Num dos primeiros discursos no Senado, após sua eleição para o cargo, em 2014, o tucano José Serra subiu o tom ao alertar para a paralisia provocada pelo Mercosul no comércio exterior brasileiro. Classificando-o de “delírio megalomaníaco”, o senador sugeriu uma revisão radical do acordo, a partir de uma visão mais pragmática. Aquelas palavras começaram a se transformar em ações em meados do ano passado, quando o presidente Michel Temer o escalou para comandar o Ministério das Relações Exteriores, dando início a uma reorientação da política externa.

Em breve, porém, Serra poderá retomar o tom mais inflamado dos discursos no Congresso. Na quarta-feira 22, o ministro pediu demissão do Itamaraty alegando falta de condições de saúde para continuar no cargo: um problema na coluna que o impede de cumprir o extenso cronograma de viagens ao exterior. Nos últimos compromissos fora do País, o ministro já vinha utilizando injeções para suportar as dores durante os voos, mas há mais por trás da renúncia. Aos aliados, o tucano já deixara escapar sua insatisfação com o cargo, de menor projeção do que a equipe econômica, sua ambição maior desde o impeachment e mais alinhado com seu projeto de candidatura à Presidência em 2018.

Mais recentemente, Serra também vinha sendo abalado ao ser apontado por um delator da Lava Jato como beneficiário de R$ 23 milhões em recursos não declarados na campanha de 2010. O tucano nega. Em carta enviada ao presidente Temer, o tucano afirmou que continuará trabalhando, no Senado, para aprovar projetos que visem a recuperação da economia. A vaga no Itamaraty deve continuar nas mãos do PSDB. Entre os cotados estão o senadores Aloysio Nunes (PSDB-SP), José Aníbal (suplente de Serra), Antonio Imbassahy, recém-indicado para a Secretária de Governo, além dos embaixadores Rubens Barbosa e Sergio Amaral.

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Na avaliação de Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da ESPM, a gestão Serra buscava resultados mais imediatos que pudessem servir de argumento para as pretensões eleitorais do tucano. A renúncia, portanto, deve resgatar a visão de mais longo prazo do Itamaraty. “O uso político do Itamaraty não foi ruim. Ele revitalizou a diplomacia comercial”, afirma Casarões. “Ele achou que conseguiria resultados imediatos, mas esse não é o tempo da diplomacia.” A indicação de um político de peso como Serra ajudou a elevar o status da diplomacia brasileira dentro do governo, após um período de menor importância durante o governo Dilma.

O tucano ajudou a moldar a transformação das Relações Exteriores no que foi chamado de Superministério, que passou a incorporar a Agência de Exportação e Promoção Comercial (Apex) e a Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), responsável por desenhar as diretrizes da política comercial e que até então estavam sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento. Desde o início, o chanceler deixou clara a pretensão de adotar uma linha mais pragmática e menos ideológica na questão de comércio, resgatando as negociações bilaterais e dando maior ênfase aos mercados desenvolvidos.

Em poucos meses no cargo, Serra acelerou as conversas com a União Europeia sobre o acordo com o Mercosul e expôs com firmeza as divergências com países como Venezuela e Cuba. Em notas divulgadas durante o processo de impeachment, por exemplo, rebateu as manifestações de governos regionais questionando a legitimidade do afastamento. Também chegou a criticar a Organização Mundial de Comércio e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Caberá ao seu sucessor buscar novos acordos comerciais.