O presidente Michel Temer mal tinha superado a recente batalha no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que não cassou a chapa Dilma-Temer, e já teve de ajustar sua estratégia para mobilizar sua base no Congresso Nacional. São dois objetivos: dar andamento às reformas e barrar a denúncia do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, que o acusa de corrupção passiva. Trata-se da primeira denúncia na História do Brasil contra um presidente em exercício. Encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira 26, o processo chegou à Câmara dos Deputados três dias depois.

Dias difíceis: o presidente Temer exibe um semblante de cansaço e preocupação no dia da denúncia da PGR (Crédito:Beto Barata/PR)
A escolhida: Raquel Dodge foi nomeada por Temer para ser a procuradora-geral na vaga de Rodrigo Janot (Crédito:Beto Barata/PR)

Na mesma tarde, foram feitas a leitura em plenário e a notificação ao presidente Temer, que terá o prazo de até 10 sessões para se defender na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em seguida, haverá a votação no plenário. Na terça-feira 27, Temer reuniu aliados no Palácio do Planalto para demonstrar força e proferiu um duro discurso contra o que chamou de peça de “ficção” produzida por Janot. “Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem”, afirmou. “Examinando a denúncia, percebo que reinventaram o Código Penal e incluíram uma nova categoria: a denúncia por ilação.”

 

O cientista político Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice, uma das mais requisitadas consultorias de Brasília, avalia que a atitude açodada de Janot, que ainda deve apresentar mais duas denúncias contra Temer, tende a gerar uma repulsa por parte dos parlamentares. “A denúncia da PGR é juridicamente frágil e politicamente forte, o que incomoda o Congresso”, diz Aragão. O presidente fez “ilações” contra o procurador Marcelo Miller, braço-direito de Janot, que deixou a PGR para atuar em acordos de leniência pró-JBS.

Edson Campagnolo, da Fiep: “Se Temer quisesse tomar um gesto de grandeza, neste momento, ele tinha de abrir mão do seu mandato” (Crédito:Beto Barata/PR)

Temer também marcou posição contra Janot ao nomear Raquel Dodge para a sua sucessão, em setembro. A futura procuradora-geral foi a segunda mais votada na lista tríplice dos procuradores – Nicolao Dino, primeiro colocado,tinha o apoio de Janot. Em ambientes fartos para especulações, como ocorre na atual crise política, a cotação do dólar e a pontuação da Bolsa de Valores não podem ser consideradas verdades absolutas sobre o desempenho econômico.

 

Muitas vezes o setor produtivo não comunga da mesma visão do mercado financeiro, cuja principal missão é multiplicar recursos sem nenhum compromisso com a geração de empregos. No entanto, desde 17 de maio, quando as gravações da JBS vieram à tona, esses termômetros financeiros vêm registrando a mesma temperatura morna dos empresários. A incerteza sobre o futuro do presidente Michel Temer – e, por tabela, da agenda de reformas – não permite um pessimismo exagerado nem um otimismo utópico.

Flavio Rocha, da Riachuelo: “Não tem aquele consenso, aquele desejo de mudança do nome como existia na época da ex-presidente Dilma” (Crédito:Beto Barata/PR)

Na dúvida, todos preferem aguardar um pouco mais antes de tomar decisões relevantes, seja a compra ou a venda de um ativo financeiro, seja o anúncio ou o engavetamento de um investimento. De concreto, até agora, apenas a convicção de que o Brasil crescerá menos do que o previsto anteriormente. Com exceção do dia 18 de maio, quando houve uma reação histérica do mercado ao conteúdo dos diálogos entre Temer e o empresário Joesley Batista, os demais pregões nos últimos 40 dias têm registrado um cenário de estabilidade, com dólar comercial em torno de R$ 3,30 e o índice Bovespa na casa dos 62 mil pontos.

 

No mundo real, as notícias positivas e negativas também se intercalam, dia-a-dia, sem uma tendência definida. Ora, o destaque é para o maior superávit externo em mais de duas décadas; ora, a manchete é o maior déficit fiscal em 20 anos. Por um lado, o crédito recua; por outro, o emprego formal aumenta. E assim por diante. Aos 86 anos, com experiência de quem já vivenciou todos os tipos de crise no País, o presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alencar Burti, avalia que há um nevoeiro indissipável em Brasília. “Não consigo dizer o que ocorrerá, é imprevisível”, afirma Burti.

Fernando Pimentel, da Abit: “O governo fica mais preocupado em gerir a crise do que em fazer proposições de políticas necessárias ao país” (Crédito:Beto Barata/PR)

Neste cenário desafiador, os cientistas políticos vão ajustando suas planilhas de probabilidades conforme os fatos se sucedem (leia quadro ao final da reportagem). Atualmente, todos são unânimes em prever que o presidente Temer permanecerá no cargo até o fim de 2018, a não ser que surja um fato novo. “A única forma de tirar o Temer é produzir um evento catastrófico, uma evidência incontornável”, diz Luciano Dias, sócio-diretor da CAC Consultoria Política. Em recente artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu que Temer tenha a “grandeza de abreviar o seu mandato”.

 

Para o setor produtivo, a sobrevivência de Temer não pode ser um fim em si mesmo. Pragmáticos, empresários e executivos querem mesmo é que a tramitação das reformas prossiga no Congresso Nacional, independentemente das feridas expostas do presidente da República. “Se Temer quisesse tomar um gesto de grandeza, nesse momento, ele tinha de abrir mão de seu mandato”, afirma Edson Campagnolo, presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), para quem a crise política continua corroendo o Produto Interno Bruto (PIB).

Alencar Burti, da Associação Comercial de São Paulo: “Não consigo dizer o que ocorrerá [com o presidente Temer], é imprevisível” (Crédito:Beto Barata/PR)
Na quarta-feira 28, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, admitiu, em São Paulo, que a projeção de 0,5% para o PIB neste ano será revisada em breve. “Será um pouco menor que isso, mas certamente será positivo, estará nesse intervalo entre zero e 0,5%”, disse Meirelles. Já o diretor de economia da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Roberto Vertamatti, acredita na capacidade do governo de articular sua base no Congresso Nacional, sem afundar a economia. “Caso Temer fique, e eu acho que isto vai acontecer, a reforma trabalhista passa, mas a previdenciária terá dificuldades”, diz Vertamatti.
Por ter menos pontos polêmicos e necessitar apenas de maioria simples, a reforma trabalhista é considerada mais fácil de ser aprovada. Na noite da quarta-feira 28, o texto foi chancelado na CCJ do Senado, a última etapa antes de ir ao plenário. O relator e líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), vibrou enquanto o desafeto Renan Calheiros (PMDB-AL), que havia acabado de deixar a liderança do partido na Casa, lamentava a derrota. Para que o STF possa julgar Temer, serão necessários dois terços dos votos de todos os deputados federais.

Roberto Vertamatti, da Anefac: “Caso Temer fique, e eu acho que isto vai acontecer, a reforma trabalhista passa, mas a previdenciária terá dificuldades” (Crédito:Beto Barata/PR)

Neste cenário, considerado pouco provável, o presidente seria afastado por até 180 dias do cargo. “Não tem aquele consenso, aquele desejo de mudança do nome como existia na época da ex-presidente Dilma”, diz Flávio Rocha, presidente da Riachuelo, em entrevista ao programa MOEDA FORTE, na TV Dinheiro, salientando que a prioridade deve ser a manutenção da equipe econômica e da agenda de reformas estruturais. Nesse caso, a missão de conduzir o País recairia sobre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é o nome mais comentado em Brasília para vencer uma eventual eleição indireta.

PMDB x PMDB: Renan Calheiros, ex-líder do partido no Senado, diverge de Romero Jucá, líder do governo (Crédito:Beto Barata/PR)

Maia tem dito a aliados que não blindará Temer. “Se Temer sair, o que não é o mais provável, certamente Rodrigo Maia será um nome viável”, diz Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria. A reforma da Previdência, no entanto, vai ficando mais distante a cada novo episódio político. Pronto para ser votado no plenário da Câmara, o texto já contém concessões do governo que reduziram em 25% os efeitos fiscais estimados nos próximos 10 anos. Mesmo assim, os analistas consideram improvável a sua aprovação nos próximos meses, enquanto todas as denúncias da PGR não forem derrubadas. Como 2018 é um ano eleitoral, o calendário fica cada vez mais apertado – a partir de maio, dizem os especialistas, mais nada de relevante passará no Congresso Nacional.

Angustiado com a indefinição política, o presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, reclama que “o governo fica mais preocupado em gerir a crise do que em fazer proposições de políticas necessárias ao País”. Ao blindar a economia e dar prosseguimento à reforma trabalhista, o presidente Temer tenta demonstrar que, mesmo sob pressão, o governo não está paralisado. Por ora, os indicadores econômicos e financeiros, como o dólar e a Bolsa, corroboram esse cenário. Isso, é claro, se não surgir um fato novo.