Ao ativar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, o Reino Unido deu início a dois anos de negociações da separação com a União Europeia (UE), que já se anunciam difíceis pelas expectativas de um lado e de outro do Canal da Mancha, segundo analistas.

O primeiro dia da contagem regressiva para o Brexit já começou a deixar as diferenças aparentes. A primeira-ministra britânica, Theresa May, advogou por acordar os termos da futura relação com a UE “junto com os termos de saída”, opção rechaçada por sua homóloga alemã, Angela Merkel.

“O que pode provocar em um primeiro momento mais problemas é se o Reino Unido disser que deve negociar a saída e o futuro acordo” em paralelo, como fez May, indicou à AFP Ignacio Molina, pesquisador do Real Instituto el Cano.

“Mas se os britânicos disserem que não pensam em fechar o acordo de saída sem ter resolvido o acordo da futura relação, é um problema grave”, aponta Molina, para quem a contagem regressiva iniciada nesta quarta pressiona Londres, “porque se não houver acordo, o resultado será muito desastroso para eles”.

Sobre as futuras relações com a UE, Theresa May expressou na carta enviada a seus sócios europeus seu desejo de “um acordo de livre-comércio audacioso e ambicioso”, principalmente quando o Reino Unido se recusou a permanecer no Mercado Único Europeu para não aceitar uma de suas liberdades: a livre circulação de pessoas.

“O comércio é obviamente um assunto importante e um dos quais mais se fala, mas um assunto ainda mais difícil será o tema do fluxo de pessoas”, assinala Catherine Barnard, professora de Direito Europeu na Universidade de Cambridge, que destaca a alusão de May para garantir os direitos dos cidadãos europeus residentes no Reino Unido.

A carta militar

Esta era uma das prioridades da UE definidas na semana passada pelo negociador da Comissão, Michel Barnier, que liderará as negociações em nome dos 27, junto com a fatura que Londres deve pagar pelos compromissos já firmados com seus sócios e pela fronteira entre a Irlanda e a britânica Irlanda do Norte.

Sobre a fatura, que os europeus estimam em até 60 bilhões de euros, embora ainda não haja cifras oficiais, a ausência de qualquer menção na carta da chefe de governo britânico representa uma “escolha tática” para Vivien Pertusot, do Instituto Francês de Relações Internacionais.

Para esta analista, se abster de mencionar a fatura final evita que Londres “se coloque em uma situação delicada” sobre um assunto que “necessitará de muita negociação”. Este “será um tema muito polêmico”, inclusive para o Partido Conservador de May, acrescenta Janis Emmanouilidis, analista do European Policy Center.

Diante do potencial comercial do bloco europeu, Theresa May escolheu abordar a questão da defesa, advertindo em sua missiva que, “em termos de segurança, um fracasso em alcançar um acordo significaria que nossa luta contra o crime e o terrorismo ficaria enfraquecida”.

“O Reino Unido é uma potência militar, diplomática, [membro] do Conselho de Segurança e [mantém] uma relação especial com os Estados Unidos”, destaca Molina, para quem os britânicos são um “contribuinte líquido para a segurança europeia”.

O acordo de separação deve ser aprovado por ampla maioria pelos países da UE, assim como pela Eurocâmara e pelo Parlamento britânico, mas um eventual pacto de livre-comércio pode seguir um caminho mais difícil.

Esta situação sem precedentes deve ser aprovada por todos os países do bloco e ser ratificado pelos eurodeputados, pelos parlamentos nacionais e por algumas câmaras regionais, um processo que pode durar anos.