Há pouco mais de um ano, o executivo Fernando Musa, presidente da Braskem America, nos Estados Unidos, recebeu um telefonema do chefe, Carlos Fadigas, solicitando sua vinda imediata ao Brasil. Ele pegou um avião para São Paulo e reuniu-se com o então presidente da Braskem, com o presidente da holding da Odebrecht, Newton de Souza, e com o patriarca do grupo, o empresário Emílio Odebrecht. Saiu deste encontro como o novo presidente da empresa petroquímica. Missão difícil: a Braskem também era investigada pela Lava Jato por conta de pagamentos de propinas a funcionários da Petrobras e de repasses de caixa dois a políticos. Musa ligou para a esposa e avisou que a família voltaria ao Brasil, após quatro anos no exterior. “Quando?”, perguntou ela. “Você eu não sei, mas eu já voltei”, respondeu, com bom humor.

A súbita promoção tinha por objetivo recolocar a Braskem nos trilhos e reconquistar a credibilidade perdida com as revelações explosivas da Lava Jato. Isso, enquanto seus dois principais sócios – o Grupo Odebrecht e a Petrobras – discutem a relação e a possibilidade de venda da participação da estatal. Na quarta-feira 16, quando a Braskem completou 15 anos, Musa, 52, comemorou a nova fase da companhia com uma nova identidade visual e a publicação dos balanços auditados, com um lucro de R$ 1,142 bilhão no segundo trimestre e um lucro acumulado de R$ 3,057 bilhões no ano, até junho. Sua ambição, agora, é tornar a empresa uma referência global do setor. “Viramos a página da Lava Jato”, disse ele à DINHEIRO.

DINHEIRO – A Braskem mudou sua identidade visual e sua logomarca. O que isso significa?

MUSA – É a marca de uma nova fase. Evoluímos de uma Braskem com o mote de petroquímica brasileira de classe mundial para uma empresa mais humana, mais estabelecida, mais internacional.

DINHEIRO – O que mudou, na prática?

FERNANDO MUSA – Completamos 15 anos de uma história de muito sucesso. Começamos em 2002, com a fusão de seis empresas, depois crescemos no Brasil e na América do Sul. Expandimos para os Estados Unidos e o México e, agora, entramos numa nova fase de internacionalização. Resolvemos a situação da Lava Jato em dezembro, com um acordo global [de leniência] que “endereçou” problemas estruturais que a gente tinha e marcou, portanto, o fim de um capítulo.

DINHEIRO – A Braskem conseguiu virar a página da Lava Jato?

MUSA – Sim. Assunto resolvido. Temos muito a fazer, mas a página está virada. O acordo está feito, pagamos boa parte das penalidades e o processo está claramente comunicado aos nossos stakeholders. Nossos clientes e fornecedores nos apoiaram nesse período todo. Na prática, tivemos poucos impactos no negócio. É possível que tenhamos perdido alguma oportunidade de crescimento. Mas, desde a assinatura do acordo, não é mais tema de discussão com cliente, com banco, com fornecedor, com investidor.

DINHEIRO – Além da multa de R$ 3,1 bilhões, o que prevê o acordo com as autoridades no Brasil, nos EUA e na Suíça?

MUSA – O acordo passa pelo reconhecimento de que nós erramos. Fizemos coisas erradas e tomamos providências para que não voltem a acontecer. Conseguimos prazo de seis anos para pagar a multa no Brasil e quatro anos, na Suíça. Lá, parcelamos 70% dos US$ 95 milhões. Nos Estados Unidos, quitamos os US$ 160 milhões. No Brasil,
R$ 760 milhões já foram pagos.

DINHEIRO – Isso tudo saiu do caixa da empresa? Qual foi o impacto?

MUSA – Sim. Na verdade, nosso caixa tem aumentado, pois a operação está indo muito bem. A gestão financeira previa o pagamento de alguma penalidade. É muito dinheiro, mas é algo gerenciável. Óbvio que eu preferia usar US$ 1 bilhão para fazer outra coisa, mas temos que assumir nossa responsabilidade. Não atrasamos nenhum pagamento e seguimos fazendo os investimentos.

DINHEIRO – Quais, por exemplo?

MUSA – Em junho, o Conselho aprovou um investimento de US$ 675 milhões para a construção de uma sexta fábrica de polipropileno nos EUA. Do ano passado para cá, encerramos a fase de consolidar a Braskem como uma empresa global e, agora, estamos prontos para seguir nessa rota de crescimento e geração de valor para os acionistas. No Brasil, não temos quem comprar. Temos que ir para fora. Nossos clientes estão cada vez mais globais.Hoje, 50% da nossa receita vem de fora do Brasil. Exportamos e vendemos produtos em quase 100 países. Somos uma empresa internacionalizada e a nova fase consolida essa visão global.

DINHEIRO – Pensam em mudar a sede da empresa para o Exterior?

MUSA – Esse tema, por questões financeiras e tributárias, foi estudado várias vezes. Não tem nada de concreto agora. É algo possível, à medida que a Braskem evolui. Uma empresa global tem mais centros de decisão lá fora. Mas a Braskem sempre será uma empresa global de coração brasileiro.

DINHEIRO – Qual país seria interessante em caso de mudança de sede? A Irlanda?

MUSA – Há muitas questões tributárias. Tem empresa que vai para a Irlanda, para a Holanda. A Magnesita tinha planos de ir para a Inglaterra. Cada caso é um caso.

DINHEIRO – Uma sede em outro país pode abrir uma porta de saída ao acionista? Isso não deixaria a empresa sujeita a um take over?

MUSA – Pode. Mas também pode abrir uma porta para a Braskem ser um agente de um take over, e não alvo. Parte dos benefícios de uma mudança societária para o exterior é criar uma moeda para transações, que hoje não temos. Muitas aquisições fora do Brasil são feitas pagando-se com ações. Uma mudança para fora teria benefícios, mas também há malefícios. O valor de ação da Braskem está com um desconto enorme.

O vigarista Bernard Madoff, que deu golpe de US$ 50 bilhões (Crédito:Hiroko Masuike)

DINHEIRO – Desconto de quanto?

MUSA – A Braskem é negociada com um valor de mercado de 4,5 vezes o Ebitda. A média do setor é 7. Batemos recorde histórico recentemente, a R$ 40,00 por ação. Tem muito espaço para valorização. Fora isso, seguimos com nossos ganhos de produtividade e de aumentos de capacidade. Temos uma base muito boa. Encerramos o investimento de US$ 5,2 bilhões na Braskem Idesa, no México, que agora passa a gerar um caixa enorme. Só isso libera uma capacidade de investimento expressiva. Com o acordo de leniência, resolvemos um assunto que tinha uma percepção de risco enorme. Agora, estamos começando uma nova fase de investimentos nos Estados Unidos.

DINHEIRO – O discurso nacionalista de Donald Trump preocupa a Braskem?

MUSA – Não. Os Estados Unidos são um mercado importante para nós, independentemente de Trump.

DINHEIRO – Um retrocesso comercial não afetaria as atividades da Braskem no México? E se houver uma revisão do acordo do Nafta?

MUSA – Nossa estratégia no México é servir o mercado local e exportar para a Europa e a América do Sul. Se Trump fechar as fronteiras, é ruim para a economia mexicana e os produtos dos EUA vão subir de preço. O mercado vai sofrer, mas a rentabilidade de cada tonelada pode melhorar. Sou cético [quanto à possibilidade de retrocesso].

DINHEIRO – Aos 15 anos, a Braskem é um adolescente no auge do seu vigor físico, mas que ainda está aprendendo. E parece que os pais [Odebrecht e Petrobras] não se entendem…

MUSA – Estamos em transição da adolescência para a idade adulta. Aprendemos muito com os acertos e com os erros, crescemos e afloramos para o mundo com uma presença mais global e sendo reconhecidos pelos clientes fornecedores e concorrentes. Nesse processo, os pais, que estavam brigando, já estão se entendendo. Eles estão conversando sobre um novo acordo de acionistas.

DINHEIRO – Há chances de reconciliação?

MUSA – Tem de perguntar para eles. Diálogo existe, e isso é um sinal positivo. Nesse processo, a governança da Braskem vem melhorando com uma série de ações que partiram do acordo de leniência.

DINHEIRO – A Petrobras tem interesse em vender sua participação na Braskem?

MUSA – No plano estratégico da Petrobras, consta que querem desinvestir de quatro segmentos, inclusive do setor petroquímico. O Pedro Parente [presidente] e o [diretor] Ivan Monteiro têm dito que isso inclui todo negócio petroquímico.

DINHEIRO – Como isso afeta a Braskem?

MUSA – Nossa vida segue. Estou aqui para criar valor para todos os acionistas. Todo dia tem acionista comprando e vendendo ações na bolsa. É claro que 36% não é a transação do dia a dia.

Ivan Monteiro e Pedro Parente, da Petrobrás, estatal que é sócia do Grupo Odebrecht na Braskem (Crédito:Fernando Frazão/Agência Brasil)

DINHEIRO – E a Odebrecht? Quer vender?

MUSA – A Odebrecht afirma que não tem intenção de vender sua participação.

DINHEIRO – Como garantir que, do ponto de vista de governança, essa jovem de 15 anos não vai delinquir novamente?

MUSA – Estamos fazendo uma série de ações que começaram antes de eu assumir, com a criação do Comitê de Conformidade independente, e a estruturação da área de conformidade, que responde ao comitê e não à minha estrutura de responsabilidade. Ela apoia o negócio, eu e os meus liderados, mas o líder [Everson Bassinello, ex-Fibria] responde direto para o Conselho.

DINHEIRO – Ele pode interferir no negócio?

MUSA – O papel dele não é interferir, mas apoiar o negócio na implantação das ações de conformidade. Temos um plano de ação com mais de 160 medidas. Estamos trabalhando em prevenção e em educação, para que todo mundo entenda a nossa politica de integridade, ética e transparência, e aja dentro desses parâmetros. O acordo prevê a figura da monitoria. A Braskem vai estar sujeita a dois processos de monitoria, coordenados pelo DOJ [Departamento de Justiça dos EUA] e pelo Ministério Público.

DINHEIRO – O auditor não poderia ser corrompido, como tantos seres humanos?

MUSA – Pode, mas o negócio dele é garantir que não exista essa corrupção.

DINHEIRO – O Comitê de Conformidade tem o poder de demitir funcionários?

MUSA – O comitê investiga e apresenta os fatos, mas a obrigação é do líder. Se ele não fizer, passa a ser investigado.

DINHEIRO – É preciso haver uma mudança cultural na empresa, não?

MUSA – O que aconteceu na Braskem envolveu um grupo muito restrito de pessoas, não era um tema espalhado. Mas não existe sistema perfeito, à prova de fraudes. Infelizmente, é a natureza humana. Morei quatro anos nos EUA e vi três ex-governadores serem presos e quatro governadores perderem o emprego porque estavam fazendo besteira. O meu papel é reforçar nossa prática, nossa política, nossa cultura. Temos convicção de que não precisamos disso para competir.

DINHEIRO – Como lidou pessoalmente ao saber que a empresa estava envolvida na Lava Jato? Como superou isso?

MUSA – No meu caso pessoal, isso aconteceu quando eu estava morando fora. Foi difícil. Primeiro, incredulidade. Depois, a realização de que realmente fizemos besteira. E aí veio o sentido de missão. Tem de arrumar, vamos arrumar. Seremos referência mundial nesse tema também.

DINHEIRO – Pensou em sair?

MUSA – Não. Acredito na missão. Conheço as pessoas. Foi um problema restrito.

DINHEIRO – O Brasil sai mais honesto da fase Lava Jato?

MUSA – Sai diferente. Os EUA são mais honestos ou menos honestos? Há problemas, crimes e falcatruas, como [Bernard] Madoff . Lá tem um sistema, o cara vai preso, devolve o dinheiro. O Brasil agora trata disso de forma diferente.

DINHEIRO – Como está a influência da família Odebrecht na empresa?

MUSA – Do mesmo jeito que sempre. Nenhuma.

DINHEIRO – Quem os representa no Conselho de Administração?

MUSA – Temos sete conselheiros independentes. E quatro não independentes, dos quais três têm conexão com a Odebrecht: Newton de Souza, ex-presidente da holding, Carla Barreto e Luiz de Mendonça.