No ano passado, a executiva Roberta Antunes fez uma visita à Rocinha, no Rio de Janeiro. Seu objetivo era observar uma moradora da comunidade conectar o computador Endless Mini à televisão. Era preciso ajustar fios e interligar o teclado, que estava separado. Depois de muita reticência em começar o trabalho, a jovem conseguiu cumprir a tarefa rapidamente, seguindo as instruções de um folheto que explicava detalhadamente os procedimentos. Essa foi uma das primeiras experiências de Roberta à frente da Endless, uma startup americana, baseada em São Francisco, nos Estados Unidos, que pesquisou consumidores de países emergentes, em especial no Brasil, para criar um microcomputador e um sistema operacional gratuito que atenda às necessidades dessa população.

Palpites: o indiano Muhammad Yunus, conhecido como o banqueiro dos pobres e ganhador do prêmio Nobel da Paz, faz parte do conselho da Endless
Palpites: o indiano Muhammad Yunus, conhecido como o banqueiro dos pobres e ganhador do prêmio Nobel da Paz, faz parte do conselho da Endless (Crédito:Shahidul Alam/The New York Time)

A tarefa da Endless não é das mais fáceis. Em primeiro lugar, a startup investe em um sistema operacional para computadores em uma época que as vendas estão em queda livre. No Brasil, por exemplo, o mercado de PCs teve uma queda de 31% no ano passado. Foram vendidas 4,5 milhões, o pior resultado em 13 anos, segundo a consultoria especializada em tecnologia IDC. Não bastasse isso, o principal concorrente da Endless é o Windows, o onipresente software da Microsoft, instalado em oito de cada dez computadores do mundo – a Apple, que desenvolve o OS X, está em 11% das máquinas.

Nada disso parece ser um obstáculo para a companhia. “A missão da Endless é conectar os desconectados”, diz Roberta, que é diretora-geral da empresa no Brasil. A frase de Roberta, que é fundadora do site de viagens Hotel Urbano e foi sua CEO, parece a de um líder de uma organização não governamental que quer acabar com a exclusão digital do mundo. Mas a Endless é uma entidade que quer ganhar dinheiro. No momento, ela está preocupada em aumentar o número de pessoas que usam o sistema.

Mais para frente, a companhia vai se preocupar com os recursos. “Pense na gente como um meio termo entre o Google e o Facebook”, afirmou a executiva. A Endless foi fundada em 2011 pelo americano Matt Dalio, logo depois de visitar a Índia. A companhia tem uma série de investidores secretos que apostaram no projeto. No ano passado, recebeu ainda US$ 23,2 milhões de fundos de family offices dos Estados Unidos. São seus conselheiros o indiano Muhammad Yunus, ganhador do prêmio Nobel da Paz e chamado de O banqueiro dos pobres, e o cientista americano Nicholas Negroponte, que tentou desenvolver um laptop de US$ 100.

A visão da Endless é de que existem três bilhões de pessoas no mundo que não têm acesso a um computador. Sua proposta é chegar a esse público, que está majoritariamente localizado em países emergentes da Ásia e da América Latina. Para isso, ela desenvolveu diversos modelos de computadores que custam a partir de US$ 79 nos EUA. No Brasil, ele tem preço de R$ 899, mas não conta com teclado e monitor. O hardware é apenas um detalhe na estratégia da startup. A máquina foi desenvolvida para provar que é possível ter um equipamento barato.

Cara de smartphone: sistema da Endless tem uma interface parecida com a de um celular e mais de 100 aplicativos
Cara de smartphone: sistema da Endless tem uma interface parecida com a de um celular e mais de 100 aplicativos

O que importa mesmo, na visão de Roberta, é o software. O Endless OS tem uma interface muito parecida com a de um celular e vem com mais de 100 programas instalados, como editores de vídeo, processadores de texto, planilhas, jogos e uma enciclopédia. Todos podem ser usados sem internet, pré-requisito essencial para usuários pobres. Hoje, a Endless conta com forte presença na Ásia, em países como Indonésia, Tailândia e Vietnã. Na América Latina, ela está no México, Guatemala e Brasil. A presença no mercado brasileiro vai ganhar um grande reforço a partir de meados de junho.

A americana HP fechou um acordo com a startup e vai lançar um notebook com o sistema operacional da empresa pré-instalado, que custará até R$ 300 mais barato que um produto similar com o Windows. “O grande diferencial da Endless é não precisar estar conectado”, afirma Bruno Ortolani, gerente de produtos da HP Inc. “Ele é também um sistema muito intuitivo e fácil de aprender.” Além da HP, a taiwanesa Asus vende dois modelos com o sistema operacional no Brasil. O diretor de pesquisas da IT Data, Ivair Rodrigues, diz que a estratégia da Endless não é nova. “Ela é mais uma”, afirma. “Muitos tentaram e fracassaram.” Como se vê, o sonho de desbancar a Microsoft não acabou.

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