Bem-vindos ao inferno! Essa e muitas outras placas foram estendidas por cerca de 12 mil manifestantes que protestaram contra os líderes globais das vinte principais economias que desembarcaram em Hamburgo, na semana passada, para o encontro do G-20. A segunda maior cidade da Alemanha sediou a edição mais conflituosa desde a de 2008, que foi marcada pelo colapso financeiro global. Agora, o árduo desafio foi colocar à mesa problemas políticos que o mundo tem enfrentado com a crescente onda da desglobalização. No centro desse conturbado momento está os Estados Unidos. O presidente Donald Trump tem aumentado o nível de tensão geopolítica.

Antes da viagem, ele impôs sanções a um banco da China, que estaria colaborando financeiramente com a Coreia do Norte. O estopim aconteceu após o governo de Pyongyang realizar o lançamento de um míssil em “comemoração” ao 4 de julho, o dia da independência americana. Trump, que mantinha uma relação cordial com os chineses nos seus três primeiros meses de governo, culpa o presidente chinês Xi Jinping por permitir o avanço militar dos norte-coreanos, tanto pela manipulação de suas taxas de câmbio como pelos subsídios na venda de aço. Até o fechamento desta edição, o clima de tensão entre eles ainda pairava no ar. A expectativa era a de que o encontro oficial aconteceria até o final do evento.

Os americanos deixaram de ser o chefe da mesa para se transformar no principal antagonista do encontro. É sabido que ao longo dos últimos nove anos os EUA diminuíram seu peso na economia global. Mas o ex-presidente Barack Obama não se mostrou tão interessado em tratar de questões de impactos domésticos ou bilaterais em uma reunião de vertente multilateralista. As ações de Trump têm sido, claramente, ir de encontro ao de controversos líderes, como o russo Vladmir Putin e o turco Recep Tayyip Erdogan. Eles são aliados contra os avanços bélicos da Coreia do Norte e do Estado Islâmico. Para marcar essa posição, o primeiro encontro de Trump aconteceu com o presidente russo Vladmir Putin, na sexta pela manhã.

Desde sua campanha presidencial, as especulações sobre as relações com a Rússia têm se estreitado (além do suposto envolvimento direto dos russos na vitória de Trump). Com discursos similares em termos armamentistas, Putin e Trump tentam estreitar as relações bilaterais e ter mais força em questões delicadas, como a da Coreia do Norte e a do Estado Islâmico. “O afastamento dos EUA de discussões internacionais ficou ainda mais claro nessa reunião”, Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e em Londres. “Os principais pontos debatidos no G20 são todos de relevância europeia e de países emergentes. Nada daquilo vai de encontro aos interesses de Trump.”

(Des)encontro: em meio à clima tenso e sob protestos com 12 mil pessoas, líderes globais das 20 principais economias se reuniram em Hamburgo, na Alemanha (abaixo) (Crédito:AFP Photo / Odd Andersen)

Com o vácuo deixado pelo presidente do EUA, a chanceler alemã Angela Merkel tenta emplacar sua agenda de cooperação internacional. Essa projeção de Merkel como uma das mais importantes líderes globais pode ser benéfica para as eleições presidenciais que ocorrerão na Alemanha, no final do ano. Mas tudo vai depender do sucesso da missão em avançar nas questões de cooperação tributária, comércio internacional horizontal e desenvolvimento sustentável. Sem falar no fortalecimento do Acordo do Clima de Paris, abandonado pelos EUA no início de junho, e na busca por um consenso sobre os rumos da migração, causada pela crise dos refugiados.

Pelo menos Merkel ganhou o apoio do recém-chegado Emmanuel Macron, presidente da França, que se mostrou favorável à união entre os países e ao multilateralismo do comércio. Do outro lado da mesa, economias emergentes, como o Brasil, tentam emplacar a necessidade de um comércio mundial mais aberto com a cooperação internacional. Até as vésperas do encontro, o presidente Michel Temer não havia decidido sobre sua participação. Mas, mesmo com seu governo mergulhado em crise, ele foi a Hamburgo tentar conquistar um espaço para o País na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Trump tem se mostrado contrário a uma ampliação rápida e irrestrita no grupo – atualmente, com 35 membros, conhecido como clube dos países ricos. Com a mensagem de que a economia do Brasil está retomando fôlego, Temer tenta legitimar seu governo no cenário internacional. “Não existe crise econômica no Brasil”, disse o presidente ao se reunir com a chanceler alemã, tentando esconder a realidade. “O Brasil tem enfrentado uma crise de credibilidade muito grande”, diz Fernanda Magnotta, coordenadora de Relações Internacionais na FAAP. “A imagem do País no exterior ficou muito comprometida e a ausência em um evento como esse seria se colocar como nanico perante o mundo.”