Egresso do Bradesco, Roger Agnelli, tragicamente falecido no ano passado, presidiu a Vale entre 2001 e 2011. Durante esses anos, as ações da companhia valorizaram-se quase 1.600%. Apesar desse desempenho excepcional, Agnelli foi, não delicadamente, convidado a se retirar do cargo pela ex-presidente Dilma Rousseff por discordar das orientações do governo. Sua saída mostra que a Vale, uma das mais eficientes mineradoras do mundo, tinha problemas de governança corporativa. Na segunda-feira 20, a companhia propôs uma reorganização societária que deve impedir mais episódios como esse, melhorando a vida dos acionistas, minoritários inclusive.

Privatizada em 1997, a Vale era uma das jóias das estatais. Privada, tornou-se mais produtiva que suas principais concorrentes, as australianas BHP Billinton e Rio Tinto. Mesmo produzindo um minério de ferro de melhor qualidade, suas ações são negociadas com um desconto médio de 15% em relação às demais. “O temor de ingerência política sempre rondou a Vale e isso se refletiu no preço da ação”, diz Marco Saravalle, analista da XP Investimentos. Não é um temor infundado. O grupo de controle da Vale inclui fundos de pensão de empresas estatais.

“O ponto principal da mudança é que esta nova estrutura tornará a empresa menos sujeita a interferências políticas, o que é muito positivo para o preço dos papéis”, diz Luís Castro da Fonseca, gestor da Nest Investimentos. Negociado ao longo dos últimos quatro anos, o acordo visa permitir que os fundos de pensão vendam parte de suas ações sem abrir mão do controle, e também gerar valor para o acionista melhorando a governança e a liquidez. Se tudo sair como o planejado, em 2020 a Vale será uma empresa sem dono: será uma corporação de capital pulverizado listada no Novo Mercado. Para isso, ela propôs mudanças no estatuto social, estabelecendo 12 conselheiros, dos quais três independentes.

No dia do anúncio das mudanças, as ações ordinárias da Vale tiveram alta de 6,92%, a R$ 36,43, a maior cotação desde janeiro de 2013
No dia do anúncio das mudanças, as ações ordinárias da Vale tiveram alta de 6,92%, a R$ 36,43, a maior cotação desde janeiro de 2013 (Crédito:AFP Photo/Yasuyoshi Chiba)

O documento ainda estabelece que, se algum acionista tiver 25% ou mais das ações, ele terá de realizar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA). Conhecida pelo termo “pílula de veneno”, essa cláusula desestimula a concentração de poderes nas mãos de um só investidor. O mercado gostou. As ações ordinárias da Vale subiram 6,92% na segunda-feira 20 e fecharam a R$ 36,43. Foi a maior cotação desde janeiro de 2013, quando a tonelada do minério de ferro valia US$ 150. No mesmo dia, a commodity embarcada para a China subiu 2,2%, para US$ 92,34 por tonelada.

Seu valor de mercado chegou a R$ 184,56 bilhões, superando os R$ 179,63 bilhões do Bradesco. Para Gabriela Cortez e Victor Penna, analistas do BB Investimentos, governança e liquidez melhores aumentam o apetite estrangeiro, o que facilita o acesso ao mercado internacional de capitais. Isso significa juros menores ao captar dinheiro no Exterior. Em teleconferência, o presidente da Vale, Murilo Ferreira, destacou que os 30 maiores acionistas fora do bloco de controle aprovaram as mudanças.

O plano tem três fases. Na primeira, a Vale vai incorporar sua holding Valepar, que possui 54% das ações ordinárias (com direito a voto) e reúne fundos de pensão como a Previ (dos funcionários do BB), a Funcef (da Caixa), a Petros (da Petrobras) e a Funcesp (da Cesp), além de BNDESPar, Bradespar e a japonesa Mitsui. Em conjunto, eles possuem 1,735 bilhão de ações. Para abrir mão do controle como é hoje, eles receberão um prêmio de 173,5 milhões de ações ordinárias. Sua participação vai subir para 1,908 bilhão de ações, ou 36,73% do total. Esses acionistas se comprometem a manter um mínimo de 20% das ações.

Sucesso de crítica: Trinta dos maiores acionistas fora do bloco de controle aprovaram o plano de Murilo Ferreira
Sucesso de crítica: Trinta dos maiores acionistas fora do bloco de controle aprovaram o plano de Murilo Ferreira (Crédito:Wilton Junior/Estadão Conteúdo/AE)

Isso vai permitir que eles, se quiserem, vendam 16,73% das ações a partir de novembro, permanecendo os maiores investidores e elevando a liquidez. Em compensação, a incorporação da Valepar vai gerar R$ 3,073 bilhões de créditos fiscais, que serão usados pela Vale para pagar impostos. Em tese, isso significa mais dinheiro em caixa, o que pode resultar em maiores dividendos e redução do endividamento. Todos os demais acionistas serão diluídos em 3%. O segundo passo é converter as preferenciais em ordinárias, que dão direito a voto.

“Tradicionalmente, as ordinárias são as ações mais negociadas, porque o investidor estrangeiro não entende a ação sem direito a voto”, diz Saravalle, da XP Investimentos. Porém, a conversão terá de ser aprovada por pelo menos 54,09% dos acionistas em uma assembleia marcada para 30 de julho. A Vale propõe pagar 0,9342 ação ordinária para cada ação preferencial, com base nas cotações dos 30 pregões anteriores a 20 de fevereiro. A mesma proposta vale para os detentores de American Depositary Shares preferenciais.

“A relação parece razoável, pois segue o desconto médio que as preferenciais têm hoje em relação às ordinárias”, afirma Castro da Fonseca, da Nest. Para ele, somando-se o efeito dessa conversão ao do prêmio pago pelo bloco de controle, os dividendos dos donos de preferenciais devem ser 10% menores do que os que têm ações ordinárias. Em compensação, diz, a troca deve turbinar a negociação do papel na bolsa. “A conversão voluntária, se aprovada, deve aumentar mais de quatro vezes o nível de negociação das ações ordinárias”, afirma um profissional de banco de investimento. Segundo os cinco analistas ouvidos pela DINHEIRO, essa aprovação deve acontecer.

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