O grupo Votorantim vai comemorar 100 anos de vida em 2018. Durante a maior parte desse século de existência, o conglomerado originado de uma fábrica de tecidos do interior de São Paulo – comprada pelo português Antonio Pereira Ignacio (1875-1951) e expandido por seu cunhado engenheiro, José Ermírio de Moraes (1900-1973) – só ganhou força. A ponto de se tornar a maior corporação industrial brasileira da segunda metade do século passado. O novo milênio, que viu a passagem de bastão da segunda para a terceira geração dos Ermírio de Moraes, trouxe, no entanto, grandes desafios.

Pela primeira vez em sua história, o grupo passou a conviver com prejuízos em seu balanço. Foi o que aconteceu nos anos de 2012 e de 2016, quando o vermelho atingiu R$ 1,25 bilhão. Também a receita líquida, que chegou a triplicar entre 2000 e 2012, para R$ 33,6 bilhões, entrou em queda, nos últimos anos. O balanço de 2016 apontou R$ 26,7 bilhões, 9% menos do que no ano anterior. Ficou claro que estava na hora de uma mudança radical, para que o Votorantim seja capaz de sobreviver e prosperar por mais um século. E essa renovação está começando a mostrar agora a nova cara que o conglomerado terá pelas próximas décadas.

São exemplos disso a venda das operações brasileiras da Votorantim Siderurgia para a indiana ArcelorMittal, em fevereiro – em troca de 15% de participação no negócio –, as promessas de R$ 1 bilhão de investimentos em energia eólica para 2017 e um movimento de análise de todos os ativos imobiliários da família, que poderão dar origem a uma nova organização. “Diferentemente do que se imagina, o portfólio do grupo se movimentou bastante em sua história, e só adquiriu, nas últimas décadas, o perfil atual, atrelado na indústria de base, com negócios em metalurgia e siderurgia”, afirma à DINHEIRO João Miranda, presidente do grupo.

A Votorantim Cimentos quase abriu o seu capital em 2013. Agora, deu o lugar na fila para a Votorantim Metais, que deve ter IPO em 2017
A Votorantim Cimentos quase abriu o seu capital em 2013. Agora, deu o lugar na fila para a Votorantim Metais, que deve ter IPO em 2017 (Crédito:Divulgação)

“A história de gestão da família Ermírio de Moraes nos ensina que não podemos parar de empreender nunca.” Também a abertura de capital de algumas operações voltou à mesa. Há indícios de que a Votorantim Metais terá um IPO ainda neste ano e os negócios de energia e de cimentos, que quase chegou à bolsa em 2013, podem acontecer nos próximos anos. Estão ainda em testes inovações como o uso de impressoras 3D pela Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e o desenvolvimento de películas fotovoltaicas à prova d’água para que painéis de energia solar fiquem boiando em represas de usinas hidrelétricas, aumentando o poder de geração de energia delas. Tudo isso pensando na relevância que o grupo precisará ter para se manter em destaque no futuro.

A elaboração de um novo caminho é recente. Desde 2011, José Roberto Ermírio de Moraes, conhecido na família como Beto, é o responsável por dar sequência ao legado do seu lendário tio, Antônio Ermírio de Moraes (1928-2014), que liderou o conglomerado por décadas e moldou a cultura de suas empresas. Mão forte da família na organização, o empresário da terceira geração dos Ermírio de Moraes é quem promove uma grande reestruturação da governança nos últimos três anos. Em 2014, houve uma transformação na holding que comandava os negócios estruturados em blocos de atuação, como a Votorantim Industrial (VID), que congregava todas as operações produtivas, e o Banco Votorantim.

A holding deixou de existir para se tornar uma gestora de investimentos da família. Num movimento de profissionalização, o executivo Raul Calfat, que presidia a VID passou ao conselho de administração, e o diretor financeiro, João Miranda, assumiu a presidência da nova Votorantim S.A. As companhias do grupo, então, ganharam direções executivas independentes e mais autonomia. Isso afetou principalmente as empresas comandadas integralmente pela família, como a Votorantim Cimentos, a Votorantim Metais e a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). O grupo ainda possui negócios em sociedade, como a Fibria, a Citrosuco e o Banco Votorantim.

Como parte do processo, a avaliação da abertura de capital de alguns negócios é feita de acordo com os estágios em que eles se encontram. “A família sempre se deu muito bem com sócios”, afirma Miranda. Em 2013, a Votorantim Cimentos, que era a joia da coroa naquele momento, quase foi a mercado. “O que não queremos é perder oportunidades de investimentos, como havia na época do superciclo das commodities, pela necessidade de aportes exceder a capacidade do acionista único”, diz Miranda. A crise econômica, no entanto, atropelou o processo. Agora, a Votorantim Cimentos passa por um momento difícil, como todo o setor de construção.

As operações industriais vão conviver mais com investimentos em áreas como energia, que vai receber R$ 1 bilhão dos R$ 3 bilhões previstos para 2017
As operações industriais vão conviver mais com investimentos em áreas como energia, que vai receber R$ 1 bilhão dos R$ 3 bilhões previstos para 2017 (Crédito:Jonne Roriz/AE e Poliki)

“É a maior crise da história do segmento de cimento”, diz Paulo Camillo Penna, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento. “Entre 2004 e 2014, dobramos o número de produtores operando, para 24 grupos, e agora sofremos uma queda de demanda de 25% nos últimos três anos. Há muita oferta para pouca demanda.” Dessa forma, essa operação deve aguardar mais tempo para entrar na fila do IPO. Quem passou à frente foi a Votorantim Metais. Tudo indica que ela abrirá o seu capital já no segundo semestre. Afinal, vive um bom momento e há oportunidades de expansão.

A produção de zinco deve ser o segundo maior destino de investimentos da Votorantim neste ano, atrás apenas da energia eólica. Há em andamento um projeto de aprofundamento da mina em Vazante (MG), que ampliará a sua vida útil em 10 anos. A receita líquida da divisão de zinco e subprodutos da Votorantim ficou em R$ 6,4 bilhões no ano passado, e o Ebitda atingiu 21% da receita. Isso significa que foi a operação mais rentável dentre as divulgadas no balanço financeiro do grupo do ano passado. O IPO deve acontecer fora do País já que a sede da empresa está em Luxemburgo e ela é considerada o negócio mais internacional do conglomerado.

Na lista de espera de abertura de capital, já entrou até a Votorantim Energia, ainda um negócio de pequeno porte. Ao anunciar que, dos R$ 3 bilhões de investimentos previstos para este ano – não contabilizando o projeto de expansão da unidade de celulose da Fibria em Três Lagoas (MS), iniciada em 2015 e que vai consumir R$ 7 bilhões –, um terço deles estará em energia eólica, o Votorantim indicou que essa será uma das grandes apostas para o futuro. A nova empreitada surgiu da avaliação de 80 projetos, que resultou na compra do programa Ventos do Piauí, da desenvolvedora Casa dos Ventos.

Novo milênio: membro da terceira geração, José Roberto (à esq.), ocupa a posição que era do tio Antônio Ermírio de Moraes, e fez uma revisão da governança
Novo milênio: membro da terceira geração, José Roberto (à esq.), ocupa a posição que era do tio Antônio Ermírio de Moraes, e fez uma revisão da governança (Crédito:Silvana Garzaro / AE e Paulo Fridman)

Outras aquisições podem acontecer, até mesmo em energia solar. “O Votorantim tem negócios muito cíclicos e avaliamos que a geração de energia pode trazer um fluxo mais estável de receitas”, diz Miranda. “Como somos um investidor não tão voraz por dividendos, podemos pensar em lucros mais estáveis.” O projeto deve entrar em operação no início de 2018, e já tem 90% de sua energia, com capacidade de 206 megawatts, com venda garantida no mercado regulado. “Em sua história, a Votorantim sempre investiu em energia, por ser uma grande consumidora para a operação de cimento”, diz Elbia Silva Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).

“Agora, a energia eólica será o que vai garantir a expansão da matriz brasileira, por ser limpa, renovável e já é a segunda mais barata do Brasil, depois da hidrelétrica. Faz sentido ela buscar essa alternativa.” Na mesma linha de buscar receita recorrente, existe em gestação na Votorantim S.A. uma nova operação que vai congregar todos os imóveis acumulados pela família pelo último século. Está ainda em processo de análise do perfil dos terrenos e para que atividades podem servir melhor. “A tendência será convergirem para um portfólio mais de espaços comerciais”, diz Miranda.

Entre os estudos mais avançados estão um terreno em Sorocaba que deve servir a desenvolvimento urbanístico e outro na Vila Leopoldina, em São Paulo. O último possui mais de 100 mil m² de área e pode acelerar a recuperação da região próxima do Ceagesp, que deve sair da Zona Oeste da capital paulista. O projeto está em discussão com a Prefeitura. Tantas novas oportunidades pela frente podem ajudar a companhia a contornar um obstáculo que poderia ser um dos maiores para o seu futuro: o alto endividamento.

Ao fim de 2016, a dívida bruta atingiu R$ 24,4 bilhões. Isso significa 20% menos do que um ano antes. A alavancagem, no entanto, aumentou, considerando a relação dívida líquida pelo Ebitda ajustado, ficou em 3,43 vezes. Em dezembro de 2015, ela estava em 2,79 vezes. Isso aconteceu por conta das quedas da receita e do Ebitda no ano seguinte. Estancar essas perdas deve ser o primeiro passo para a Votorantim ter um promissor segundo século pela frente. Cuidar do presente promete ser a melhor forma de se garantir um futuro digno da história do conglomerado que marcou o desenvolvimento industrial brasileiro pelo século XX.

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