24/02/2017 - 15:00
Egresso do Bradesco, Roger Agnelli, tragicamente falecido no ano passado, presidiu a Vale entre 2001 e 2011. Durante esses anos, as ações da companhia valorizaram-se quase 1.600%. Apesar desse desempenho excepcional, Agnelli foi, não delicadamente, convidado a se retirar do cargo pela ex-presidente Dilma Rousseff por discordar das orientações do governo. Sua saída mostra que a Vale, uma das mais eficientes mineradoras do mundo, tinha problemas de governança corporativa. Na segunda-feira 20, a companhia propôs uma reorganização societária que deve impedir mais episódios como esse, melhorando a vida dos acionistas, minoritários inclusive.
Privatizada em 1997, a Vale era uma das jóias das estatais. Privada, tornou-se mais produtiva que suas principais concorrentes, as australianas BHP Billinton e Rio Tinto. Mesmo produzindo um minério de ferro de melhor qualidade, suas ações são negociadas com um desconto médio de 15% em relação às demais. “O temor de ingerência política sempre rondou a Vale e isso se refletiu no preço da ação”, diz Marco Saravalle, analista da XP Investimentos. Não é um temor infundado. O grupo de controle da Vale inclui fundos de pensão de empresas estatais.
“O ponto principal da mudança é que esta nova estrutura tornará a empresa menos sujeita a interferências políticas, o que é muito positivo para o preço dos papéis”, diz Luís Castro da Fonseca, gestor da Nest Investimentos. Negociado ao longo dos últimos quatro anos, o acordo visa permitir que os fundos de pensão vendam parte de suas ações sem abrir mão do controle, e também gerar valor para o acionista melhorando a governança e a liquidez. Se tudo sair como o planejado, em 2020 a Vale será uma empresa sem dono: será uma corporação de capital pulverizado listada no Novo Mercado. Para isso, ela propôs mudanças no estatuto social, estabelecendo 12 conselheiros, dos quais três independentes.
O documento ainda estabelece que, se algum acionista tiver 25% ou mais das ações, ele terá de realizar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA). Conhecida pelo termo “pílula de veneno”, essa cláusula desestimula a concentração de poderes nas mãos de um só investidor. O mercado gostou. As ações ordinárias da Vale subiram 6,92% na segunda-feira 20 e fecharam a R$ 36,43. Foi a maior cotação desde janeiro de 2013, quando a tonelada do minério de ferro valia US$ 150. No mesmo dia, a commodity embarcada para a China subiu 2,2%, para US$ 92,34 por tonelada.
Seu valor de mercado chegou a R$ 184,56 bilhões, superando os R$ 179,63 bilhões do Bradesco. Para Gabriela Cortez e Victor Penna, analistas do BB Investimentos, governança e liquidez melhores aumentam o apetite estrangeiro, o que facilita o acesso ao mercado internacional de capitais. Isso significa juros menores ao captar dinheiro no Exterior. Em teleconferência, o presidente da Vale, Murilo Ferreira, destacou que os 30 maiores acionistas fora do bloco de controle aprovaram as mudanças.
O plano tem três fases. Na primeira, a Vale vai incorporar sua holding Valepar, que possui 54% das ações ordinárias (com direito a voto) e reúne fundos de pensão como a Previ (dos funcionários do BB), a Funcef (da Caixa), a Petros (da Petrobras) e a Funcesp (da Cesp), além de BNDESPar, Bradespar e a japonesa Mitsui. Em conjunto, eles possuem 1,735 bilhão de ações. Para abrir mão do controle como é hoje, eles receberão um prêmio de 173,5 milhões de ações ordinárias. Sua participação vai subir para 1,908 bilhão de ações, ou 36,73% do total. Esses acionistas se comprometem a manter um mínimo de 20% das ações.
Isso vai permitir que eles, se quiserem, vendam 16,73% das ações a partir de novembro, permanecendo os maiores investidores e elevando a liquidez. Em compensação, a incorporação da Valepar vai gerar R$ 3,073 bilhões de créditos fiscais, que serão usados pela Vale para pagar impostos. Em tese, isso significa mais dinheiro em caixa, o que pode resultar em maiores dividendos e redução do endividamento. Todos os demais acionistas serão diluídos em 3%. O segundo passo é converter as preferenciais em ordinárias, que dão direito a voto.
“Tradicionalmente, as ordinárias são as ações mais negociadas, porque o investidor estrangeiro não entende a ação sem direito a voto”, diz Saravalle, da XP Investimentos. Porém, a conversão terá de ser aprovada por pelo menos 54,09% dos acionistas em uma assembleia marcada para 30 de julho. A Vale propõe pagar 0,9342 ação ordinária para cada ação preferencial, com base nas cotações dos 30 pregões anteriores a 20 de fevereiro. A mesma proposta vale para os detentores de American Depositary Shares preferenciais.
“A relação parece razoável, pois segue o desconto médio que as preferenciais têm hoje em relação às ordinárias”, afirma Castro da Fonseca, da Nest. Para ele, somando-se o efeito dessa conversão ao do prêmio pago pelo bloco de controle, os dividendos dos donos de preferenciais devem ser 10% menores do que os que têm ações ordinárias. Em compensação, diz, a troca deve turbinar a negociação do papel na bolsa. “A conversão voluntária, se aprovada, deve aumentar mais de quatro vezes o nível de negociação das ações ordinárias”, afirma um profissional de banco de investimento. Segundo os cinco analistas ouvidos pela DINHEIRO, essa aprovação deve acontecer.