmissão automatizada, serão aprimorados. “Vamos incorporar recursos que farão parte do caminhão autônomo no futuro”, diz João Pimentel, diretor de operações da Ford Caminhões para a América do Sul. Outra frente da companhia é a oferta de veículos customizados para um determinado cliente e/ou segmento, como os caminhões lançados recentemente para setores de bebidas e de coleta de lixo. “As vendas estão reagindo, mas ainda não podemos soltar rojões”, afirma Pimentel. Ele estima que o mercado volte a superar o patamar de 100 mil unidades apenas entre 2020 e 2021. Veterano da indústria, Cortes, da MAN, acrescenta. “Passei por 19 crises e a única certeza é que todas acabam. Chegou a hora dessa crise acabar.”