O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) é quase uma voz solitária em meio a um Senado recheado de investigados pela Operação Lava Jato. Por isso mesmo, é contra o Projeto de Lei de Abuso de Autoridade, inicialmente proposto por Renan Calheiros (PMDB-AL), que, na prática, tem a função de inibir a ação do Ministério Público. Recentemente, Randolfe abraçou as propostas do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, e enviou um novo projeto ao Senado. O relator Roberto Requião (PMDB-PR), “abraçou a ideia”, mas acrescentou uma emenda, que Rodrigues chama de “contrabando para proteger empresários e políticos investigados.” “Isso não pode passar. É o cúmulo do absurdo, os investigados aprovarem um projeto para prejudicar a investigação”, diz Rodrigues. Leia a seguir a entrevista que ele concedeu à coluna:

Em que situação está o projeto de abuso de autoridade?
Primeiro, continuo achando que este debate é inoportuno no meio da investigação Lava Jato. Votar isso agora é um péssimo sinal que o Congresso dá para a sociedade. Para não fugir do debate, de qualquer forma, eu subscrevi o projeto que o doutor Janot (Rodrigo Janot, Procurador Geral da República) protocolizou aqui. Eu me tornei autor do Projeto de Lei 75. O Requião (senador Roberto Requião PMDB-PR) adotou o PL 75, que, de fato, é melhor do que o anterior, mas ele traz um contrabando que compromete não só a Lava Jato como inibe a atuação do Ministério Público.

Que contrabando seria esse?
O contrabando está no artigo terceiro. Ele traz a possibilidade para o crime de abuso de autoridade ser objeto da ação penal privada concorrente a pública. Ou seja, qualquer réu pode mover uma ação penal privada contra o seu investigador.

Qual é o reflexo disso?
Isso intimida o investigador. Se isso estivesse valendo há dois anos, nunca se chegaria até o Marcelo Odebrecht porque, nas primeiras investigações da Operação Lava Jato, a banca de advogados riquíssima paga pela Odebrecht já intimidaria e inibiria a ação do Ministério Público. Além disso, é uma falácia dizer que este projeto é para proteger os pobres que sofrem abuso de autoridade todos os dias. Qual é o pobre desse país que tem dinheiro para pagar uma banca de advogados? Este projeto tem endereço certo: salvar os ricos da algema.

Só rico ou políticos também?
Políticos e ricos também. Só quem tem dinheiro para pagar bons advogados. Quem vai entrar com uma ação privada, o pobre da periferia? Não. É o político que enriqueceu com a corrupção ou os grandes empresários investigados. Passando a lei com esse dispositivo, a algema não chega mais perto deles.

Isso passa aí em Brasília?
Podemos impedir se tivermos mobilização social. Se não tiver pressão social, isso será aprovado. Há um discurso de conveniência. Por exemplo, tem dois projetos que estão em igualdade de condições, um do fim do foro privilegiado e o outro do abuso de poder. Eles dizem que é urgente o de abuso de poder e não é urgente o do fim do foro.

Aliás, o senhor é o relator da proposta do fim do foro privilegiado em todos os crimes comuns. Como os seus pares no senado estão tratando isso?
Bom, a pressa que eles têm para votar o projeto de lei do abuso de poder é inversamente proporcional para votar o fim do foro.

O senhor tem conversado com a equipe da Lava Jato?
Tenho conversado com eles e vou conversar mais para essa batalha final. Tenho falado com a PGR, com o Deltan (o procurador Deltan Dallagnol, chefe da Força Tarefa da Lava Jato) e vários outros integrantes. Esse dispositivo específico inibe e intimida a operação.

Mas os senadores agora adotaram o discurso de que adotaram o projeto do Janot…
Essa é a segunda malandragem. Eles renunciaram ao projeto do Renan (Renan Calheiros PMDB-AL), adotaram o meu projeto, que é o do Janot, só que botaram contrabandos no projeto que são piores do que o projeto original do Renan.

É pior do que o do Renan?
Sim, pois possibilita ao réu mover ação penal privada contra aquela autoridade que ele achar que está incorrendo de abuso. Se isso estivesse em vigência, teria sido impossível ver o Sérgio Cabral (ex-governador do Rio de Janeiro pelo PMDB) na cadeia. A algema jamais teria chegado tão perto de políticos e empreiteiros. Se esse projeto tiver o apoio do PMDB, do PSDB e do PT, como está aparentando ter, é a reação do sistema político contra as investigações. É o contra-ataque à lista do Fachin (Edson Fachin, ministro do STF).

E se for aprovado?
Aprovado, ainda vai para a Câmara e segue para a sanção do presidente. Se passar pelo Senado, acho que a Câmara terá urgência para votar. Mas vamos utilizar todos os mecanismos que estiverem ao nosso alcance. Vamos enfrentá-lo na CCJ, na quarta-feira (26 de abril), vamos enfrentá-lo no plenário. Se passar daqui e seguir para a Câmara, vamos pensar em ação direta de inconstitucionalidade, mandado de segurança, recorrer ao STF. Isso não pode passar. É o cúmulo do absurdo, os investigados aprovarem um projeto para prejudicar a investigação.

(Nota publicada na Edição 1015 da revista Dinheiro)