No site da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, um texto orienta o público a fazer doações de itens básicos para permitir a continuidade de estudos que balizarão as principais políticas públicas para o setor. A lista inclui desde roteadores e tablets até licenças de softwares, e está acompanhada de uma mensagem sobre a conjuntura atual. “Nosso País passa por um momento de dificuldade econômica, com reflexos significativos no orçamento de empresas totalmente dependentes de recursos do Tesouro, como a EPE.”

O anúncio lembra o edital publicado meses antes pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, com pedidos de contribuições de material de limpeza e produtos de escritório, necessários para garantir a manutenção dos serviços “em tempos de grave crise econômica.” As comparações entre o Estado e a União são inevitáveis diante de um crescente número de episódios de dificuldades nas repartições públicas federais. Os casos lembram a falência estatal fluminense. Um dos mais emblemáticos, a suspensão de passaportes pela Polícia Federal, está próximo de ser resolvido.

Na quinta-feira 13, o Congresso Nacional aprovou um crédito suplementar de
R$ 102 milhões para a corporação. A emissão de novos documentos havia sido interrompida no dia 27 de junho, quando a instituição alegou não ter recursos para a função. Dias depois, fora a vez da Polícia Rodoviária Federal se pronunciar em mesmo sentido. Anunciou redução no patrulhamento como consequência das restrições orçamentárias. Aos poucos, ficam mais evidentes os impactos dos cortes promovidos pela equipe econômica sobre os principais serviços da administração federal.

Fora do alvo: polícia rodoviária federal anunciou redução do patrulhamento por falta de recursos. Congresso Nacional autorizou verba adicional para emissão de passaportes (Crédito:Soldado Guilherme Batalha)

No Rio de Janeiro, faltam recursos para a folha de pagamentos, combustível para viaturas, entre outros. No governo federal, a urgência é menor, mas o alerta começa a soar. Reitores de universidades públicas relatam dificuldades para pagar contas de energia e serviços de limpeza. O presidente do INSS, Igor Gadelha, afirmou ao jornal Correio Brasiliense que o dinheiro em caixa no órgão pode ser insuficiente para o atendimento nas agências até o final do ano. Procurado, o órgão informou que o valor previsto no Orçamento neste ano, de R$ 1,5 bilhão (menor do que o R$ 1,63 bilhão de 2016), garante a manutenção dos serviços.

Afirmou que contingenciamentos são normais no primeiro semestre e costumam ser revertidos conforme as necessidades. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Servidores Públicos da Previdência (Anasps), Alexandre Barreto Lisboa, a preocupação é grande em face aos cortes. Ele destaca, porém, que as afirmações do presidente são ainda um alerta. “Pode contingenciar em várias coisas, mas outras não, como saúde, educação e a seguridade social.” Entre as pastas, cresce a pressão para que o governo possa reverter parte do congelamento de R$ 39 bilhões anunciado em maio.

Em adaptação ao corte de 20%, o Ministério do Meio Ambiente, priorizou ações de combate ao desmatamento ilegal e diz trabalhar na articulação e na distribuição dos recursos para evitar impactos na fiscalização, o que inclui as negociações do ministro Sarney Filho com o Planejamento por mais recursos. O congelamento determinado em maio sinaliza o esforço da equipe econômica para diminuir o risco de descumprimento da meta fiscal deste ano, de um déficit de R$ 139 bilhões no governo federal. Mesmo com o corte, boa parte do mercado prevê um rombo maior do que o previsto e já espera uma alta de impostos para tornar o número possível.

O esforço de corte na máquina federal é significativo. De janeiro a maio, as despesas não obrigatórias acumulam uma queda de 37% no total (leia quadro ao final da reportagem). No Ministério de Minas e Energia, por exemplo, a redução chega a 90% em relação ao mesmo período do ano passado. Cerca de 90% do total de
R$ 1,3 trilhão de despesas previstas para União em 2017 são obrigatórias, como a Previdência, e mais difíceis, portanto, de serem cortados. Demandam alterações em programas antigos ou precisam da autorização do Congresso. “O governo está fazendo o ajuste nos 10% que dá para cortar, mas há sinais de que está chegando no limite, de que não há mais gordura”, afirma o economista da Rosenberg Associados, Rafael Bistafa.

Pressão política: acima, o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro. Abaixo, o relator da denúncia contra Temer na CCJ, Sergio Zveiter, encara o advogado de defesa Antonio Mariz de Oliveira (Crédito:Fernando Frazão/Agênci Brasil)
Os especialistas lembram que, por trás de anúncios de fim de serviços públicos, há também motivações políticas promovidas por corporações mais organizadas para manter suas verbas. De qualquer forma, a situação antecipa um conflito que deve se repetir quando o teto de gastos começar a pesar sobre a máquina, de maior disputa por verbas e a necessidade de selecionar, de fato, prioridades. “Pelo nível do corte, é natural que haja um ou outro serviço com falta de dinheiro, mas em boa parte é reeducação. Se o governo tiver força política, consegue resistir”, afirma Bistafa.

SOBREVIVÊNCIA Em vez de fortalecer os ajustes, a política vem se mostrando uma fonte de pressão sobre os gastos. Não apenas as reformas que poderiam revisar as despesas obrigatórias estão congeladas, em especial a da Previdência, como aumentou o espaço para medidas em busca de apoio no Congresso e a grupos de interesses. Do total de R$ 1,5 bilhão de emendas parlamentares no primeiro semestre, quase R$ 1 bilhão foram concentradas em maio e junho, após a delação da JBS, segundo a ONG Contas Abertas. O novo presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, vem acenando com pleitos do empresariado para liberar mais recursos e para barrar a mudança nas taxas de juros que reduziriam os subsídios. Dois diretores deixaram a instituição após as indicações.

No Congresso, as articulações do Executivo para barrar a denúncia contra o presidente Michel Temer sugerem um ambiente carregado, um mal presságio para o Orçamento da União. Uma intensa troca de integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) garantiu uma vitória do governo no colegiado, que rejeitou, por 40 votos a 25, o relatório do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) admitindo a denúncia contra Temer. Zveiter acusou o Planalto de oferecer benesses em troca de apoio. “Distribuir bilhões em dinheiro público é obstrução de Justiça, para que os deputados venham nesta comissão atrás de liberação de verba, emendas, cargos e votem contra o parecer.” A denúncia será apreciada no plenário da Câmara em agosto.

A União não é o Rio de Janeiro. Ao contrário do Estado, tem o benefício de sempre poder recorrer a mais empréstimos – vide o crédito obtido para os passaportes. O avanço da dívida, após anos de indisciplina fiscal, tornaram essa opção arriscada demais hoje. A não ser que o País esteja disposto a reviver riscos do passado, como a disparada da inflação e a alta desenfreada da carga tributária. A limitação explica a importância dada pela equipe econômica à meta fiscal, mesmo diante de um congelamento doloroso sobre os serviços. Envolverá ainda um amplo debate sobre a estrutura do Orçamento e o peso do Estado como um todo. O alerta está dado: a depender do rumo a ser seguido, o Brasil poderá caminhar para ser o próximo Rio de Janeiro.