Ao escancarar o maior esquema de corrupção da história, a Operação Lava Jato acabou gerando um efeito secundário, mas importante. Trata-se da necessidade de uma Reforma Política, que melhore as regras do jogo, traga transparência ao caixa das campanhas, fortaleça a participação popular e renove o quadro político. A oportunidade colocada à mesa, no entanto, provavelmente será desperdiçada pelos parlamentares. Na volta do recesso, no começo de agosto, deputados federais e senadores terão apenas dois meses para debater e aprovar os novos parâmetros eleitorais, que serão válidos no sufrágio de 2018.

O tempo exíguo e a falta de vontade política evitarão mudanças profundas, deixando para um futuro incerto debates relevantes de temas como o fim da reeleição, a adoção do mandato de cinco anos e do voto facultativo, além da discussão sobre um modelo de Parlamentarismo. Tudo isso, obviamente, tem enorme impacto na economia e na ação das tradicionais financiadoras eleitorais. Nesta minirreforma, o tema principal é o financiamento das campanhas, que terão teto de gastos definidos – será de R$ 150 milhões na eleição presidencial, por exemplo.

Adversários ou aliados?: enquanto o Congresso Nacional está em recesso, o presidente Michel Temer e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (à dir., sem gravata), disputam a filiação de parlamentares do PSB

Como o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015, considerou inconstitucional a doação de empresas, as eleições municipais do ano passado tiveram orçamentos bem apertados. Para 2018, no entanto, os políticos avaliam que as campanhas estaduais e a nacional demandarão mais recursos, tornando inviável o financiamento apenas por pessoas físicas. Além disso, deve ser criado um limite para o autofinanciamento – o candidato só poderia doar à própria campanha até 5% dos gastos.

Uma proposta que conta com o apoio da maioria dos parlamentares prevê a criação de um fundo eleitoral, que seria abastecido com recursos públicos. No total, estimam-se entre R$ 3 bilhões e R$ 5 bilhões, que seriam utilizados nos dois turnos das eleições. “A sociedade vai ficar indignada com esse gasto, pois a imagem dos políticos está muito negativa”, diz o consultor político Gaudêncio Torquato, presidente da GT Marketing e Comunicação. Não há consenso sobre como esse dinheiro público seria repartido.

Há partidos que defendem que se leve em consideração o tamanho da bancada eleita em 2014. Quanto maior, mais recursos a legenda receberia. Já as siglas que atraíram novos integrantes, crescendo de tamanho nos últimos dois anos, querem que seja contabilizada a quantidade atual de deputados federais e senadores. A DINHEIRO apurou que o mais provável é a aprovação de um modelo híbrido, que leve em consideração os dois cenários. Sendo assim, há uma batalha no Congresso Nacional para que seja aberta uma janela de 30 dias, criando um festival de troca-troca de partidos, sem que o parlamentar perca o mandato por infidelidade partidária.

Nos últimos dias, houve inclusive um mal estar entre o presidente Michel Temer, do PMDB, e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do DEM, por causa do assédio a dez parlamentares do PSB. Na terça-feira 18, Temer entrou em campo pessoalmente para tentar convencer esses dissidentes do PSB a migrar para o PMDB. O presidente foi a um café da manhã na casa da líder do PSB na Câmara, Tereza Cristina (MS). Esses deputados, no entanto, já haviam tido tratativas com Maia para migrarem ao DEM.

Na mesma noite, para amenizar as críticas, Temer jantou com Maia na residência oficial do presidente da Câmara. No dia seguinte, um novo jantar reuniu os dois no Palácio do Jaburu, residência oficial de Temer. Os aliados tentaram colocar panos quentes nas polêmicas, mas o receio do Palácio do Planalto é de que Maia, sucessor imediato de Temer, conspire contra o presidente da República na votação da denúncia feita pela Procuradoria Geral da República.

Diante de tantas denúncias e investigações, deputados do PMDB, PSDB e de oito partidos que formam o chamado Centrão tentam incluir na minirreforma o “distritão”. Esse sistema prevê a eleição para o Legislativo apenas dos candidatos mais bem votados em cada Estado. Nesse caso, seria eliminado o atual modelo proporcional, que soma todos os votos dos candidatos e das legendas para definir quantos assentos na Câmara cada partido tem direito. O sistema atual permite o “efeito Tiririca”, pelo qual candidatos que receberam poucos votos consigam se eleger graças à popularidade de famosos do seu partido.

Eleições mais baratas: em 2016, as campanhas municipais tiveram orçamento mais enxuto por causa da proibição do financiamento de empresas. Na foto, o então candidato tucano João Dória (Crédito:Cris Faga/NurPhoto)

Foi o caso do palhaço Tiririca, que recebeu pouco mais de um milhão de votos em 2014 e levou junto mais dois candidatos do PR, que receberam menos de 50 mil votos. “O problema do ‘distritão’ é que ele inibe a renovação”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria. “É uma estratégia de sobrevivência da elite política que já tem mandato.” Com a aprovação do “distritão”, as coligações partidárias nas eleições proporcionais (vereadores e deputados) seriam eliminadas.

É curioso notar que o debate sobre as regras eleitorais não coloca em lados antagônicos apenas partidos da base governista e da oposição (leia entrevistas ao longo da reportagem com os deputados Rogério Rosso e Carlos Zarattini). Muitos embates ocorrem entre as grandes e as pequenas siglas, que querem ter acesso ao fundo eleitoral e tentam sobreviver, por exemplo, à cláusula de desempenho. Se aprovado, o mecanismo estabelecerá que cada partido precise ter, no mínimo, 1,5% dos votos em pelo menos nove Estados, na eleição de 2018, para continuar tendo acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita de rádio e TV. Esse percentual chegaria a 4% ao longo das próximas quatro eleições.

Na avaliação dos cientistas políticos e dos próprios parlamentares, o debate atual não vai incluir temas importantes como o fim da reeleição e a ampliação do mandato presidencial de quatro para cinco anos. O polêmico projeto, já aprovado pela Câmara dos Deputados, adormece no Senado Federal. “Eu, particularmente, sou a favor da reeleição, que premia os bons governos”, diz Torquato, da GT Marketing e Comunicação. Outro item polêmico que ninguém considera factível de ser votado neste momento é o fim do voto obrigatório. “O voto facultativo tende a afastar das urnas justamente a parcela da população que mais depende das políticas públicas”, afirma Cortez, da Tendências Consultoria.

Há também chances remotas de o atual Congresso Nacional debater uma eventual mudança na forma de governo. Embora tenha sido derrotado num plebiscito em 1993, o Parlamentarismo continua ganhando apoio de quem considera o Presidencialismo muito engessado, com regras rigorosas para se trocar o presidente. O Parlamentarismo, por outro lado, pode gerar instabilidade política ao permitir trocas constantes do governo. Seja por falta de tempo ou de vontade política, os congressistas estão perdendo a oportunidade de promover uma Reforma Política digna do nome.


“Eleger o mais votado é justo”

O deputado federal Rogério Rosso (PSD-DF) defende o financiamento privado de campanha, com regras e limites

Qual é o destaque da reforma?
O “distritão”, sem coligação proporcional. Essa será a maior mudança.

O “distritão” não impede a renovação na política?
Eu entendo que eleger os mais votados é a regra mais justa. Acaba com o efeito Tiririca.

Como fica o financiamento?
O fundo eleitoral, com dinheiro público, ganhou força, embora eu gostaria de discutir mais o tema. Acho que poderíamos incluir o financiamento privado, com regras e limites. Empresa com doação não poderia ter contrato com o governo.

E o autofinanciamento?
Eu acho ruim. Teria de ter limite para não dar vantagem para quem tem muito dinheiro.

Qual o critério para definir o valor dos partidos no fundo eleitoral?
As regras da Câmara sempre levam em consideração as bancadas formadas nas eleições. Mas reconheço que isso pode ser debatido.

E o fim da reeleição?
Eu gosto do fim da reeleição com mandato de cinco anos.


“O distritão impede a renovação”

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) defende o financiamento público de campanha

Qual é o destaque na reforma?
A nossa proposta é manter o sistema proporcional, sem as coligações partidárias e com a cláusula de desempenho. Se o partido não atingir um determinado percentual, perde o fundo partidário e o tempo de televisão.

Como o sr. avalia o “distritão”?
Impede a renovação política, pois privilegia quem já tem mandato.

Qual o melhor modelo de financiamento das campanhas?
Um sistema misto. As doações de pessoas físicas e o autofinanciamento teriam um limite e o financiamento público seria feito através de um fundo eleitoral.

E doação de empresas?
Sou contra.

Qual o critério para definir o valor dos partidos no fundo eleitoral?
Defendo o número de votos que os partidos tiveram nas últimas eleições. Porém, os partidos que ganharam deputados defendem o tamanho atual da bancada.

E o fim da reeleição?
Sou a favor, mas está no Senado.