A imagem era perfeita para qualquer profissional de marketing. Crianças hospitalizadas ou mortas por um ataque com gás químico realizado pelas tropas do ditador Bashar al-Assad, em mais uma cena horrorosa da aparentemente interminável guerra civil na Síria. Donald Trump retaliou poucos dias depois. Os Estados Unidos dispararam, a partir de dois navios no Mediterrâneo, 59 mísseis Tomahawk contra uma base aérea da Síria, destruindo aviões sírios e russos e matando pelo menos nove pessoas.

Após o ataque, um contrito e solene Donald Trump falou a jornalistas. “Rogamos a Deus por sabedoria enquanto enfrentamos o desafio deste mundo complicado”, disse ele. “Oramos pelas vidas dos feridos e pelas almas dos mortos, e esperamos que, enquanto a América defender a justiça, a paz e a harmonia no final vão prevalecer.”
O discurso tocante coroou um movimento oportunista. A justificativa para o ataque foi proteger o povo americano dos malvados ditadores que usam armas químicas contra vítimas inocentes.

Na verdade, Trump se aproveitou da inegável tragédia humanitária síria para matar três coelhos com um só Tomahawk. Acuado no Parlamento, e incomodado pelas suspeitas acerca de seus vínculos com a Rússia, que vinham ganhando importância no noticiário, Trump precisava dar uma tacada. Deu. E, com ela, atingiu três objetivos. O primeiro foi demonstrar para a opinião pública americana que não é amigo dos russos, aliados de al-Assad. “O ataque prejudica muito as relações entre Rússia e Estados Unidos, que já não estão em sua melhor forma”, disse Dmitri S. Peskov, porta-voz do presidente russo Vladimir Putin poucas horas após o ataque.

Alvo certeiro: os mísseis lançados de dois destróieres no mediterrâneo (à esq.) direcionados a uma base aérea na Síria destruíram aviões sírios e russos (à dir.), mataram nove pessoas e poliram a imagem de Trump perante seu eleitorado
Alvo certeiro: os mísseis lançados de dois destróieres no mediterrâneo (à esq.) direcionados a uma base aérea na Síria destruíram aviões sírios e russos (à dir.), mataram nove pessoas e poliram a imagem de Trump perante seu eleitorado

Isso é música para os ouvidos de Trump, cujos eventuais laços com Putin vinham sendo questionados e poderiam, no pior dos cenários, servir para enfraquecê-lo politicamente ou até mesmo para colocá-lo para fora da Casa Branca. Não se espere uma volta da Guerra Fria, pois as reclamações do Kremlin estão mais para jogo de cena, diz Gunther Rudzit, coordenador do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Rio Branco. “A Rússia e o Irã agiram apenas de forma protocolar”, diz. O segundo objetivo foi mandar um recado claro para Kim Jong-un, o imprevisível ditador da Coreia do Norte, que testou um míssil balístico na manhã da quarta-feira.

“Nossa avaliação é que o placar na disputa entre Estados Unidos e Coreia do Norte foi 59 a um para os americanos”, diz Adeodato Volpi Netto, estrategista-chefe de mercado de capitais da empresa de análises financeiras Eleven Financial. “O momento dele foi perfeito, porque coincidiu com a visita do presidente chinês, Xi Jinping, aos Estados Unidos”, acrescenta Rudzit. “Os americanos vêm pressionando os chineses para que eles contenham a Coreia do Norte, já disseram que iriam agir de maneira unilateral se Pequim não tomasse uma atitude contra Pyongyang, e este ataque é um sinal disso.”

Além de pressionar a Coreia do Norte, analistas americanos, como Paul McLeary, do centro de estudos Foreign Policy, de Washington, avaliam que Trump aproveitou para demonstrar que pode agir sem aviso prévio contra outros governantes que abusarem da retórica para ameaçar os Estados Unidos. “Isso representa uma mudança radical em relação à estratégia de cautela e movimentos longamente planejados de Barack Obama”, escreveu ele. Não se esperam novas ofensivas tão cedo no Oriente Médio.

O ditador e as vítimas crianças sírias supostamente assassinadas pelas armas químicas de Al-Assad (à esq.): Trump usou o horror da imagem para justificar o ataque
O ditador e as vítimas: crianças sírias supostamente assassinadas pelas armas químicas de Al-Assad (à esq.): Trump usou o horror da imagem para justificar o ataque

“O ataque foi uma questão pontual” diz Rudzit. “Não deve gerar uma escalada do conflito, nem a entrada dos Estados Unidos na Síria ou mesmo uma prolongada volatilidade no mercado internacional.” Finalmente, Trump conseguiu o mais importante para si mesmo: melhorar sua popularidade perante o eleitorado e, de quebra, se fortalecer no Congresso. Com a medalha de comandante-em-chefe recém-polida, Trump ganha força para aprovar suas medidas de aceleração da economia. Isso vem em um momento oportuno. Na sexta-feira 7, o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos anunciou a criação de 98 mil novos postos de trabalho, o menor crescimento em quase um ano.

A informação decepcionou o mercado, que esperava uma cifra de 180 mil novas vagas abertas, e coloca em dúvida se a melhoria da confiança da economia está se traduzindo em expansão do nível de atividade. O impacto sobre a economia brasileira será restrito, avalia Heni Ozi Cukier, professor de relações internacionais da ESPM São Paulo. “O Brasil não possui laços diretos e fortes com a Síria e com as principais questões globais do momento, então esse ataque não deve ter forte impacto aqui.” Volpi Netto está mais otimista. Ele avalia que, passado o susto inicial, o ataque à Síria pode ser benéfico.

Fortalecido, Trump tem mais chances de aprovar suas propostas no Congresso, dando mais dinamismo aos negócios por lá e, por tabela, estimulando a economia do Brasil, pois são importantes parceiros comerciais. Mesmo a alta do petróleo será menos danosa do que seria há alguns anos. “Conflitos no Oriente Médio sempre elevam os preços do óleo, mas a inflação no Brasil está abaixo da meta e é capaz de absorver isso”, diz ele. Além disso, essa alta poderá ajudar a Petrobras a reduzir sua dívida e melhorar sua alavancagem. “Indiretamente, isso beneficia as ações como um todo”, diz Volpi Netto.