Donald Trump foi especialmente Donald Trump na segunda-feira, dia 1º, durante uma entrevista concedida na Casa Branca. Ao comentar a situação do crédito nos Estados Unidos, o presidente americano relembrou um de seus bordões de campanha: como os malvados burocratas sufocam os bancos e impedem que a América seja grande novamente. “Tenho muitos amigos que possuem negócios maravilhosos, e não podem crescer por que não conseguem crédito”, disse ele à Bloomberg News.

A solução para isso é simples, avalia Trump. Basta reduzir a regulamentação dos bancos para aumentar a concorrência. “Estou olhando para isso agora”, disse ele. “Algumas pessoas querem voltar ao sistema antigo, certo? Então, vamos olhar para isso.” Foi o bastante para fazer ações de bancos como JP Morgan Chase caírem 1,2% em apenas dois minutos, para se recuperarem parcialmente nos pregões seguintes. A proposta representa uma acelerada volta ao passado.

O “sistema antigo” citado por Trump refere-se a um conjunto de leis criado em resposta à crise de 1929. Quando possuem muito dinheiro dos outros à disposição, os bancos, em geral, fazem bobagens. Um bom exemplo foram os empréstimos imobiliários de má qualidade, que geraram a crise do subprime em 2009. No século passado, a barbeiragem foi séria. Em 1929, os bancos tomavam dinheiro emprestado para financiar especulação com ações.

Frutos da crise Bank of America Merrill Lynch  e JP Morgan Chase: com a Glass Steagal em vigor, as operações de salvamento não teriam acontecido
Frutos da crise: Bank of America Merrill Lynch e JP Morgan Chase: com a Glass Steagal em vigor, as operações de salvamento não teriam acontecido (Crédito:Leon Neal (Getty Images ) | Andrew Burton (Getty Images))

Quando a pirâmide desabou, centenas de bancos quebraram, levando com eles milhares de empresas e poupadores e provocando a Grande Depressão, que duraria até 1937. Para evitar que isso se repetisse, em 1933, o Congresso americano separou, por lei, bancos comerciais (que emprestam dinheiro) dos bancos de investimento (que lidam com ações). Foi o ato Glass-Steagal, nome dos parlamentares que lideraram o processo. Sete décadas depois, o então presidente Bill Clinton revogou a lei para dar mais eficiência ao sistema bancário. Essa mudança gerou gigantes.

Ainda em 1999, o Citibank fundiu-se à seguradora Travellers, criando o Citicorp. Depois do subprime, o movimento de consolidação se acelerou. Bancos de varejo compraram os combalidos bancos de investimento. O Chase Manhattan absorveu o tradicional JP Morgan e formou o JP Morgan Chase. O Bank of America engoliu a Merrill Lynch, criando o Bank of America Merrill Lynch – só para ficar nos mais conhecidos.

Até hoje a decisão causa controvérsia. Para os críticos, sem a Glass Steagal, os bancos ficaram livres para financiar a especulação, o que causou o subprime. Os defensores da mudança afirmam que revogar a lei evitou uma crise ainda mais profunda. Os bancos solventes simplesmente estariam proibidos de comprar as instituições em dificuldades e a economia americana teria, de novo, amargado uma década antes de se recuperar. Enquanto os acadêmicos debatiam o assunto, o Congresso voltou a entrar em cena.

Logo após a crise, dois parlamentares, o senador Chris Dodd e o deputado Barney Frank, reformaram as leis para colocar o sistema em rédea curta. Endureceram as regras e criaram milhares de relatórios para elevar a transparência do sistema e facilitar a fiscalização, no que seria conhecido como lei Dodd-Frank. Trump diz que esse excesso de burocracia vem matando os pequenos empresários americanos, e culpa diretamente a Dodd-Frank quando lamenta a situação dos empresários amigos que não conseguem crédito.

Sua defesa da desregulamentação acendeu mais de uma luz vermelha no mercado financeiro. Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), avalia que a revogação da Glass-Steagal não alimentou a crise e ajudou a manter o sistema funcionando. Porém, após deixar o Fed, Bernanke disse várias vezes que se preocupa com o apetite dos bancos por risco.

Para ele, sem restrições e fiscalização atenta, os gigantes bancários podem voltar a emprestar dinheiro como se não houvesse amanhã. A conta teria conseqüências globais. Os bancos americanos são os financiadores do mundo. Isso vale para empresas brasileiras e para o próprio Tesouro Nacional. Controlados e saudáveis, eles mantêm a economia mundial funcionando. Quebrados, eles fomentam novas crises. É o velho Trump, mais uma vez, brincando com fogo.

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