A lavradora Bernadete Nascimento Nery sofre com a maior estiagem que a Bahia já viu em sua história – um período de cinco anos sem chuva suficiente para abastecer a cisterna e irrigar a castigada terra. Aos 46 anos de idade, com cinco filhos para criar, a moradora de uma pequena casa sem água encanada no povoado de Santa Bárbara, no distrito de Bonfim da Feira, não teve escolha. Durante seis prolongados meses, foi obrigada a consumir água barrenta. Como não chovia e os caminhões pipa não passavam por lá, era preciso se virar do jeito que dava.

“Eu passei seis meses tomando essa água. Tem gosto de pé de animal. A gente pegava, coava num pano de prato, fervia no fogão para matar os micróbios e colocava na geladeira. Dava para beber”, disse Bernardete para o repórter Alan Tiago Alves, do site G1, que, em abril, publicou uma reportagem especial sobre a dramática situação do sertão baiano. Também na Bahia, até o mês de março, a Secretaria de Saúde do estado (Sesab) havia registrado 259 casos de dengue, com quatro mortes, e 600 casos de chikungunya. Os casos de zika que causam microcefalia aos bebês se alastravam.

A entrega de 100 mil repelentes por mês para 54 mil gestantes é o que, até agora, ajuda a “conter” o avanço da doença – mas não há material suficiente para toda a população. Some a esses problemas que massacram o povo baiano a falta de ambulâncias, viaturas policiais, vacinas, entre outros itens de necessidade básica. Mas o maior de todos os males, aquele que acarreta em tudo o que foi mencionado acima, é um vírus cancerígeno que parece tomar conta de quase todos os políticos brasileiros, uma doença que poderia ser batizada com o seguinte nome: Geddel Vieira Lima.

Chamado pelo Ministério Público Federal de “criminoso em série, que faz dos crimes financeiros e contra a administração pública sua própria carreira profissional”, Geddel foi responsável por dar mais um tapa na cara da sociedade ao mostrar o quanto o País ainda precisa evoluir para matar as células que corroem suas entranhas. Ex-ministro dos governos Lula e Temer, e vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Dilma, ele é acusado de manter R$ 51 milhões em dinheiro vivo em um apartamento de um amigo, em Salvador, a cerca 1 quilômetro de onde cumpre prisão domiciliar. Ao realizar a ação, batizada de Tesouro Perdido, a Polícia Federal encontrou oito malas e seis caixas – daquelas bem grandes – abarrotadas de notas de R$ 50 e R$ 100 e também de dólares, muitos dólares.

Ninguém, nem mesmo o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, que deu a ordem de busca, imaginava o que seria encontrado. A suspeita era a de que Geddel, acusado de pedir propinas de empresas que buscavam financiamentos da Caixa, guardava documentos comprometedores. Mas não: lá estava uma fortuna dividida em R$ 42,6 milhões e US$ 2,68 milhões, uma conta que precisou de oito máquinas, 11 pessoas e 12 horas para ser fechada. Até o fechamento desta edição, na quarta-feira 6 de setembro, dois dias depois da operação policial que apreendeu a maior quantidade de dinheiro suspeito no País, Geddel ainda não havia se pronunciado, nem por meio de seus advogados. As imagens das malas de dinheiro são chocantes, é verdade.

O que mais choca, entretanto, é perceber que, cada uma daquelas cédulas, conquistadas à base de muita corrupção, guardadas num apartamento inabitado e transformado em uma espécie de bunker do crime, faria toda a diferença para quem vive no sertão baiano, na periferia de São Paulo, nas favelas fluminenses, na vida da população brasileira. E não é preciso divagar para comprovar. De acordo com a plataforma De Real para Realidade, do jornal O Estado de São Paulo, com os R$ 51 milhões de Geddel, seria possível construir 1.020 casas populares. Ou, então, comprar 618 ambulâncias, 994 viaturas policiais, 22,97 milhões de merendas escolares, 425 mil vacinas para a gripe H1N1, 4,25 milhões de repelentes e 98,8 mil caminhões pipa iguaizinhos àqueles que poderiam ter saciado a sede da lavradora Bernadete e de sua família. Baianos como Geddel, mas de princípios totalmente opostos.